quinta-feira, 13 de maio de 2010

Reflexão do dia – O Abolicionismo :: Joaquim Nabuco (Prefácio )


" Já existe, felizmente, em nosso país, uma consciência nacional - em formação, é certo - que vai introduzindo o elemento da dignidade humana em nossa legislação, e para a qual a escravidão, apesar de hereditária, é uma verdadeira mancha de Caim que o Brasil traz na fronte. Essa consciência, que está temperando a nossa alma, e há de por fim humanizá-la, resulta da mistura de duas correntes diversas: o arrependimento dos descendentes de senhores, e a afinidade de sofrimento dos herdeiros de escravos.

Não tenho, portanto, medo de que o presente volume não encontre o acolhimento que
eu espero por parte de um número bastante considerável de compatriotas meus, a saber: os
que sentem a dor do escravo como se fora própria e, ainda mais, como parte de uma dor maior - a do Brasil, ultrajado e humilhado; os que têm a altivez de pensar - e a coragem de aceitar as consequências desse pensamento - que a pátria, como a mãe, quando não existe para os filhos mais infelizes, não existe para os mais dignos; aqueles para quem a escravidão, degradação sistemática da natureza humana por interesses mercenários e egoístas, se não é infamante para o homem educado e feliz que a inflige, não pode sê-lo para o ente desfigurado e oprimido que a sofre; por fim, os que conhecem as influências sobre o nosso país daquela instituição no passado, e, no presente, o seu custo ruinoso, e prevêem os feitos de sua continuação indefinida.

Possa ser bem aceita por eles esta lembrança de um correligionário ausente, mandada do exterior, donde se ama mais a pátria do que no próprio país - pela contingência de não tornar a vê-la, pelo trabalho constante da imaginação, e pela saudade que Garret nunca teria pintado ao vivo se não tivesse sentido a nostalgia - e onde o patriotismo, por isso mesmo que o Brasil é visto como um todo no qual homens e partidos, amigos e adversários se confundem na superfície alumiada pelo sol dos trópicos, parece mais largo, generoso e tolerante.

Quanto a mim, julgar-me-ei mais do que recompensado, se as sementes de liberdade, direito e justiça, que estas páginas contêm, derem uma boa colheita no solo ainda virgem da nova geração; e se este livro concorrer, unindo em uma só legião os abolicionistas brasileiros, para apressar, ainda que seja de uma hora, o dia em vejamos a independência completada pela abolição, e o Brasil elevado à dignidade de país livre, como o foi em 1822 à de nação soberana, perante a América e o mundo.
"

Joaquim Nabuco
Londres, 8 de abril de 1863

(Joaquim Nabuco, O Abolicionismo, prefácio, pág. 1, 6ª edição – Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1999)

A luta continua:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O projeto Ficha Limpa, iniciativa popular de lei que chegou à Câmara no fim de setembro do ano passado, afinal aprovado, sete meses e 12 dias depois, é um avanço ou apenas uma ilusão que pode se tornar um retrocesso?

Da proposta original, com 1,5 milhão de assinaturas às quais se agregou mais outro milhão, diretas ou virtuais , foram alterados dois pontos principais: o que tirava a possibilidade de candidatura para condenados por crimes graves em primeira instância, por um juiz, e a impossibilidade de recurso para obter a candidatura, ainda que sub judice.

Essas duas alterações restringiram o alcance e a eficácia da nova lei, pois é evidente que todos os condenados por órgão colegiado vão recorrer.

O deputado Chico Alencar, do Rio, lembra que o PSOL votou pela supressão dessa parte do texto, contra a possibilidade de recursos.

Ele considera que é muito mais visível para o eleitorado um candidato que está nessa condição por mandado de segurança, por exemplo, que sempre pode ser obtido, do que com base em comando da própria Lei das Inelegibilidades.

Apenas nós e o PV encaminhamos a favor da supressão desse adendo ao projeto inicial. Somente 44 deputados votaram pela vedação do recurso além de nós, alguns do PV, do PDT e do PSDB.

Mesmo assim, o Movimento pelo Voto Consciente, uma das diversas ONGs que fazem parte do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), considera um avanço importante a aprovação da nova lei na Câmara.

Rosangela Giembinski, da direção da ONG, lembra que nos municípios, nos estados, tem muita gente que vai ser afetada por esse projeto.

O Voto Consciente tem um trabalho em mais de 200 municípios, e essa amostragem indica que o projeto vai ter um efeito muito grande nas câmaras municipais.

É grande o número de políticos que já exerceram cargos públicos que ficam impedidos de se candidatar, afirma Rosangela Giembinsky.

Uma maneira de amenizar os efeitos da mudança que permite o recurso foi incluir na lei que, mesmo obtido o efeito suspensivo, o julgamento do caso terá prioridade.

Essa era uma reivindicação do Voto Consciente, que entrou com uma representação na Justiça de São Paulo pedindo prioridade para o julgamento de crimes de políticos.

Rosangela Giembinsky relembra, ainda abismada, a resposta que receberam: Isso seria conceder um privilégio aos políticos.

O autor da emenda que concede prioridade, o deputado José Eduardo Martins Cardozo, tão desiludido com a atividade política que não pretende voltar a se candidatar, alega que os em evidente conflito com a lei e com a moralidade pública ficarão constrangidos com a situação, e o costume de protelar as decisões da Justiça perderá força.

Houve outras emendas, classificadas pelo deputado Chico Alencar de estertores da resistência ao projeto, e que foram destruídas pela forte pressão do MCCE e da cidadania internauta: queriam tirar crimes graves e dolosos contra meio ambiente e saúde pública, crimes eleitorais e outros.

Do jeito que a lei foi aprovada, todos os que renunciaram ao mandato para fugir de cassação não poderão se candidatar: Joaquim Roriz (PSC), Paulo Rocha (PT), Valdemar Costa Neto (PR), Severino Cavalcanti (PP) e José Borba (PMDB) são alguns mais notórios.

Há vários deputados com condenação em colegiado estadual, preocupadíssimos.

O deputado Paulo Maluf (PP-SP), por exemplo, foi condenado pela 7ª Câmara de Direito Público do TJ-SP por improbidade administrativa.

A brecha do recurso e do efeito suspensivo serviu, justamente, para que eles não opusessem barreiras totais à aprovação da matéria.

Foi um acordo do relator, deputado José Eduardo Cardozo, com o próprio PT, que resistia muito, e sobretudo com o PMDB.

Outros, não deputados também ficam inelegíveis por oito anos, como os exgovernadores Jackson Lago (PDT-MA) e Marcelo Miranda (PMDB-TO).

Por tudo isso, outra batalha dos contra será, além de protelar ao máximo no Senado, questionar no Supremo Tribunal Federal a validade da lei complementar já para estas eleições.

A vereadora do Rio Andrea Gouvêa Vieira, do PSDB, teme que as limitações impostas ao projeto acabem gerando um retrocesso na luta contra a corrupção, dando a impressão de que tudo foi resolvido.

Ela teme sobretudo que os partidos políticos, com base na legislação, se sintam cobertos para dar legenda a candidatos ficha suja, que, não sendo atingidos pela legislação aprovada, posarão de ficha limpa.

O deputado Chico Alencar concorda: Não podemos vender ilusões e dizer, como ouvi ontem aqui na Câmara, que acabou a corrupção, e que agora o Brasil só terá eleições limpas e candidaturas cândidas, puras, maravilhosas.

Muitos fichas escondidas, sujíssimas, seguirão sendo candidatos.

Também Rosangela Giembinsky, do Movimento Voto Consciente, é da mesma opinião: Não acho que este projeto resolve todas as questões. Sabemos que precisamos de uma Justiça mais ágil, existem outras medidas que vão contribuir para que avancemos ainda mais. Mas que a nova lei é um avanço, isso é indiscutível, diz ela.

Agora, o projeto e as dificuldades estão no Senado, que não tem o mecanismo da Câmara de votar em sessões extraordinárias outros projetos que não medidas provisórias.

O líder do governo, senador Romero Jucá, já sinalizou que, por ele, o projeto não terá encaminhamento de urgência.

Tudo indica que ele será o líder da protelação da análise do projeto no Senado, se não tentar simplesmente derrubá-lo.

Um tonel de água fria:: Dora kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Aprovado na Câmara de forma definitiva em clima de euforia na noite de terça-feira, o projeto que proíbe candidaturas de políticos condenados por crimes dolosos em colegiados judiciais com recurso julgado em tribunal superior foi recebido pelo Senado na quarta-feira com um tonel de água fria.

A história de que havia uma grande articulação entre deputados e senadores para que o projeto Ficha Limpa tramitasse rapidamente no Senado sem modificações a fim de seguir o mais breve possível à sanção presidencial e, assim, talvez entrar em vigor ainda a tempo de valer para as eleições de outubro, revelou-se apenas uma versão otimista dos fatos quando confrontada com a realidade.

O primeiro sinal veio logo no início da tarde quando o presidente do Senado, José Sarney, fez-se aparentemente porta-voz de uma boa notícia. Anunciou que iria propor aos líderes dos partidos um acordo para que o projeto fosse votado em regime de urgência.

Assinalou, no entanto, a necessidade de votar medidas provisórias que trancam a pauta de votações. Mas, como a pauta está obstruída pela oposição por causa da urgência imposta pelo governo aos projetos do pré-sal, há que se observar a existência de um nó difícil de desatar.

Vinte minutos depois, o líder do governo no Senado, Romero Jucá, foi mais explícito. Avisou logo que não há acordo algum para urgência no projeto Ficha Limpa e mais: não há acerto para tramitação rápida.

“O Senado tem que se debruçar sobre a matéria, discutir, emendar o que tiver que emendar.
Isso é um assunto de muita responsabilidade, mexe com a vida das pessoas e com o futuro de cada parlamentar. Eventualmente, todos nós poderemos estar com o futuro inserido em qualquer uma dessas situações. É importante que fiquem claros os mecanismos e os instrumentos de defesa, a legalidade e a constitucionalidade da matéria.”

Não é necessário ser bom entendedor para compreender o que quer dizer o senador. Até porque ele não usou de meias palavras. Pronunciou-as inteiras.

O projeto mexe “com o futuro de cada parlamentar. Eventual­­­mente, todos nós poderemos estar inseridos em cada uma dessas situações”; aquelas que impedem o registro de candidaturas, bem entendido.

Deixemos de lado o fato de o senador figurar no rol dos parlamentares processados a fim de não “fulanizar” a questão e passemos à motivação que sugere sua argumentação: a tentativa de fazer no Senado o que os autores de emendas ao projeto na Câmara não conseguiram, desfigurar o projeto.

Como consequência, haverá atraso na tramitação, pois, uma vez alterado, o projeto voltará à Câmara e depois irá de novo ao Senado. Concluído o processo, o presidente da República tem 30 dias para sancionar a lei.

Como as convenções partidárias que escolhem os candidatos começam a partir de 10 de junho, daqui a menos de um mês, não é preciso grande argúcia para perceber o nome do jogo.

Parece um pouco pior do que a encomenda. Se não mudar o ritmo do andar da carruagem, não é absurdo pensar que exista uma urdidura para que o projeto nem seja aprovado e se perca pelo meio do caminho de obstruções de pauta, medidas provisórias, urgência de pré-sal, requerimentos para discussões em comissões, férias de meio de ano, recesso para campanha eleitoral e daí para o buraco negro é um passo.

Romero Jucá é líder do governo. Como tal fala em nome do Palácio do Planalto. Da base governista. Desautorizou o acordo aventado pelo presidente do Senado e não foi desautorizado por ninguém em sua inflamada posição.

De onde se conclui que esteja politicamente guarnecido e devidamente credenciado para pôr a bancada governista no Senado em confronto com a opinião pública para uma batalha que se avizinha dura.

A pressão de fora levou a Câmara a aprovar um projeto que, se dependesse só dos partidos, não seria aprovado. No Senado, a marcação é mais fácil. São apenas 81 senadores, dois terços com os mandatos em jogo, todos dependentes de voto majoritário, ne­­nhum disposto a ficar mal com o público nem com vocação ao suicídio eleitoral.

Difícil relação com a velha política:: Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Não é fácil a vida do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso. As grandes derrotas que sofreu no último mandato, quando teoricamente tinha maioria parlamentar proporcionada por uma aliança com o PMDB, tiveram um custo pesado. A última foi o fim do fator previdenciário, invenção do governo Fernando Henrique Cardoso para reduzir o déficit da Previdência sem ter que aprovar uma emenda constitucional. Não será fácil também a vida de Dilma Rousseff (PT), ou de José Serra - qualquer que se eleja sucessor de Lula - no Legislativo, independente do grau de experiência do vitorioso nas lides políticas e partidárias.

Os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foram os únicos no período da democratização que se beneficiaram de um alto grau de consenso, que veio de fora para dentro e tomou a casa de forma avassaladora, envolvendo setores conservadores e de centro no mesmo projeto ideológico. O projeto FHC para o país - havia um, de traçado neoliberal - foi produto de uma coesão entre os setores econômicos hegemônicos e a representação política de centro-direita.

Os governos Lula ocorreram sob o signo da dispersão no Legislativo e divisão no bloco dominante, mesmo no segundo mandato, quando dispunha de uma aliança formal com o PMDB. A estabilidade política desse período foi garantida também de fora para dentro do parlamento, mas dessa vez por obra de um forte apoio popular ao presidente e ao governo, e da neutralização de uma eventual oposição de setores do bloco hegemônico com políticas monetárias de perfil conservador e com políticas de crescimento que beneficiaram determinados setores produtivos.

No Congresso, todavia, isso não se traduziu numa maioria reunida em torno de um projeto político único, mas exclusivamente num bloco de ocasião.

Lula, por ter um perfil menos conservador que os governos anteriores e por uma política bem-sucedida de distribuição de renda, produziu um paradoxo no cenário político-eleitoral. A incorporação de massas à sociedade de consumo vem desabrigando políticos de suas bases tradicionais. Uma parte dessas forças políticas mais conservadoras optaram por apoiar o governo para não sumir do mapa político. Na prática, no entanto, concorrem com o PT e os partidos mais à esquerda da base parlamentar pelo usufruto da popularidade do governo. Disputam eleitoralmente com políticos com afinidade ideológica, mas que são adversários do governo, e com políticos que são adversários ideológicos, mas aliados ao governo. Quando vai à votação um projeto de votação de apelo popular, como o de aposentadoria, a disputa pelo voto na base social torna qualquer coesão impossível na base parlamentar.

Não há um projeto político comum, mas uma realidade em que forças que emergiram, no passado, de uma realidade local dominada por chefes políticos, estão sendo colocadas em xeque. Há uma concorrência pelo voto de um eleitor antes fidelizado por práticas políticas tradicionais.

Vem ocorrendo, de forma simultânea, um início de autonomização das bases que emergiram à sociedade de consumo e estão formando lideranças próprias. Não apenas o partido de um presidente popular disputa esse voto com o político tradicional. Ao cenário político começam a ascender lideranças originárias da base social que antes sufragava políticos tradicionais. A emergência à sociedade de consumo confere cidadania à população antes marginalizada, entendida não apenas como possibilidade de comprar, mas também como consciência de plenitude de direitos políticos - eleger e ser eleito, representar e ser representado.

Os setores tradicionais da política vem perdendo gradativamente espaço nas bases que lhes garantiram, até agora, serem eleitos e se tornarem elites políticas - e esse é um processo político que dificilmente se extinguirá com o final do governo Lula. A estratégia do PT, de abrir mão de candidaturas aos governos de Estado para reforçar a sua base parlamentar, de alguma forma reconhece que o descompasso entre o que ocorre nas bases e a manutenção de uma elite parlamentar de origem tradicional torna muito difícil a governabilidade, pela dificuldade de coesão em torno de um projeto comum. Na verdade, é quase impossível um partido com alguma veleidades à esquerda conseguir um projeto comum com esses setores tradicionais.

Os setores tradicionais alinhados à oposição disputam o mesmo espaço e podem até prosperar, na disputa pelo poder político, se voltarem a ser governo. A divisão na sua base, todavia, terá se acentuado após a disputa eleitoral de outubro. Outros atores estão ingressando e interferindo nos redutos da política tradicional - e isso afeta não apenas a base do PMDB, que é teoricamente governista, mas do DEM e até de setores do PSDB alinhados a práticas políticas tradicionais.

Independentemente do partido, é um tipo de relação com o eleitorado que está sob questão. Os políticos tradicionais que conseguirem se eleger em outubro terão um peso menor do que têm nesse Congresso. Isso não significa exclusão de um grupo ideológico, mas condições para emergência de um setor conservador mais moderno.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

É a democracia, estúpidos :: Clóvis Rossi:

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

MADRI - A discussão em torno da autonomia absoluta do Banco Central, levantada por José Serra, é na verdade a propósito da democracia.

Democracia pressupõe que o eleitor escolha alguém (no Brasil chamado presidente da República), que tomará as decisões que julgar convenientes, entre elas o nível dos juros, o câmbio, o deficit ou superavit fiscal adequado.

Democracia não pressupõe que um funcionário subalterno tome tais decisões à revelia do presidente. É simples assim.

O raciocínio subjacente à tese de que o Banco Central pode fazer o que quiser e o presidente da República não tem que se meter é radicalmente antidemocrático.

Pressupõe que o tal de povo pode, de repente, eleger um maluco para a Presidência (maluco do ponto de vista dos mercados, aos quais o Banco Central presta a maior reverência). Para contrabalançar esse risco, é preciso ter alguém sensato (sensato do ponto de vista dos mercados) para evitar maluquices.

Levado ao limite, tal raciocínio acabará por dispensar o voto popular, transferindo a escolha de uma boa vez para os sábios do mercado -os mesmos que estão na raiz da brutal crise ainda em curso.

A primazia da política sobre os mercados apareceu ontem em artigo para "El País" de Felipe González, que pode ser acusado de muita coisa, menos de antimercado. Foi ele quem, como líder do Partido Socialista Operário Espanhol, limou o marxismo ainda existente no programa partidário.

Como presidente do governo, levou a Espanha à Comunidade Europeia, o segundo maior centro capitalista do mundo, após os EUA.

González cobrou a regulação do sistema financeiro com este argumento: "Se não os regularmos [os mercados], eles acabam por regular-nos [aos governos e à sociedade], a seu capricho especulativo e com custos insuportáveis".

Anistia, bandidos e heróis:: Fábio Wanderley Reis

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A recente deliberação do STF sobre a Lei da Anistia ensejou que se retomasse - de novo - a discussão dos problemas envolvidos. A lei remete à própria refundação democrática do país após longa ditadura, e não admira que os problemas sejam muitos.

É grande a diferença de perspectivas com que o assunto é tratado nos meios de comunicação, de clara afinidade com os enfrentamentos que levaram à ditadura mesma ou que ela produziu. Na iracunda "blogosfera", há até quem descreva a iniciativa de reexaminar na Justiça o significado real da lei como tentativa de transformar "no tapetão" a derrota na luta armada em vitória - o que, equiparando a Justiça ao fraudulento "tapetão" das disputas esportivas, legitima e faz prevalecer moralmente o vale-tudo da violência em que as regras se tornam irrelevantes. De outro lado, há os que se apegam à noção de "crime político", em que o cidadão que tem na cabeça certa ideia que ele presume permitir organizar melhor a sociedade e o Estado ficaria autorizado, junto com os muitos ou poucos que venham a compartilhá-la, a recorrer àquele mesmo vale-tudo e à violência contra os demais sem expor-se à punição do criminoso "comum".

Naturalmente, é preciso realismo em assuntos políticos, e a aspiração de chegar a construir uma aparelhagem judicial a um tempo eficiente e isenta não impede que a recomendação de realismo se aplique também a ela. Pondo de lado problemas mais antigos de nossa Justiça, ou o ativismo legislativo com frequência inconsistente que tem exibido em tempos recentes (sem falar das cobranças que caberia fazer quanto à timidez de sua atuação durante a própria ditadura), o debate de agora tem permitido apontar com força a precariedade de um dos supostos invocados na decisão contra a inconstitucionalidade da Lei da Anistia, o de que teria havido negociação ampla a respeito entre civis e militares. Pois ela foi, na verdade, uma outorga dos ditadores militares, fortemente condicionada pela definição que faziam dos seus próprios interesses e dos de sua corporação e pelo poder que controlavam mesmo no Congresso.

Fica a questão de como situar-se diante de constatações como essa e de sua relevância no equacionamento do problema geral. Os estudos sobre as transições à democracia na América Latina e em outras partes destacavam com insistência, anos atrás, a necessidade de, com um realismo consciente das assimetrias envolvidas, acomodar os interesses da corporação militar como condição de que as transições viessem a ser de fato possíveis. E cabe sustentar que esse esforço de realismo tem de ser levado à avaliação até do trabalho de elaboração constitucional: ainda que a constituição que dele resulte possa incluir anseios passíveis de formulação consensual, ela não pode deixar de ser a expressão adequada de compromissos em que se incorporam desigualdades reais de poder - sob pena de, como muitas vezes na história, a constituição se inviabilizar como instrumento de enquadramento institucional efetivo do jogo político cotidiano.

A posição mais inconformada com a interpretação que prevaleceu no STF tende a salientar o perdão à figura execrável do torturador que a interpretação conteria. Mas é notável que essa posição seja desatenta ao fato de que o torturador era pau mandado num sistema que os que aderem a ela reconhecem eles mesmos, como todo mundo, ter estado centrado no poder dos ditadores. Assim, a posição acaba compartilhando, de certa forma, a hipocrisia que se pode apontar na famosa manifestação de Pedro Aleixo, que, opondo-se ao AI-5 mas evitando enfrentar efetivamente o poder dos ditadores e aceitando conviver com o dispositivo autoritário, declarava que o motivo de preocupação eram os abusos e arbitrariedades que viriam não do presidente da República, mas do guarda da esquina. Não tendo havido qualquer empenho de levar ao banco dos réus os chefes maiores da ditadura, já agora mortos ou velhos, caberia caçar os sabujos?

Melhor aderir, de novo com realismo, à perspectiva que Paulo Brossard esboçou em texto que circulou há algum tempo: não se trata, com a anistia, de fazer justiça, mas de pacificar - ainda que cumpra reconhecer, sem dúvida, que os fatos desse período negro de nossa história devem ser desvendados e trazidos ao conhecimento de todos. Mas há algo quanto ao contexto factual relevante que tende a ser silenciado ou distorcido: uma cultura de violência que se difundia havia algum tempo e que fazia que muitos de nós, romanticamente atraídos por ideias marxistas e pela Revolução Cubana, ou mesmo por impulsos de inspiração diretamente religiosa, admitíssemos, sim, em certo nevoeiro mental, a ação violenta com vistas a objetivos políticos supostamente nobres. "Os adversários do regime que pegaram em armas", na expressão de jornalistas envolvidos no debate corrente, não é descrição apta daquilo com que a feia ditadura se confrontou. E é preciso ser exigente e cuidadoso ao procurar os heróis do período, à parte o alvo fácil dos bandidos torturadores.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da UFMG. Escreve mensalmente às quintas-feiras

Ficha Limpa :: Janio de Freitas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A aprovação do projeto Ficha Limpa na Câmara foi uma boa surpresa onde e quando não estavam mais esperadas

O descaso com que foi recebida a aprovação, na Câmara, do projeto Ficha Limpa não corresponde à significância do fato. Tanto se falou de manobras e protelações contra esse projeto de iniciativa popular, que prevaleceu para o noticiário a suposição de que aprovada foi uma desfiguração da proposta original, com as muitas emendas tentadas em benefício dos candidatos de ficha (ou vida) suja.

O que houve, no entanto, foi uma boa vitória na batalha travada até os lances finais por esse projeto chegado à Câmara já com 1,3 milhão de assinaturas de eleitores.

Convém ficar claro o fundamento de uma alteração que, à primeira vista, invalidava o rigor do projeto. Era a substituição da proposta de veto a candidaturas de condenados logo na primeira instância judicial, por um único juiz, pelo veto às de condenados em coletivo de juízes.

Aí há uma atenuação, sim, mas para maior garantia contra o uso do Judiciário por artimanhas, ressentimento e interesse político ou pessoal, coisas possíveis em confrontos, sobretudo, no interior menos visível. Julgamentos por câmaras de desembargadores e daí para cima previnem melhor eventuais manobras e erros. E, como garantia complementar, o vetado ganha o direito de prioridade para o seu recurso, se o quiser.

A aprovação, em si, merece duas observações. De uma parte, trata-se do chamado projeto de iniciativa popular, cuja aprovação vale como uma advertência para a presença desse direito na Constituição. À falta de comunhão entre Congresso e opinião pública, acionar frequentes projetos populares seria, quando menos, estimular e educar para a participação política, com seus reflexos em maior consciência na escolha do voto e na adesão partidária.

De outra parte, foi um caso raro de aprovação contra o interesse de grande número de parlamentares, de muitos dirigentes partidários e inúmeros inscritos em partidos para candidatar-se e dar suas contribuições à campanha dos principais candidatos da respectiva sigla.

As pressões da corrente mais ativa da opinião pública cumpriu papel fundamental sobre as bancadas mais influentes. As centenas de milhares de adesões ao projeto que continuaram chegando à Câmara e as frequentes manifestações influíram muito para o resultado final. Assim como o hábil substitutivo do relator José Eduardo Cardozo, o acordo de líderes em torno desse texto para a derrubada final de emendas deformadoras, e alguns recursos regimentais aplicados na presidência por Michel Temer.

Se, para arrematar, considerarmos o que se poderia prever da Câmara tão desgastada, além de tudo a aprovação do Ficha Limpa foi uma boa surpresa onde e quando não estavam mais esperadas.

Faltam a votação no Senado, sem maiores problemas à vista, e a decisão sobre a possibilidade de aplicar o Ficha Limpa já nas eleições deste ano. No mínimo, essa vitória se projeta sobre o futuro.

Serra: político é mal necessário

DEU EM O GLOBO

Tucano elogia Dilma e Marina, "mulheres de valor"

O tucano na entrevista para Ratinho: tom descontraído e defesa de mudança na área de segurança

Levado ao palco ao som de "Besame Mucho", o pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, ao participar ao vivo do Programa do Ratinho, no SBT, ontem, disse que o presidente Lula é um "homem muito simpático" e que Dilma Rousseff, sua principal adversária na disputa sucessória, e Marina Silva, do PV, são "mulheres de valor". Lançados os elogios, o tucano partiu para o confronto. Disse que, se for preciso, pretende discutir mudanças na Constituição para que o governo seja responsável pela segurança pública em todo o país. Hoje, cada estado estabelece uma política para o setor.

Com a ressalva de que, em princípio, não considera a medida necessária, o tucano destacou que o governo precisa, no mínimo, aumentar a fiscalização nos estados onde cresce a criminalidade. E deu como exemplo a Bahia, onde, segundo ele, a taxa de criminalidade é 50% mais alta do que a média nacional. Após o programa, confrontado com o aumento dos homicídios em São Paulo, disse:

- Mas caíram vários outros. Não pode levar (em consideração) um trimestre para raciocinar, tem que se ver a tendência.

Serra também revelou que tem conversado com o senador Osmar Dias (PDT-PR). O PSDB procura desarticular o palanque de Dilma no Paraná, uma vez que o PT tenta obter o apoio de Dias na disputa local. Os tucanos pressionam para que Dias componha chapa com Beto Richa, que disputará o governo paranaense.

Num momento descontraído, Serra respondeu com frases curtas a um questionário. Foi ali que elogiou Lula e Dilma, disse que corrupção "é um câncer" e que a imprensa "é necessária". E surpreendeu quando perguntado sobre o que pensava da política e dos políticos. A resposta foi a mesma: "um mal necessário". Depois, emendou: "Mas há exceções".

PV insiste em lançar Aspásia

DEU EM O GLOBO

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que cada coligação, independentemente do número de partidos, tem direito a apresentar apenas dois candidatos ao Senado movimenta o quadro eleitoral do Rio. O senador Francisco Dornelles (PP), autor de uma das consultas feitas ao TSE, diz que o partido deixará de lançar candidato próprio para apoiar os nomes a senador da aliança do governador Sérgio Cabral (PMDB).

Já o presidente regional do PV, Alfredo Sirkis, insiste na pré-candidatura de Aspásia Camargo ao Senado e questiona a decisão do tribunal:

- Estamos convencidos de que a verticalização foi extinta; os partidos têm liberdade para escolher o regime de coligações - disse o verde, que ameaça levar a questão à Justiça.

O pré-candidato ao governo Fernando Gabeira, do PV, fechou acordo que prevê PPS e DEM na disputa pelo Senado. Segundo ele, a decisão do TSE não interfere na coligação, que tem ainda o PSDB, do pré-candidato a presidente José Serra. O tucano estará no Rio amanhã, e deve encontrar Gabeira em um almoço na Associação Comercial do Rio (ACRJ).

Dilma erra e fala em arma nuclear no Irã

DEU EM O GLOBO

A pré-candidata do PT, Dilma Rousseff, cometeu uma gafe: disse que o Irã controla armas nucleares, o que o país nega. A iraniana Shirin Ebadi, Nobel da Paz em 2003, se disse decepcionada com Lula.

Em gafe, Dilma diz que Irã tem armas nucleares


Presidenciável petista faz afirmação que contraria posição do governo sobre o país, que receberá visita de Lula

Dilma dá entrevista no Painel RBS: defesa de coalizão com Sarney e Jader

Isabel Marchezan*


PORTO ALEGRE. A pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, cometeu uma gafe ontem, em Porto Alegre, ao tentar defender a relação amistosa do governo brasileiro com o Irã. A ex-ministra disse que o país governado por Mahmoud Ahmadinejad "controla armas nucleares". Na verdade, o Irã, país que será visitado a partir deste sábado pelo presidente Lula, mantém um programa de enriquecimento de urânio sobre o qual recai a suspeita de outros países, que temem justamente o uso da matéria-prima para produção de bombas. O Irã nega e insiste que o programa tem fins exclusivamente pacíficos.

Dilma ainda comparou a contrariedade mundial com o programa nuclear do Irã à atitude em relação ao Iraque na época da invasão americana, em 2003.

- Vimos que não havia armas de destruição em massa no Iraque, e hoje você tem uma região conflagrada. O Brasil não concorda em transformar o Irã em uma região conflagrada. Obviamente por uma questão humanitária, mas sobretudo por uma questão geopolítica - disse ela, e continuou: - O Irã não é uma civilização como a iraquiana. É um país com mais de 70 milhões. Controla armas nucleares e tem de fato um posicionamento internacional que naquela região é expressivo. Então, a tentativa de construir um caminho em que haja o abandono das armas nucleares como armas de agressão e passe a ser um uso puro e simplesmente pacífico da energia nuclear, eu acho que é bom para o mundo inteiro.

A pré-candidata também afirmou, no Painel RBS - série de entrevistas do Grupo RBS com os pré-candidatos -, que o governo brasileiro é uma liderança e "fator de estabilidade" na América Latina, graças à postura "de compreensão" que mantém:

- Não acredito que qualquer governo brasileiro possa interferir nas questões internas de outros países da região e ser bem sucedido. A posição nossa em relação ao governo venezuelano, ao governo argentino, ao governo da Colômbia, de todos os países, tem de ser cautelosa. Temos uma política de diminuir conflitos, de buscar a compreensão.

Mas, ao comentar o bloqueio argentino a produtos alimentícios brasileiros, iniciado esta semana, Dilma foi mais dura:

- Tem de ser muito firme. Se tiver necessidade (de retaliação), tem de fazer, sim. Não acho adequado o que foi feito pela Argentina. Primeiro, sem manifestações formais. Segundo, se existe a possibilidade de retaliar, uma medida tão agressiva como esta tem de ser respondida.

Defesa de indicações políticas com critério técnico

Dilma defendeu a manutenção dos cargos em comissão, desde que haja critérios técnicos para as contratações:

- Não acho que as indicações políticas sejam fonte de corrupção, nem acho que é por causa disso que ela existe. As indicações políticas podem, devem e, no que depender de mim, terão critério técnicos. Sempre achei que é possível ter indicações de partidos políticos que sejam bons gestores técnicos. Inclusive já convivi com eles.

Questionada sobre o fato de ser vista com José Sarney e Jader Barbalho, alvos de críticas do PT antes, Dilma afirmou que é preciso fazer coalizões:

- Não me constranjo nem um pouco, não acho que seja questão pessoal. A governabilidade do país é responsabilidade política perante a nação.

Dilma foi provocada quanto a uma promessa feita por Serra, que disse que, se eleito, uma de suas primeiras providências será a construção de uma segunda ponte sobre o Guaíba, na BR-290. Dilma disse que o estudo para a construção da ponte existe desde que ela era do governo.

- Só tem um jeito de fazer a ponte logo no dia seguinte: usar meu projeto, meu estudo de viabilidade técnica, meu licenciamento, e todas as medidas que tomamos - disse, e, perguntada se o estudo sairia do papel, ironizou: - Peralá. Uma ponte não cai do céu.

*Especial para O GLOBO.

Declaração assusta até o governo

DEU EM O GLOBO

Não vi as afirmações da ministra Dilma, desconversa Marco Aurélio Garcia

Eliane Oliveira e Maria Lima

BRASÍLIA. A declaração da candidata Dilma Rousseff, de que o Irã "controla armas nucleares" contraria o que o governo brasileiro tem defendido junto à comunidade internacional.

E foi lamentada, nos bastidores, tanto no comando da campanha como no governo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que no próximo sábado se reunirá com o iraniano Mahmoud Ahmadinejad, tem se posicionado contra as sanções imediatas propostas pelas potências ocidentais, sob o argumento de que é preciso, antes, verificar se a política nuclear do país persa é realmente para fins pacíficos. Lula argumenta que o Conselho de Segurança das Nações Unidas pode cometer uma injustiça.

Aliada de Dilma, CUT endossa Serra e critica 'autonomia excessiva' do BC

DEU EM O GLOBO

Em congresso da central, Dirceu pede atuação de sindicatos na campanha do PT

BRASÍLIA. A direção da Central Única dos Trabalhadores (CUT) entregou ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, um documento em que repete as críticas feitas pelo pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, à política de juros do Banco Central. O documento intitulado "Plataforma da CUT para as eleições presidenciais", com 223 propostas, tem um capítulo dedicado à reforma do sistema financeiro. Será entregue também a todos os candidatos.

O documento da CUT elogia os avanços do governo no gerenciamento da economia brasileira, mas faz uma ressalva: "(...) a condução da política macroeconômica baseada em um centralismo e uma autonomia excessiva do Banco Central funciona como um freio ao crescimento econômico e à geração de emprego".

O documento também cita redução do desemprego, iniciativas da política externa, a forte retração do ritmo das privatizações, aumento dos gastos sociais e as políticas focalizadas de crédito aos pequenos empreendedores, trabalhadores e aposentados. Há outros pontos, que vão desde a reforma urbana à saúde dos trabalhadores. O texto foi elaborado nos dois últimos anos, em debates nos estados.

Além de Mantega, o ex-ministro José Dirceu foi o convidado especial no congresso da CUT, que começou na terça-feira com uma festa de inauguração da nova sede da central em Brasília e será finalizado hoje. Atuando nos bastidores desde o congresso do PT que lançou a pré-candidatura de Dilma Rousseff a presidente, Dirceu reapareceu ontem na CUT, onde lançou a palavra de ordem para a atuação dos sindicatos em defesa do projeto do PT na sucessão do presidente Lula.

Espanha: socialista corta pensão e salários

DEU EM O GLOBO

O socialista José Luiz Zapatero anunciou um duro pacote para reduzir em 15 bilhões de euro, os gastos do governo espanhol, como forma de enfrentar a crise e reduzir o déficit público. Em ter as medidas, estão corte de 5% nos salários do funcionalismo público e congelamento de aposentadorias.

Tesourada socialista

Governo de Zapatero corta salários e congela aposentadorias para poupar 15 bi e baixar déficit

Pressionado pelos indicadores econômicos e pelos sócios europeus, o presidente do Governo espanhol, o socialista José Luis Rodríguez Zapatero, viveu, ontem, provavelmente o dia mais difícil do seu mandato.

Para acelerar o processo de consolidação fiscal, anunciou impopulares cortes sociais, como redução de 5% nos salários do funcionalismo público e congelamento das aposentadorias, a fim de reduzir os gastos do governo em 15 bilhões.

A oposição pediu antecipação das eleições, e os sindicatos conclamaram a sociedade a se manifestar. Por outro lado, o Fundo Monetário Internacional (FMI), que só dará seu parecer oficial no dia 18, adiantou que a atitude de Zapatero "é o melhor caminho para reforçar a confiança dos mercados". A Comissão Europeia disse também que Espanha "parece ir em boa direção".

— Assumo essa responsabilidade. A situação é difícil e seria insensato ocultá-la. É agora que necessitamos de um esforço coletivo para manter os investidores e a imagem de estabilidade. Não é fácil me dirigir assim aos cidadãos — disse Zapatero.

O dever de casa da Espanha é, seguindo as exigências de Bruxelas, reduzir seu déficit público (previsto para 9,4% este ano) a 3% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) até 2013, como reza o Pacto de Estabilidade da União Europeia.

O PIB espanhol cresceu 0,1% no primeiro trimestre graças ao consumo, informou ontem pelo Instituto Nacional de Estatísticas. Já a Eurostat informou ontem a que a economia da zona do euro avançou 0,2% no primeiro trimestre frente ao quarto trimestre do ano passado e avançou 0,5% sobre igual período de 2009, em linha com a previsão de analistas.

Para atingir seu objetivo, o governo vai cortar o salário de todos os seus servidores em 5% este ano e congelá-lo em 2011. A remuneração dos membros do governo será reduzida em 15%. O Executivo espera que Congresso, Senado, os parlamentos regionais e o Poder Judiciário façam o mesmo.

13 de maio de 1888: Abolição da escravatura


Na época em que os portugueses começaram a colonização do Brasil, não existia mão-de-obra para a realização de trabalhos manuais. Diante disso, eles procuraram usar o trabalho dos índios
nas lavouras; entretanto, esta escravidão não pôde ser levada adiante, pois os religiosos se colocaram em defesa dos índios condenando sua escravidão. Assim, os portugueses passaram a fazer o mesmo que os demais europeus daquela época. Eles foram à busca de negros na Africa para submetê-los ao trabalho escravo em sua colonia. Deu-se, assim, a entrada dos escravos no Brasil.

Os negros, trazidos do continente africano, eram transportados dentro dos porões dos navios negreiros. Devido as péssimas condições deste meio de transporte, muitos deles morriam durante a viagem. Após o desembarque eles eram comprados por fazendeiros e senhores de engenho, que os tratavam de forma cruel e desumana.

Apesar desta prática ser considerada “normal” do ponto de vista da maioria, havia aqueles que eram contra este tipo de abuso. Estes eram os abolicionistas (grupo formado por literatos, religiosos, políticos e pessoas do povo); contudo, esta prática permaneceu por quase 300 anos. O principal fator que manteve a escravidão por um longo período foi o econômico. A economia do país contava somente com o trabalho escravo para realizar as tarefas da roça e outras tão pesados quanto estas. As providências para a libertação dos escravos deveriam ser tomadas lentamente.

A partir de 1870, a região Sul do Brasil passou a empregar assalariados brasileiros e imigrantes estrangeiros; no Norte, as usinas substituíram os primitivos engenhos, fato que permitiu a utilização de um número menor de escravos. Já nas principais cidades, era grande o desejo do surgimento de indústrias. Visando não causar prejuízo aos proprietários, o governo, pressionado pela Inglaterra, foi alcançando seus objetivos aos poucos. O primeiro passo foi dado em 1850, com a extinção do tráfico negreiro. Vinte anos mais tarde, foi declarada a Lei do Ventre-Livre (de 28 de setembro de 1871). Esta lei tornava livre os filhos de escravos que nascessem a partir de sua promulgação.

Em 1885, foi aprovada a lei Saraiva-Cotegipe ou dos Sexagenários que beneficiava os negros de mais de 65 anos. Foi em 13 de maio de 1888, através da Lei Áurea, que liberdade total finalmente foi alcançada pelos negros no Brasil. Esta lei, assinada pela Princesa Isabel, abolia de vez a escravidão no Brasil.

Ver mais abaixo o poema “Navio Negreiro”, de Castro Alves. É uma homenagem do Blog ao fim da escravidão.

O Navio Negreiro (Tragédia no mar) :: Castro Alves


'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia,
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...


..........................................................


Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.

II


Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!

O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!

Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu!...

III


Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

IV


Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...

V


Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão...

São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
...Adeus, ó choça do monte,
...Adeus, palmeiras da fonte!...
...Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...

VI


Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!

São Paulo, 18 de abril de 1869. (O Poeta, nascido em 14.03.1847, tinha apenas 22 anos de idade)