domingo, 19 de setembro de 2010

Quebra de sigilo e outras bossas são coisas nossas :: Ferreira Gullar

DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA

É da natureza do PT -do ruim sindicalismo- valer-se de todo e qualquer meio para atingir seus objetivos

A sociedade brasileira assiste hoje à despudorada manipulação da opinião pública, que é a campanha de Dilma Rousseff para a Presidência da República. Até alguns petistas não conseguem esconder seu constrangimento diante dos escândalos que surgem a cada dia e, sobretudo, do descaramento com que, de Lula a Dutra, os petistas pretendem, mais uma vez, passar por vítimas, quando são de fato os vilões.

O PT não se cansa de jogar sujo. É de sua natureza sindicalista -do ruim sindicalismo- valer-se de todo e qualquer meio para atingir seus objetivos. E isso vai da falsificação dos fatos e a violação de sigilos fiscais à agressão física e a eliminação do inimigo, ainda que esse inimigo seja companheiro de partido.

É o caso, por exemplo, de Celso Daniel, então prefeito de Santo André, que foi assassinado, ao que tudo indica, por não compactuar com a corrupção dentro do partido. Lula e a alta cúpula petista jamais se empenharam na apuração do crime.

O mesmo procedimento se repete agora com o escândalo da quebra de sigilo fiscal de Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB, de outros membros do partido e da filha de José Serra, por gente do PT. Revelada a falcatrua, a Receita Federal calou-se e a direção petista sugeriu que se tratava de um factoide, mas a imprensa foi para cima, a coisa virou escândalo. A Receita tentou desclassificar a denúncia até o ponto em que não dava mais. Foi então que o secretário geral da Receita Federal, Otacílio Carpaxo, veio a público para, constrangido, garantir que não havia na quebra de sigilo qualquer propósito político.

Era o prosseguimento da burla, conforme a dramaturgia petista: primeiro, negam o fato; confirmado, tratam de desqualificá-lo. Sucede que quem praticou a violação eram petistas, o que também foi logo negado, numa nota em que o PT afirmava que aquela gente não pertencia a seus quadros. Como, porém, é mais fácil pegar um mentiroso que um cocho, a mentira foi posta à mostra: tanto Atella quanto Amarante eram do PT, o primeiro desde 2003 e o segundo desde 2001.

É fácil perceber por que os acessos aos dados fiscais foram feitos em cidades do interior de SP e MG, por petistas de confiança e sem projeção. Sempre haverá um Cartaxo, num cargo de chefia, para salvar a face dos verdadeiros vilões, mentores da campanha de Dilma. Mas mesmo ele não consegue explicar -se não havia propósito político na violação do sigilo- por que as vítimas da violação são dirigentes do partido de Serra, sua filha e genro.

Não há por que nos surpreendermos com isso, uma vez que agir à revelia da ética e da lei é um antigo hábito do Partido dos Trabalhadores. Os fatos o comprovam.

Alguém duvida de que aquela montanha de dinheiro que a polícia flagrou, em 2006, com os "aloprados", num quarto de hotel em São Paulo, era para comprar um dossiê anti-Serra?

Embora os implicados fossem todos petistas próximos a Lula (um deles, o churrasqueiro do presidente), nem ele nem ninguém do PT sabia de nada, porque, como sabemos nós, são todos gente íntegra, defensores da ética na política; a ética petista, bem entendido.

Outro exemplo dessa ética foi o mensalão que, num país sério, teria levado ao impeachment de Lula. Já aqui, pode ser até processado quem atribua a ele -que nunca sabe de nada- qualquer responsabilidade pela compra daqueles nobres deputados. Aliás, como em certas ocasiões, voto de deputado vale ouro, é até vantagem comprá-lo em reais.

Tem razão, portanto, Lula, em se indignar com mais essa acusação infundada contra seu partido.

Por isso, com a fina ironia que o caracteriza, pulando e berrando num palanque, indagou: "Cadê esse tal de sigilo, que ninguém vê?". A graça é besta, mas ele sabe muito bem para quem fala.

Por isso mesmo, quando a situação complica, como agora, põe a Dilma de lado e entra em cena, para confundir ou ameaçar, conforme lhe convenha.

Meu consolo é saber que, em menos de três meses, ele deixará a presidência.

Garantiu que até lá vai fazer "muita miséria". Disso, não duvido, mas, após dezembro, não terei que vê-lo todos os dias na televisão, insultando a nossa inteligência.

A última que morre :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Na expectativa de que as próximas pesquisas eleitorais registrem alterações na definição do eleitorado que permitam a esperança de um segundo turno, os principais líderes do PSDB vivem uma situação paradoxal.

Gostariam de ir para o segundo turno para manter a polarização com o PT, mas não acreditam que seja possível vencer. Até porque, admitem, Serra teria que mudar totalmente os rumos da campanha, e não acreditam que ele se disporá a isso.

Ao contrário, ele se convencerá de que a estratégia do marqueteiro Luiz Gonzalez estava correta.

Caso a hipótese de um segundo turno se concretize, porém, duas ações práticas estão sendo preparadas: é previsível que haja no PSDB um movimento para uma comissão partidária assumir o comando da campanha.

Há também um manifesto sendo negociado, para ser assinado por grandes nomes da cidadania nacional, chamando a atenção para a atuação antirrepublicana do presidente Lula na campanha.

Querem com isso constranger suas ações em favor de Dilma num eventual segundo turno.

Serra terá, porém, que enfrentar um problema factual: se chegar ao segundo turno mais devido à subida de Marina Silva do que por sua própria força, Serra estará fadado a perder para Dilma a maior parte do eleitorado que escolheu a candidata do Partido Verde no primeiro turno.

Do ponto de vista do militante tucano, chegar ao segundo turno é o objetivo estratégico para manter-se uma referência da oposição.

Mas, para ganhar a eleição da candidata de Lula, a maior chance estaria com Marina Silva, desde que ela mostrasse nessa reta final da eleição capacidade de crescer tirando votos tanto de Dilma quanto de Serra, superando o tucano.

A mais recente pesquisa Datafolha mostra Marina subindo tirando votos de Serra e dos indecisos, mas sem alterar a posição de Dilma, o que não levaria ao segundo turno.

A campanha de Serra pode se deparar com um problema a mais: nas condições políticas atuais, o voto útil em Marina pode vir a se transformar em uma arma mais efetiva para derrotar o lulismo do que o voto em Serra.

Hoje, nas grandes cidades, há um movimento próMarina que pode provocar uma onda verde na reta final da eleição.

A estratégia que Serra tentou no início da campanha, de não encarnar o candidato antiLula, na esperança de que o eleitorado lulista o considerasse uma alternativa, Marina utiliza com mais naturalidade.

Tendo uma história de vida inteira dentro do PT e tendo sido ministra do Meio Ambiente na maior parte do governo Lula, a candidata verde tem legitimidade para criticar o governo Lula sem se colocar como dissidente.

Por isso ela evitou durante toda a campanha fazer críticas diretas ao presidente Lula ou à candidata Dilma Rousseff, sem culpá-los pela sua saída do ministério.

O que parece a muitos uma fragilidade de sua campanha, pode ser o justo equilíbrio para levá-la a se tornar a opção do eleitor petista que esteja eventualmente desgostoso com os rumos que o governo vem tomando.

A situação de Serra, por outro lado, continuará bastante difícil mesmo que vá para o segundo turno.

Se não houver mudanças significativas difíceis de se enxergar no momento, ele chegará lá, pelo que as pesquisas estão mostrando, com menos votos do que o candidato tucano Geraldo Alckmin teve em 2006.

Dificilmente atingirá os 42% de votos válidos que o candidato do PSDB obteve naquela eleição, o que o enfraquece como candidato e também dentro do próprio partido.

O presidente Lula, em entrevista ao site IG, comparou mais uma vez a situação de Serra à dele em 1994 e 1998, quando disputou a eleição e perdeu no primeiro turno para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: Eu lembro o que era dificuldade em fazer discurso em 1994. Sabe, o real bombando, e eu tentando me esgoelar contra o real. Eu fiquei muito tempo com a imagem de uma propaganda de um pãozinho que aparecia caído num prato assim, que o preço era nove centavos.

Era mortal aquela propaganda, lembrou.

Na reeleição, Lula também se defrontou com a vontade do eleitorado de manter a continuidade do Plano Real, e mais uma vez perdeu a eleição no primeiro turno, mesmo com a economia já dando sinais de que não ia bem e que o real teria que ser desvalorizado.

Bem, eu acho que o Serra está vivendo esse drama. Ou seja, nós temos de nos conformar e esperar outra oportunidade.

Eu tive paciência de esperar.

Eu tinha menos idade do que o Serra tem hoje. Então, é duro, comentou Lula.

Esse, aliás, é um assunto que já está sendo tratado nos bastidores tucanos do pós-eleição.
Mantendo-se as condições atuais, o ex-governador de Minas Aécio Neves emergirá desta eleição como a principal força política do PSDB, e será em torno dele que se organizarão as ações do partido para enfrentar mais quatro anos de oposição preparando uma campanha eleitoral para 2014 que pode ter ou Dilma se candidatando à reeleição ou Lula querendo voltar ao poder.

O futuro de Serra é uma incógnita.

Esta eleição era tida como sua última chance de tentar a Presidência da República, pois terá 73 anos em 2014, mais velho do que Fernando Henrique ao terminar seu segundo mandato.

Na História recente, somente Tancredo Neves, com 74 anos, candidatou-se à Presidência com essa idade. Mas Serra surpreendeu na sabatina do GLOBO, quando disse que poderia ter disputado a reeleição para o governo de São Paulo e ficar esperando por 2014. Demonstrando assim que não considera que naquela ocasião estará muito velho para disputar uma eleição presidencial.

Já se fala que disputará a Prefeitura de São Paulo se não vencer a eleição, o que o colocaria novamente em condição de tentar a indicação do partido.

Para isso, no entanto, terá antes que melhorar a votação no seu Estado e na capital, onde atualmente perde para Dilma.

Se conseguir reverter essa situação, pode até mesmo ir para o segundo turno

Partido oculto:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Consta que o PT e o Planalto ficaram desolados com a divulgação da palestra feita para uma plateia de petroleiros pelo ex-presidente do partido, deputado cassado, réu processado por corrupção e autoproclamado "camarada de armas" de Dilma Rousseff, José Dirceu.

O secretário de Comunicação do PT, André Vargas, chegou a discorrer muito claramente sobre o espírito da coisa.

"O aconselhável é que todos nós, eu, qualquer dirigente do PT, o José Dirceu, falemos pouco, falemos menos ou não falemos de jeito nenhum. Se queremos ajudar a campanha, todos nós temos de falar o menos possível", disse Vargas.

Uma campanha presidencial em que quanto menos falarem os que estão envolvidos nela, melhor? O natural seria exatamente o oposto. Durante a campanha mesmo é que se deve falar muito, os concorrentes precisam ser expostos, responder a tudo e a todos, fazer frente a cobranças de toda ordem, ter passado, presente e futuro muito bem esquadrinhados.

A lei enunciada pelo secretário de Comunicação prega a ocultação. Em outras palavras, a manutenção do eleitor na ignorância a respeito das coisas como elas realmente são.

Por essa norma não se pode repetir em público o que em particular dizem os petistas por todo lado, graduados ou soldados rasos.

Justificam o engajamento na campanha de uma candidata imposta e antipatizada justamente em nome do "projeto" a que se referiu Dirceu naquela fala menos discutida do que merecia, por causa da queda da ministra da Casa Civil.

O projeto está detalhado em documento aprovado pelo partido em fevereiro último e causador de constrangimento quando apresentado à Justiça Eleitoral como sendo o programa de governo de Dilma. A campanha reapresentou uma versão "light" provisória, prometendo uma definitiva nunca apresentada.

O assunto morreu na imprensa e, depois, não valia a pena abrir uma guerra entre partidos aliados por causa do programa de governo nem seria produtivo dar destaque ao PMDB em demasia.

Essas coisas devem ser escondidas, assim como deve ser ocultada a proximidade de José Dirceu, bem como a candidata é mantida atrás do biombo de Lula a fim de que a massa do eleitorado não tenha contato mais espontâneo e amiúde com ela.

Por quê? Porque Dilma não segura a onda, Dirceu é malquisto pelo público, o PMDB é mal falado e o PT divide a "base" - dentro e fora do Congresso.

José Dirceu disse duas verdades: que o PT considera o governo Dilma sua grande chance de exercer de fato o poder e que considera excessiva a liberdade da imprensa.

Mas se esqueceu de que antes da eleição a palavra de ordem é bico calado.

Cenografia. Foram 70 dias entre o prazo regulamentar e as duas notificações da Comissão de Ética Pública para que Erenice Guerra apresentasse informações sobre o patrimônio e a família. Ela ficou 170 no cargo.

Portanto, havia 100 dias que a ministra estava em situação irregular sem que ocorresse aos conselheiros dirigir-lhe a censura feita depois da saída. O silêncio teria sido menos desmoralizante.

A então ministra não atendeu aos pedidos porque ninguém no governo dá bola para a referida comissão nem para a ética pública.

Certidão. "Onde está a prova de que eu esteja envolvida?", pergunta a candidata do PT, a propósito da rede de tráfico de influência, extorsão, empreguismo e nepotismo que envolvia sua sucessora na Casa Civil.

A prova é o aval que Dilma deu à nomeação de Erenice.

Dissociar uma da outra seria como considerar que o presidente Lula não tenha responsabilidade alguma sobre o que faça e diga ou venha a fazer e dizer Dilma Rousseff.

Em português. Pode ser mais sonoro, mas é errado dizer "doa a quem doer". As coisas doem "em" alguém e não "a" alguém.

Enigma :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Com a eleição caminhando para um desfecho já no primeiro turno, Dilma Rousseff precisa explicitar o que pretende fazer no seu governo e se irá ou não implementar o tal "projeto político" do PT alardeado por José Dirceu.

A campanha de Dilma entregou ao TSE um programa "hard" pela manhã, se arrependeu e trocou por um programa "light" à tarde. Seria um dos dois o projeto a que Dirceu se refere? Não se sabe, como não se sabe quais são as reais intenções de Dilma e até onde ela irá com a ame-aça de "controle social" da mídia.

Numa livre tradução, Dirceu disse que agora, sim, o PT vai mandar, fazer e acontecer. Deixou claro que Lula e sua imensa popularidade foram só um meio para chegar a um fim, como se esses oito anos fossem um aquecimento para a implantação do projeto real. Ok. Mas qual é ele? Por que ninguém pode falar? E por que nós não podemos saber?

Caso Dilma seja eleita, terá os ventos a favor na economia, o Congresso às suas ordens e poderá usar e abusar de seus poderes, baixando o centralismo democrático para (ou contra) a imprensa, a área militar e os costumes. Bem faria se deixasse bem claro quais são os seus planos.

Também não está claro como tratará a questão ética. Ou será que está? Sob Lula, houve quatro escândalos no coração do poder: depois de Waldomiro achacando bicheiro, o primeiro ministro foi parar no STF como "chefe de quadrilha", a segunda patrocinou dossiê contra ex-presidente e a terceira montou um time caseiro de craques em cobrar "taxa de êxito" de empresários.

O passado condena, sem haver compromissos para o futuro. Qual será o padrão ético do novo governo? O que o PT na oposição pregou contra Collor ou o que o PT no poder praticou com suas Erenices?

Após a eleição, bandeiras e programas vão para o lixo. A melhor pista do que vai sobrar é a de Dirceu: vem aí o "projeto político" do PT, seja lá o que isso signifique.

Depois ninguém entende por que boa fatia do eleitorado está tão tiririca.

O espelho da identificação :: José Arthur Giannotti

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Quando políticos são oferecidos como fazedores ou salvadores, perde-se de vista a feroz disputa entre duas concepções de Estado e democracia
Muito me espanta o grau de despolitização da campanha eleitoral que nos persegue. Os programas, no rádio e na televisão, são montados como se o eleitor visado estivesse confinado numa caixa de Skinner, aquela caixa em que um animal é submetido a estímulos positivos para adquirir comportamentos surpreendentes. Se um candidato aparece numa pesquisa como membro da elite, uma série de programas o mostrará frequentando o povão e, pouco a pouco, sua imagem vai sendo construída de tal modo que o eleitor com ele se identifique.

A diferença essencial - e não é pequena - é que o eleitor está submetido a vários sistemas de estímulos, cada aliança partidária construindo o seu. As últimas campanhas no Brasil têm sido polarizadas entre PSDB e PT, sendo que a atual tem apontado, pelo menos até agora, enorme vantagem para Dilma Rousseff. Se o marketing político tenta antes de tudo fazer com que cada eleitor se identifique com determinado candidato, parece natural que Dilma cresça ao ser identificada com o presidente Lula, extremamente popular.

Isso aponta para enorme diferença entre a democracia contemporânea e formas mais antigas de democracia. Quando a campanha se fazia por meios retóricos, o eleitor era persuadido, sendo obrigado a ponderar argumentos, de sorte que a racionalidade de seu voto dependia dos conhecimentos acumulados a respeito de certas questões e do candidato que as representasse. Obviamente havia processos de identificação, cujos efeitos, contudo, muitas vezes eram barrados.

O eleitor contemporâneo é conduzido a se identificar com um demiurgo capaz de realizar as maiores aspirações de consumo e de status de grande parte da população. O líder é a imagem daquilo que muitos gostariam de ser. Daí o senso comum afirmar que, numa situação econômica extremamente favorável, ser quase impossível um opositor vencer as eleições. Mas a boa situação econômica somente se transforma em votos se for politizada, se valer como aquela situação em que cada um se pense vivendo nela graças ao demiurgo que a criou. Política é mais do que um jogo de perdas e ganhos; também é luta pela vida, onde a morte não sai do horizonte. Essa luta é contida pelo Estado, mas não deixa de infiltrar os conflitos cotidianos. Esse lado normativo e existencial não é captado pela ciência, que, como deve ser, lida com séries de fenômenos homogeneizados; está mais para a mitologia. Ao negar o lado normativo da política, o marketing apresenta o líder como grande fazedor, identificando-o a um empresário bem-sucedido.

São os extremistas que salientam esse aspecto agônico, diferenciador da política. No século 19, tanto a esquerda como a direita privilegiam a luta social-política em vez de se contentarem com a luta pela apropriação dos aparelhos do Estado pela via eleitoral. Para Marx a política se articula a partir da oposição entre capital/trabalho; para Carl Schmitt, teórico do Estado totalitário nacional-socialista, a relação política entre amigos do povo e seus inimigos é anterior à constituição do Estado nacional. Uma democracia verdadeiramente representativa poderia se desenvolver sem esse conflito?

Não deveria ele comandar até mesmo o marketing político a fim de que a eleição se torne realmente política? Ora, tudo indica que as campanhas eleitorais contemporâneas tratam de neutralizar essa luta intestina. Entre nós essa neutralização esconde, de propósito, todo o esforço político desenvolvido pelo presidente Lula em seus oito anos de mandato. Desde o início tratou de dissolver qualquer oposição política marginal que escapasse do binômio PSDB e PT. Incorporou os potenciais opositores a seu governo, bloqueou as diferenças que sempre operaram no interior do PT, dependurou os sindicalistas nos aparelhos de governo, atraiu as organizações da sociedade civil mediante toda sorte de benesses, tentou até mesmo, neste caso sem sucesso retumbante, embriagar a mídia. Mas, se tratou de dissolver as oposições políticas, foi para se colocar acima do Estado, como demiurgo salvador e inovador, situando-se além do jogo político do Legislativo, reduzido a uma conversa de comadres, sempre se colocando acima de qualquer legalidade. O caso inédito de um presidente da República ser multado pelos tribunais de Justiça eleitoral apenas reforçou sua posição de herói fundador, a que todo eleitor pudesse se identificar. Lula "é nóis", não tanto o povo no poder, mas o poder como povo.

Politizando-se a si próprio não deixou, porém, de configurar seu inimigo principal: FHC e sua herança maldita, resumo de todos os fracassos das políticas anteriores a ele. Isso pouco tem a ver com a política efetiva de Fernando Henrique Cardoso real, mas a imagem do inimigo estava constituída.

A oposição deixou que a situação pregasse no governo anterior a etiqueta de liberal. Não salientou os passos dados na reforma do Estado, os esforços de regular um novo federalismo com a Lei da Responsabilidade Fiscal, ignorou o sucesso das privatizações tanto como forma de ampliar serviços como instrumento de luta contra o patrimonialismo, envergonhou-se do Proer, primeiro controle efetivo da rede bancária. Se alianças com a direita foram feitas, no final desse governo seus grandes caciques estavam no chão, enquanto no final do governo Lula encontram-se na ativa e com a perspectiva de se tornarem sócios de um eventual governo "petista".

Como se pudesse esquecer de seu passado, a oposição deixou de pensar a si mesma, antes de tudo de sua atuação enquanto governo de FHC. Não avaliou seus acertos e seus enganos, apenas tratou timidamente de apontar que os programas sociais lulistas tinham raízes anteriores. Queria apenas ganhar vantagens marginais no novo contexto político, sem pensar num projeto de País. E, quando se apresentou como o pós-lulismo, ou como seu gestor mais eficiente, simplesmente preparou sua derrota, na medida em que deixou de se opor a um inimigo ainda que fosse imaginário. Perdeu qualquer inimigo de vista. A própria Dilma Rousseff não é apresentada, pelo marketing político, antes de tudo como a "mulher do Lula"?

Não é porque as oposições deixaram de configurar o inimigo que a política efetiva desapareceu. Está em curso uma luta de morte entre duas concepções de Estado muito diferentes, por conseguinte duas concepções de democracia. A aliança governista entende o Estado como grande fazedor, produtor proprietário dos fundos públicos e de importantes setores do capital produtivo, associando-se a determinados capitalistas eleitos, cooptando sindicatos e órgãos da sociedade civil. Até mesmo a burocracia estatal não deveria ser partidarizada? Já não propõe colar a cada ministro de Estado um alto funcionário do partido de modo a politizar as ações administrativas mais potentes? Não abre assim várias portas para a corrupção? Contra essa mistura do Estado com a sociedade civil-burguesa, a oposição antevê, embora frouxamente, um Estado regulador, baseado na efetiva divisão de poderes, capaz de organizar o funcionamento dos vários mercados, seja dos capitais, seja do trabalho, tornando transparentes as empresas e abrindo os sindicatos para que se tornem representativos, incentivando os órgãos da sociedade civil para que encontrem suas próprias diferenças efetivas. Nada a ver, portanto, com o Estado liberal, que se ausenta dos mercados para se voltar antes de tudo para a defesa dos direitos e das liberdades individuais. Pelo contrário, um Estado forte, demarcando os limites da liberdade dos mercados e do comportamento público dos cidadãos.

Sob a coberta da legislação atual, uma grande reforma política está em curso. Configurados os antagonismos, o novo desenho legal virá depois. Mas a campanha eleitoral continua apresentando os principais candidatos como grandes tocadores de obras. A dissensão dos nanicos apenas indica como estão aquém da sociedade e da política contemporânea, de seus dilemas e de suas potencialidades. Sobram os dois candidatos polares, ocultando na bagagem duas concepções de Estado e de democracia. Não é a partir daí que a escolha deveria ser feita?


* José Arthur Giannotti é professor Emérito da FFLCH/USP e pesquisador do CEBRAP

Previsões em aberto :: Boris Fausto

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

O público dá, sim, importância à ética. Mas as transgressões governamentais terão incidência significativa até as eleições?

As campanhas à Presidência da República quase sempre trazem surpresas, maiores ou menores. Na campanha atual, a grande maioria dos analistas políticos dizia que, pela primeira vez, a política externa seria um tema central dos debates. Mas ao longo dos meses o tema acabou tendo pouca relevância. Ficaram para trás as simpatia do presidente Lula pelo "companheiro" Ahmadinejad, ou as barbaridades ditas no caso dos prisioneiros políticos cubanos em greve de fome.

Até as últimas semanas, as transgressões praticadas pelos detentores do poder, desde o caso Waldomiro Diniz, envolvendo o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, não tinham maior repercussão na campanha eleitoral. Nem mesmo a quebra do sigilo fiscal da filha de José Serra teve efeitos na opinião popular, restringindo-se aos minoritários setores mais escolarizados. Agora, outro caso cheio de sombras, com acusações de nepotismo e tráfico de influência, veio à luz, a partir de uma reportagem da revista Veja tendo como foco a então chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, braço direito de Dilma Rousseff.

Lula saiu a campo para apagar o fogo, usando a tática de sempre: expelir o que é necessário em seu entorno, impondo a demissão de Erenice, na tentativa de preservar sua imagem e a de sua candidata. No plano imediato, há uma pergunta que não quer calar: as graves denúncias terão consequências significativas na opinião popular, a ponto de tornar viável um segundo turno? A resposta positiva é improvável, mas não pode ser descartada.

A improbabilidade tem muito a ver com o feel good factor, ou seja, com o fato inegável de que ponderáveis parcelas da população ascenderam socialmente, pela via dos programas governamentais de transferência de renda, da elevação real do salário mínimo, da expansão do crédito e também de seu esforço pessoal. Ao mesmo tempo, a elite empresarial, com algumas exceções, se embala nos lucros advindos da associação entre o Estado, a grande empresa e os fundos de pensão.

Poderíamos, assim, chegar à conclusão de que esse quadro revela uma característica da cultura política brasileira, em que a ética na política, quando muito, tem significado secundário?

A resposta não é simples. O tema da probidade administrativa entrou em cena, a partir de 1945, no âmbito do regime democrático, instituído após a queda do Estado Novo. Entre as formações partidárias, a UDN encarnou a defesa da moralidade dos costumes políticos, ou, no dizer de seus inimigos, o tema do moralismo, até hoje lembrado para desqualificar quem denuncia práticas escusas. O problema básico da UDN não era, entretanto, a defesa da ética na política, e sim sua incapacidade de ligar-se às massas, acrescida de um liberalismo capenga, que a levou a apoiar o golpe de 1964.

No campo oposto, Getúlio Vargas e o PTB caracterizaram-se pela capacidade de criar laços com os trabalhadores, unindo a lógica material à lógica simbólica, na feliz expressão da historiadora Ângela de Castro Gomes. Transgressões praticadas no curso do governo Vargas foram desqualificadas como manobras da elite, inimiga do povo.

Esse quadro mudou, a partir das campanhas eleitorais de Jânio Quadros, culminando com sua ascensão à presidência da República, em janeiro de 1961. A essa altura, Getúlio se suicidara, sob a acusação de que um "mar de lama" se instalara no Palácio do Catete, e Jânio encontrara um campo aberto para encarnar o herói a um tempo moralizador e populista que, com sua vassoura, iria varrer, inexoravelmente, a sujeira incrustada na política do País. Embora Jânio explorasse também outros temas, sua cruzada desempenhou um papel importante na sua escalada, sensibilizando a classe média e as massas populares.

Em outro contexto - o da ditadura militar iniciada em 1964 -, o alegado objetivo de "purificação" da democracia, associado ao temor do comunismo, deu lastro social ao golpe, pela via do apoio da classe média. Quando a democracia ressurgiu, em meio ao esforço de se estabilizar o regime, construir instituições, garantir tanto quanto possível a transparência dos atos de governo, o ataque às transgressões acabou tendo também rendimento eleitoral. O signo da vassoura deu lugar ao caçador de marajás - Fernando Collor -, que, vitorioso na campanha eleitoral de 1989, comprometeu-se a investir contra os vencimentos dos funcionários públicos dos escalões mais altos.

Esses exemplos indicam que, em certas conjunturas, o grande público dá importância à ética na política, e vota levando em conta esse fator. Nos dias de hoje, se a vitória da onda vermelha, que nada tem de vermelha, se confirmar, será preciso levar a sério e combater as ameaças a frio à democracia, pela via da contenção da imprensa, da censura, da extirpação de partidos e outros expedientes.



* Boris Fausto é historiador, professor aposentado do Departamento de Ciência Política da USP e autor, entre outros livros, de A Revolução de 30 - Historiografia e História (Companhia das Letras)

“Quando a repulsa paralisa a platéia, a impunidade campeia” : divagações sobre a história do PT:: Bolívar Lamounier

DO BLOG DE BOLIVAR

Trinta anos atrás, quando foi fundado, o PT era uma aglomeração de grupos unidos pela mesma falta de uma idéia. Ou, para não ser tão cáustico, unidos por uma idéia do que não dava mais pé : a luta armada .

Unidos também pelo abandono do modelo soviético de partido comunista : um grupo clandestino de revolucionários profissionais (“poucos, mas bons”, segundo Lenin).

O grande ativo inicial do novo partido era Lula, mas um outro ativo logo surgiu, não sei se de forma consciente ou por geração espontânea : um esquematismo ideológico maniqueísta e assaz messiânico.

Estarei eu dizendo que a ideologia petista se transformou num importante ativo justamente por ser esquemática, simplista, maniqueísta e messiânica ? Estou sim. Esse é um dos argumentos que pretendo desenvolver neste artigo.

O outro é que, provavelmente por ser tão raso de idéias, o petismo, ou grande parte dele, resvalou para práticas não muito enobrecedoras.

Simplismo, maniqueísmo : refiro-me aqui à visão do Brasil como um país dividido entre duas entidades imaginárias : “nós, o povo” contra “eles, a elite”.

Com esse esquema na cabeça, os petistas reescreveram a história do Brasil e difundiram pelo país inteiro a sua versão. De Pedro Álvares Cabral até o dia em que eles se reuniram para fundar o partido, nada útil teria ocorrido no país.

Era uma rejeição indiscriminada do passado. Nossa história seria um registro uniforme e monótono : uma elite pérfida e gananciosa oprimindo o povo.

E quanto à esquerda, especificamente ? Para se firmar como “a” opção política da classe trabalhadora – escreveu em 2005 o historiador Marco Antônio Villa (2005): “[...] o PT foi construindo uma leitura muito particular da história do Brasil e das lutas operárias. Reinventou o passado, para que a fundação do partido fosse considerada o marco zero da luta de classes no Brasil. Apagaram da história, sem dó, sete décadas de lutas políticas e econômicas”.

Claro, o PT não se expandiu só porque tinha Lula ou só porque reinventou a história. Sua expansão deveu-se também ao ambiente econômico do começo dos anos 80 – a “herança maldita” do período militar ; ao surgimento do chamado “novo sindicalismo” e, mais adiante, ao movimento de opinião que resultou no impeachment de Fernando Collor e colocou a questão ética no âmago do debate político nacional.

Essa foi a época gloriosa em que os petistas se declaravam “contra tudo o que aí está”. Eles pareciam adorar essa frase. Exclamavam-na com uma firmeza de dar inveja.

Sua convicção não devia provir do conteúdo, pela boa e simples razão de que ela não tinha e não tem conteúdo algum. O que eles sentiam – interpretação minha – era uma gostosa mescla de esquerdismo com udenismo – quero dizer, a crença de que estavam reformando a sociedade com uma pitada de arrogância moral (“self-righteousness”, para lembrar uma ótima expressão inglesa).

Em termos eleitorais, o PT só veio a ganhar projeção nacional a partir de 1989, quando Lula foi ao segundo turno contra Collor. Curiosamente, ele foi beneficiado pelo colapso do socialismo na URSS e no Leste Europeu – cuja repercussão mundial foi obviamente enorme.

No Brasil, o anti-comunismo fora até então uma barreira bastante sólida contra o crescimento eleitoral da esquerda, em todos os seus matizes. Sem o comunismo, o anti-comunismo também perdeu importância. Diluiu-se. Minguou.

Como conseqüência, o arco “aceitável” de alianças se ampliou. Setores que antes não se bicavam passaram a colaborar; o clero, por exemplo, passou a ter uma corrente de esquerda muito mais ampla que aquela que se originara na conferência episcopal de Medellín (1976) e na chamada “teologia da libertação”.

Quase me esqueço de dizer uma coisa importante. Apesar desse discurso ideológico aguado – e exaltadamente moralista -, o PT continuava “socialista”. Só não explicava qual era seu socialismo. O nosso – diziam os petistas – é um socialismo por construir. A ser inventado.

Um cínico poderia dizer que eles estavam pedindo um cheque em branco. Uma pessoa imbuída de sentimento bíblico diria que o socialismo deles não era deste mundo.

Não podendo explicar em termos positivos de que socialismo se tratava, os petistas o faziam pela negativa. Seu modelo – como notei acima – não seria a ditadura de partido único ainda imperante na URSS, no Leste da Europa e em Cuba.

Em certo aspecto, a intuição petista era certeira. O socialismo “realmente existente” – como se dizia na época – ia muito mal das pernas. Perdia prestigio a cada 15 minutos e caminhava a olhos vistos para o colapso econômico.

Em 1992, o modelo soviético já podia ser dado por morto, mas, semelhante a um lagarto, ainda apresentava movimentos convulsivos. Percebendo as vacilações de Gorbachev, a linha dura tenta reverter o processo de “abertura” . Ensaia um golpe de Estado. Boris Yeltsin reage e enquadra o próprio Gorbachev.

No Brasil, a TV noticiava os acontecimentos e transmitia comentários, inclusive de antigos estalinistas. Lembro-me de João Amazonas e Oscar Niemeyer solidarizando-se com os golpistas. João Amazonas, tudo bem, mas Niemeyer…Nem tudo é perfeito.

Volto à cena política brasileira. No transcurso dos anos 80 e 90, o PT escudou-se em seu maniqueísmo messiânico para se posicionar contra tudo e todos – e, naturalmente, para capitalizar no plano eleitoral os desgastes que os demais partidos fatalmente iriam sofrer.
A idéia era lucrar com as mudanças sem assumir responsabilidade por elas. Foi assim que o PT vetou a participação de seus parlamentares no Colégio Eleitoral e expulsou os que optaram por comparecer e votar em Tancredo Neves ; participou da Assembléia Constituinte, mas recusou-se a assinar a Constituição de 1988 ; capitalizou a queda de Collor, mas não autorizou a participação de seus membros no governo em seguida constituído pelo vice, Itamar Franco, chegando mesmo a expulsar Luísa Erundina, que aceitou um ministério ; bateu de frente com o Plano Real, peça-chave da estabilização iniciada em 1994 ; e votou sistematicamente contra as propostas legislativas do governo Fernando Henrique.

Com o tempo, porém, à medida em que o partido ia elegendo prefeitos em cidades importantes, as incursões de petistas na esfera do ilícito foram se tornando freqüentes.
Mexe e vira, chegamos a 2002. Duda Mendonça – aquele mesmo que poucos anos depois confessaria na TV ter recebido por fora algo em torno de 10 milhões de dólares -, colocou no programa gratuito de Lula uma meia centena de mulheres grávidas vindo na direção do telespectador ao som do “Bolero” de Ravel.

Beleza pura !

Eleito presidente, a primeira providência de Lula foi esquecer o que antes dizia (conforme o PT antecipara na “Carta aos Brasileiros”) sobre política econômica. Manteve intacto o modelo do governo Fernando Henrique (vituperando-o, quand même , como uma “herança maldita”).
Em 2004 aparece Valdomiro Diniz. Em seguida, o mensalão. Em seguida…

Abro aqui um parêntesis para contar uma de minhas manias. Eu sou um inveterado ajuntador de papéis – atualmente de arquivos, óbvio, pois agora é tudo em computador. De tempos em tempos eu faço uma faxina, trabalho que acaba demorando bastante, pois não resisto a ficar lendo uma parte do que arquivei.

Outro dia eu me deparei com um belo artigo do Frei Betto. Texto erudito, bem escrito, uma leitura realmente prazerosa. Saiu na Folha de S. Paulo. A certa altura ele cita o “Eduardo III”, de Shakespeare : “os lírios que apodrecem fedem muito mais que ervas daninhas”.

Dito isso o ilustre frei retorna à cena brasileira : “Dinheiro vivo na boca do caixa…[...]

Protegidos pelo manto da imunidade, eles se abrigam na escuridão, posando de vítimas ao relampejar dos holofotes da mídia. Aqui embaixo somos envenenados pelo cheiro da podridão [...]”. E fulmina : “… quando a repulsa paralisa a platéia, a impunidade campeia”.

Mas o que é isto que estou lendo ? pensei. O Frei Betto desancando o mensalão e até convocando a platéia a dirigir sua repulsa contra os atores ?

Olhei a data : 12 de julho de 2007. Olhei o título : “A Senatorial República”. Portanto, não era ao mensalão a referência principal do artigo : por que haveria o Betto de detonar o Senado naquele contexto?

Fui pesquisar a data. Ah sim, entendi. Tratava-se do affair Renan Calheiros . Então presidente do Senado, o ilustre homem público alagoano estava por um fio, metido numas complicações de compra de gado, lobby e não sei mais o quê.

No Senado, a posição mais contundente contra Renan – estou aqui me baseando numa excelente matéria assinada por Otávio Cabral na Veja de 04.07.07 – foi a do PFL, exigindo que ele deixasse o comando da Casa.

Pressionado para valer, Renan procurou o pessoal do PT, exigiu a destituição de um petista da comissão de ética e se queixou da demora de Lula em recebê-lo . Estava tentando havia cinco dias.

Foi então que Renan parou os trabalhos e sentou em cima de algumas matérias de interesse do governo.

Na noite desse dia – arremata Otávio Cabral -, “Lula encerrou seus cinco dias de silêncio e convidou Renan para uma conversa no dia seguinte. Ao presidente, Renan fez a catilinária de praxe.

Disse que haveria a ameaça de crise de governabilidade e que tudo não passava de disputa antecipada sobre a sucessão de 2010. Parece que Lula acreditou na patacoada, ou tem outros temores sobre os saberes de Renan, pois orientou seus líderes a trabalhar pelo senador – e, com isso, tudo mudou”.

Bom, eu também já posso ir arrematando por aqui. A essa altura – 2007 -, Lula já se sentia acima do bem e do mal. Talvez até já estivesse querendo imitar Zeus, que tirou uma candidata de sua cabeça.

Quem pode o mais, pode o menos – como dizem os advogados. Quem tira uma candidata da cabeça, por que haverá de respeitar meras leis eleitorais, coibir desmandos na Receita ?
Se quiser, quem o impede de “extirpar” a oposição ?

Os poderes do Olimpo só não se mostraram suficientes no caso do terceiro (aliás terceira) titular da Casa Civil, a doutora Erenice Guerra. Alvejada pelas revelações da Veja e da Folha, ela não teve como se manter no palco. Afundou nele, abrindo no chão um senhor rombo.

Devo porém confessar que a frase do Frei Betto ainda ecoa em meus ouvidos : “… quando a repulsa paralisa a platéia, a impunidade campeia”.

A candidatura Dilma e a política externa :: Celso Lafer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

"Nunca, jamais, na História deste país" - para evocar o bordão preferido do presidente Lula - um chefe de Estado se dedicou a mobilizar tantos recursos para favorecer a sua candidata numa eleição presidencial. Na campanha, o tema recorrente do presidente tem sido a importância da continuidade do que entende ser a inédita qualidade do seu governo. Essa continuidade a candidata Dilma Rousseff, por ele ungida como um seu Outro Eu, teria o dom de levar adiante, até mesmo em matéria de política externa. Assim, no debate democrático sobre as opções que o País tem pela frente, cabe uma discussão sobre a qualidade da diplomacia lulista.

A política externa é uma política pública, como o são a da saúde e a da educação. Como política pública, a política externa tem como objeto traduzir necessidades internas em possibilidades externas. Por essa razão, na sua formulação e execução, precisa lidar com dois grandes desafios: o de definir adequadamente necessidades internas e o de avaliar, com discernimento, as possibilidades externas. A análise da política externa do governo do PT passa, assim, por um exame de como foram tratados esses dois desafios.

O Brasil não enfrenta problemas de segurança de envergadura, como países do Oriente Médio ou da Ásia, que estão mais próximos dos riscos da situação-limite paz/guerra. Por isso, pode considerar o desafio do desenvolvimento nacional, na sua abrangente sustentabilidade - econômica, social, política, ambiental, de inovação e conhecimento -, como sua grande necessidade interna. Cabe lidar bem com esse desafio, que significa ampliar o poder de controle da sociedade brasileira sobre o seu próprio destino, numa era de globalização, na qual o mundo se internaliza na vida dos países, inclusive no capítulo dos riscos (por exemplo, tráfico de drogas, crises econômicas, mudanças climáticas).

Para discernir o que o mundo pode contribuir para o desenvolvimento do País é preciso bem entender o cenário internacional e a sua complexa agenda. Esta contempla os temas da guerra, da violência, da segurança coletiva, da economia, do comércio, das finanças, do meio ambiente, dos direitos humanos e da democracia, das forças centrífugas das identidades e dos particularismos. Do bom entendimento da "máquina do mundo" provém a boa avaliação das possibilidades externas da ação diplomática de um país, na especificidade de suas circunstâncias. Nessa avaliação é preciso evitar dois riscos opostos: o da inércia omissiva do subestimar-se e o da inconsequência do superestimar-se. Isso exige levar em conta que são tarefas da política externa identificar interesses comuns e compartilháveis, lidar com as desigualdades do poder e ter condições de mediar a diversidade cultural e o conflito de valores.

A minha crítica à diplomacia lulista é dupla. Entendo que, com consequências negativas para o País, não definiu apropriadamente as necessidades internas e não avaliou corretamente as possibilidades externas.

Quanto ao primeiro item, aponto que a política externa do governo do PT se voltou para a busca do prestígio, com foco no prestígio do presidente. Uma diplomacia de prestígio e de gestos é menos atenta à falta de resultados. Não atende ao princípio constitucional da impessoalidade da administração pública, pois converte a política externa numa política de governo voltada para, partidarizando, capitalizar no Brasil e no mundo os personalíssimos méritos do presidente. Desconsidera, igualmente, o princípio constitucional da eficiência da administração pública, pois a indiscriminada abertura de novas embaixadas e de consulados-gerais, assim como a exagerada ampliação das vagas de ingresso na carreira, obedece ao afã da acumulação do prestígio, e não a critérios de necessidade objetiva.

Quanto ao segundo item, registro que toda política pública requer uma clara definição de prioridades - governar é escolher, como dizia Mendès-France. Pressupõe uma gestão de riscos inerente ao campo específico de sua atuação. A diplomacia de prestígio e o voluntarismo da política externa lulista não fizeram nem uma coisa nem outra, em função de uma dupla falta da medida na avaliação das possibilidades externas do País. Na busca do inefável prestígio, ora superestima, ora subestima o que o País pode fazer. São exemplos da inconsequência do superestimar-se a ação brasileira no caso do Irã e no de Honduras e os reiterados insucessos das candidaturas a posições internacionais. São exemplos do subestimar-se omissivo, que também se traduz em não escolher os campos de atuação em que o nosso país pode encontrar melhores oportunidades para se afirmar no plano internacional, a resistência a desempenhar um papel mais relevante na área ambiental (na qual o Brasil é uma grande potência), a insensível negligência em matéria de direitos humanos, o descuido na negociação de acordos comerciais regionais, a complacência política no trato dos desvios de rota do Mercosul como processo de integração.

A diplomacia lulista, em razão dos equívocos acima apontados, vem descapitalizando de maneira crescente o soft power da credibilidade internacional do Brasil, comprometendo, desse modo, o próprio prestígio do País. Esta situação vem sendo agravada pelo empenho do presidente em construir amigas parcerias com regimes permeados pela iniquidade do arbítrio (por exemplo, o Irã de Ahmadinejad). A continuidade desta diplomacia é indesejável. Não contribuirá para a sustentabilidade da ação externa brasileira num cenário que se avizinha como mais complexo, seja no contexto das tensões da nossa vizinhança, seja no campo multilateral, seja no jogo das grandes potências, no qual despontam as novas parcerias da China e da Índia com os EUA.


Professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi Ministro das Relações Exteriores no governo FHC

Perigos de uma herança maldita :: Alberto Dines

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O presidente Lula tem um compromisso de capital importância a partir de 4 outubro ou, no caso de segundo turno, a partir de 1º de novembro: punir severamente os que erraram e restabelecer a credibilidade da máquina pública abalada pela segunda demissão em sete anos num dos nichos mais importantes do primeiro escalão da República: a Chefia da Casa Civil.

Tarefa sua: inalienável, indelegável, intransferível. E imediata. Quem o suceder no Palácio do Planalto precisará encontrar a casa em ordem, limpa, saneada, dedetizada. Quando a gente está na vida pública não tem o direito de errar e quando erra tem que pagar, afirmou o presidente na última quinta-feira.

Já no dia seguinte à lacônica e incisiva sentença, a Comissão de Ética da Presidência censurou a ex-ministra Erenice Guerra e na prática abriu um procedimento para investigá-la. Motivo: não atendeu às exigências de prestar esclarecimentos em seguida à posse no cargo sobre os seus bens, seus familiares e áreas geradoras de potenciais conflitos de interesse.

Se atendesse a esta exigência mínima de decoro funcional, teria poupado o governo de sofrer um constrangimento de consequências ainda imprevisíveis no seu momento mais glorioso.

O presidente Lula tem pela frente um desafio histórico e um prazo curtíssimo para vencê-lo. O futuro chefe da nação não poderá perder tempo com providências policiais ou legais. Sua atenção deverá estar concentrada na transição, nos programas e cronogramas dos próximos quatro anos.

O escândalo que arrastou Erenice Guerra tem complicadores e desdobramentos latentes de alta periculosidade. Imprevisíveis. Eventuais desatenções ou omissões poderão parecer leniência, complacência ou arrogância e custarão ao sucessor/sucessora irreparáveis desgastes e desperdícios de energia.

É confortável a situação econômica e financeira do País, mas a do mundo é altamente instável. Fidel Castro está preocupado com a iminência de um confronto nuclear no Oriente Médio. Barack Obama enfrenta a oposição histérica da ultra-direita empenhada apenas em soluções isolacionistas, intolerantes e desesperadas. O desastrado Bonaparte, Nicolas Sarkozy, parceiro estratégico do Brasil, conseguiu rachar a França e a Europa. A América Latina precisa de uma liderança, México e Venezuela estão ameaçadas de rupturas, a Argentina patina nas suas velhas milongas.

Como se não bastassem tantas e tão variadas emergências e demandas no plano externo, temos o insistente e clamoroso coro dos calendários, relógios e alarmes do País inteiro avisando em uníssono que os prazos para a Copa do Mundo de 2014 estão cada vez mais apertados. Não se trata de construir estádios mas de montar nos próximos três anos e meio uma moderníssima infra-estrutura que nos sete anteriores foi apenas esboçada.

O presidente Lula merece um descanso. Mas só depois de 1º de janeiro. Até lá precisa desativar as bombas de efeito retardado espalhadas pelo País inteiro e não apenas no Executivo federal. Algumas alianças regionais que o apoiaram estão literalmente putrefatas, insustentáveis. A chaga Sarney espalhada em dois Estados Maranhão e Amapá é a mais evidente, não a única.

A corrupção avolumou-se, tornou-se endêmica, profunda, consolidou uma extensa rede de ilícitos aparentemente insignificantes que começam com o nepotismo e desaguam em propinas, começam com a quebra do sigilo fiscal de adversários políticos e pode ganhar dimensões de crime organizado.

O presidente Lula merece descanso. Mas só depois de 1º de janeiro. Até lá precisa usar a sua incrível capacidade convocatória para chefiar uma empreitada moral praticamente intocada. Até lá tem a obrigação de enfrentar o único fantasma que realmente deveria atormentá-lo: legar uma herança maldita.


» Alberto Dines é jornalista

Primavera com marca de agosto :: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Não deu para perceber, mas o mês de agosto deu-se o privilégio de registrar cinco domingos, cinco segundas-feiras e cinco terças e, mesmo sendo acontecimento raro, pois só ocorre a intervalo de 823 anos, não mereceu sequer a atenção dos candidatos à sucessão presidencial.

Tradicionalmente, agosto valia por um ano inteiro de emoções. Enquanto a oposição se esbaldava, o governo se deixava paralisar pelo medo e a opinião pública se fartava com o imprevisto. Uma consciência republicana de culpa histórica se estendia sobre o país. Mas as crises mesmo se reservavam aos anos que, para evitar confusão, alternavam as oportunidades eleitorais e as crises.

Cada qual a seu tempo.

Independentemente do calendário que balanceava encrencas políticas e eleições, o país era fiel ao culto do sobrenatural, de raízes históricas, nas diferentes maneiras de manter sempre um pé atrás em relação a práticas nem tão ocultas como parecem. Agosto era esperado com sobressalto e recebido como fatalidade. Depois da Constituição de 1988, porém, o Brasil deixou para trás o exercício de crises inconsequentes, a partir de episódios menores que, mais adiante, fugiam ao controle. As pequenas denúncias de que, em meio à ociosidade política, até hoje se ocupa a oposição e os governos depreciam enquanto não perceberem o engano, viravam crises por omissão oficial.

Aconteceu, com atraso de um mês, o que devia ter ocorrido em agosto mas ficou para setembro, a tempo de vitalizar a oposição nesta sucessão sem sucesso.

A perda de tempo em abafar ou esclarecer a suspeita obrigava o governo a correr atrás do prejuízo, não como se fosse lucro, mas para debitá-lo à oposição.

Quando se fala em governo, fica subentendido o presidente Lula.

O último agosto dele passou em branco, mas setembro não chegaria ao fim sem pagar pedágio. A lambança, com epicentro na Casa Civil, chegou perto demais.

Com atraso de um mês e na reta final da campanha eleitoral, o sobrenatural se apresentou e chamuscou setembro. A contribuição do além andava escassa.

Veio da China, que sabe esperar prazos. A China arrebentou economicamente em agosto, embora a repercussão internacional ficasse para setembro.

No Brasil, afortunadamente, a eleição ainda não arrebentou, nem contra nem a favor.

Em outubro talvez fosse tarde, exceto para os que se meteram em complicações com a Receita e adjacências sigilosas.

A Casa Civil pegou fogo e o governo, abanado pelas pesquisas, insistia em fazer que não via.

O fato, não a versão, é que Lula está com pressa e não perde tempo com concordância que não seja eleitoralmente rentável (em votos, bem entendido).

Prejuízo, não. Quem fez vai pagar. O presidente, antes de passar ao ócio pós-presidencial, com ou sem dignidade, confirma que é ele quem detém as iniciativas, como Júpiter fazia com os raios.

Está descobrindo, na nostalgia ética dos brasileiros, uma nova dimensão a ser explorada daqui para 2014, antes que a oposição acerte com um filão precioso de escândalos.

Em sua faina eleitoral, o presidente farejou risco no ar e não quis saber: mandou a Polícia Federal botar o preto no branco no tal sigilo que não fez cerimônia nas adjacências do poder. Lula quer sair, mas para voltar, pela porta da frente, à sombra do slogan Vou ali e volto já; vou apanhar maracujá.

Ninguém sai intacto de uma prova, escrita ou oral, como esta que arremata a campanha.

Assim como o presidente pode mandar apurar com espalhafato, nada impede que recomende, por via transversa, ir devagar pelas razões de Estado ao seu dispor. O resto sempre pode esperar.

Companheira Dilma, comissária Rousseff:: Elio Gaspari

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Segundo a superstição petista, Dilma Rousseff é uma executiva altamente qualificada. Que seja.

Ela teve um loja de cacarecos panamenhos chamada Pão e Circo, no centro comercial Olaria, em Porto Alegre, mas a aventura durou 17 meses. Fora daí, seu currículo ficou na barra da saia da viúva. Nele, embutiu um doutorado pela Unicamp que nunca foi concluído, mas deixou de mencionar sua única, banal e pitoresca passagem pela atividade privada.

Nomeada ministra de Minas e Energia, por Nosso Guia, assistiu ao loteamento de sua pasta e à ida do engenheiro Silas Rondeau para a presidência da Eletronorte.

Qualificava-se com títulos da Universidade Sarney, onde teve como orientador o eletrizante empresário Fernando, filho do ex-presidente. Em 2004, a ministra fritou o presidente da Eletrobras, Luiz Pinguelli Rosa, engenheiro nuclear, doutor pela UFRJ, com passagens por sete universidades estrangeiras. Para o seu lugar, turbinou Rondeau, que acabou substituindo-a no ministério.

Em maio de 2007, um assistente do doutor foi preso pela Operação Navalha.

Acusado pela Polícia Federal de ter recebido R$ 100 mil de uma empreiteira, Rondeau deixou o cargo. Denunciado por gestão fraudulenta e corrupção passiva, ele se tornou o sétimo ministro de Nosso Guia apanhado pelo Ministério Público.

Rondeau subiu na vida por conta da aliança política com José Sarney, Erenice foi para a Casa Civil com credenciais típicas do comissariado: a fidelidade ao aparelho petista e à comissária Rousseff.

Juntas, deixaram as impressões digitais no episódio da montagem de um dossiê com as despesas de Fernando Henrique Cardoso no Alvorada.

(Há dias, um cálculo da Rede Guerra de Trabalho e Emprego informava que, em 15 anos, Erenice, seus três irmãos e dois filhos passaram por pelo menos 14 cargos.

Há mais: foram pelo menos 17, distribuídos pelos setores de urbanismo, educação, saúde, transportes, segurança, energia, planejamento e pela burocracia legislativa. Israel, filho da doutora, tinha uma boquinha na Terracap e José Euricélio, irmão dela, bicou na editora da Universidade de Brasília e estava na teta da Novacap.)

Denúncia aponta distribuição de propina no Palácio do Planalto

DEU EM O GLOBO

Funcionários recebiam pacotes de dinheiro por compra de remédio para gripe suína

Uma nova denúncia indica o pagamento de propinas no próprio Palácio do Planalto. Reportagem da “Veja” afirma que Vinícius Castro , assessor da Casa Civil exonerado no escândalo que derrubou Erenice Guerra, relatou a duas pessoas ter recebido, em sua sala no Palácio, comissão de R$ 200 mil pela atuação do órgão numa licitação do Ministério da Saúde para compra de remédio contra a gripe suína. Vinícius é ligado a Israel Guerra, filho de Erenice, sucessora de Dilma Rousseff. O Ministério da Saúde negou irregularidades. Para José Serra, o esquema da Casa Civil é antigo. Os negócios do marido de Erenice também teriam sido beneficiados pelo tráfico de influência no órgão.

Propina paga dentro da Casa Civil

Assessor do ministério teria recebido R$ 200 mil por intermediar compra de remédio

Roberto Maltchik e Geralda Doca

BRASÍLIA, SÃO PAULO E RIO - Além do lobby na Casa Civil para favorecer empresas do setor aéreo e de energia, os filhos da ex-chefe da Casa Civil Erenice Guerra e o ex-assessor jurídico Vinícius Castro são alvo de nova denúncia, apontando agora para o pagamento de propina dentro da Casa Civil, que funciona no Palácio do Planalto. Segundo a revista Veja, Vinícius, exonerado na última segunda-feira, teria recebido R$ 200 mil como comissão pela atuação da Casa Civil como intermediadora de uma compra de Tamiflu pelo Ministério da Saúde, num contrato emergencial de R$ 34,7 milhões em junho de 2009. O Tamiflu é usado em pacientes da gripe suína (H1N1).

Segundo a Veja, Vinícius confessou ao tio, o ex-diretor de Operações dos Correios Marco Antonio de Oliveira, que recebeu o dinheiro dentro da Casa Civil. De acordo com a reportagem, o cala-boca de R$ 200 mil foi estendido a outros três servidores da Casa Civil, cujos nomes não teriam sido revelados. O relato, atribuído por Veja a Oliveira, diz que o dinheiro surgiu misteriosamente numa das gavetas da mesa de Vinícius, que teria se surpreendido com o achado. Caraca, que dinheiro é esse?, teria perguntado ele.

As denúncias contra a Casa Civil provocaram a demissão de Erenice, sucessora no cargo de Dilma Rousseff, candidata do PT à Presidência. Ontem, Oliveira negou ao GLOBO que Vinícius tenha tratado de recebimento de propina com ele. Afirmou que o sobrinho relatou uma situação que o assustou muito e estava inquieto com uma grande missão a ele confiada. Oliveira não entrou em detalhes sobre qual seria a missão.

O ex-diretor dos Correios também admite que recomendou ao sobrinho cautela e muita atenção para evitar entrar em enrascada. E confirmou a frase publicada na Veja, em depoimento gravado, segundo a revista: Ele ficou muito assustado. Eu avisei que, se continuasse desse jeito, ele iria sair algemado do Palácio.

Novas denúncias vão para investigação da PF

No Planalto, a relação entre Oliveira e Erenice Guerra era considerada explosiva e perigosa.

O ex-diretor dos Correios é apontado pelo empresário Rubnei Quícoli como um dos intermediários da Capital Assessoria, empresa de lobby dos filhos de Erenice Guerra. Um dos filhos de Erenice, Israel Guerra, admitiu a assessores do Palácio do Planalto que recebeu R$ 120 mil para renovar a licença de operação da Master Top Airlines (MTA), prestadora de serviços dos Correios, junto à Anac, em dezembro de 2009.

A Capital também abriu as portas da Casa Civil para a EDRB, com projeto de energia solar no Nordeste, pedir, sem sucesso, financiamento de R$ 9 bilhões no BNDES. Na denúncia, publicada na Folha de S. Paulo, a Capital pediu em minuta de contrato R$ 240 mil e taxa de êxito de R$ 450 milhões. Na ocasião, Quícoli disse ter recebido de Oliveira pedido de propina de R$ 5 milhões para pagar dívidas de campanha de Dilma.

Veja também atribui à Capital negociação para intermediar a concessão de um patrocínio de R$ 200 mil pela Eletrobras ao piloto Luís Corsini.

Os filhos de Erenice teriam ganho R$ 40 mil de taxa de êxito na negociação. A Eletrobras negou irregularidades no patrocínio.

As novas denúncias serão encaminhadas ao Ministério da Justiça para compor a investigação da Polícia Federal. Segundo a Casa Civil, servidores suspeitos de receber propina serão investigados. O procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Marinus Marsico, pedirá abertura de investigação nos contratos de compra do Tamiflu, porque são graves e precisam ser apuradas.

Em São Paulo, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que as denúncias serão investigadas e punidas, caso se confirmem irregularidades. Mas relacionou o caso aos interesses da oposição na disputa eleitoral.

A oposição ao presidente Lula, desde o começo, vem tentando através da tática da acusação mudar o quadro eleitoral. Todas as pesquisas mostraram que a tática não surtiu efeito.

Procurados, Israel e Vinícius não foram encontrados.

No Rio, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, afirmou que a Casa Civil não teve influência na compra do Tamiflu e que a negociação foi feita entre a pasta e o laboratório Roche, único fabricante do produto.

O Ministério da Saúde é autônomo, e todos os procedimentos são feitos por critérios técnicos.

Não houve intervenção da Casa Civil nem nesta nem em qualquer negociação disse o ministro, afirmando que o ministério comprou a quantidade necessária e que a negociação resultou num preço 76,7% abaixo do de mercado.


Colaboraram Luiza Damé, Guilherme Freitas e Sérgio Roxo

Lobby sem limites nos corredores de Brasília

DEU EM O GLOBO

Propostas contra o tráfico de influência não avançam; a mais recente está em compasso de espera na Casa Civil

Jailton de Carvalho

BRASÍLIA. O escândalo que derrubou da Casa Civil Erenice Guerra, ex-braço-direito da candidata à Presidência Dilma Rousseff (PT), mostra que Brasília ainda tem as portas abertas ao lobby espúrio e ao tráfico de influência. Sem freios explícitos na legislação, lobistas como Israel Guerra, filho de Erenice, e Vinícius Castro, ex-assessor jurídico da Casa Civil, circulavam pela Esplanada dos Ministérios, pelo Congresso e por gabinetes dos tribunais superiores em busca de dinheiro fácil.

Propostas de regulamentação do lobby, para inibir o tráfico de influência, aparecem em momentos críticos, mas esbarram num invisível e poderoso movimento contrário a leis específicas.

O mais recente projeto para punir o lobby ilegal está parado na Casa Civil desde o fim de 2009. O texto, com regras contra o tráfico de influência no Executivo, Legislativo e Judiciário, foi criado por uma comissão com representantes da sociedade civil e da Controladoria Geral da União (CGU). Entre os autores da ideia, estão membros do Instituto Ethos, da Ordem dos Advogados do Brasil e da Comissão de Ética da Presidência.

Nem assim a proposta andou.

A Casa Civil, até quinta-feira chefiada por Erenice, não mandou o projeto ao Congresso por suposta falta de consenso no governo sobre a questão. O anteprojeto obriga autoridades e lobistas a registrarem eventuais encontros e o conteúdo dos temas tratados.

Os encontros teriam que ser informados à CGU.

Se as medidas estivessem em vigor, Israel e Vinícius teriam que informar os motivos dos encontros que tiveram com Fábio Baracat e Rubnei Quícoli, que acusam os dois de cobrar propina para viabilizar a renovação de um contrato nos Correios e um empréstimo no BNDES que não foi aprovado. A ex-ministra teria que dizer também se teve contato com Quícoli e Baracat.

O lobby regulamentado poderia diminuir o tráfico de influência.

A autoridade tem que declarar que recebeu um lobista, que o lobista vocalizou determinados interesses e, a partir daí, abrir espaço na agenda para eventuais concorrentes desse lobista diz Izabela Moreira, gerente da Diretoria de Prevenção de Corrupção da CGU.


Serra: 'Um esquema como esse não é de hoje'

DEU EM O GLOBO

Cássio Bruno

O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, fez duras críticas à adversária Dilma Rousseff (PT), ao comentar ontem, em Niterói, as denúncias publicadas, neste fim de semana, pela revista Veja, de que o ex-assessor de Erenice Guerra recebeu propina dentro da Casa Civil. Serra lembrou que é o terceiro escândalo ocorrido na Casa Civil no governo Lula e afirmou que Dilma, no mínimo, não é uma boa administradora. E acrescentou que o suposto esquema não foi criado em abril (quando Erenice assumiu a pasta), vem de muito tempo.

Muita gente no Brasil não entende o que é quebra de sigilo, embora seja um crime grave. Mas todo mundo entende e sabe o que é corrupção, o que é mensalão, o que é propina. Mais ainda: propina para compra de medicamentos.

Propina dentro da Casa Civil, o coração do governo. Já é o terceiro escândalo na Casa Civil neste governo afirmou Serra, que fez corpo a corpo em Niterói acompanhado do vice, Índio da Costa, e do deputado estadual Comte Bittencourt (PPS).

Perguntado se a campanha de sua adversária estaria comprometida por conta das denúncias, Serra acrescentou: É uma opinião eleitoral que eu me eximo de dar. Tudo o que eles querem fazer é dizer que eleição é uma coisa e governo é outra. A gente sabe que não é assim. Sabemos que um esquema como esse, na Casa Civil, não é um esquema que se criou a partir de abril. Vem desde muito tempo.

ANJ e OAB reagem a ataque do presidente

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

DE SÃO PAULO - A ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) reagiram aos ataques feitos pelo presidente Lula à imprensa ontem.

Em nota, a ANJ disse ser "preocupante" que o presidente manifeste desconhecimento em relação ao papel da imprensa em sociedades democráticas.

"O papel da imprensa, convém recordar, é o de levar à sociedade toda informação, opinião e crítica que contribua para as opções informadas dos cidadãos, mesmo aquelas que desagradem os governantes", declarou a associação na nota.

"Ele [Lula] jamais criticou o trabalho jornalístico quando as informações tinham implicações negativas para seus opositores", ressaltou a ANJ.

O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, também criticou o teor do discurso de Lula. "Esse é um país onde a imprensa é livre. Denúncias sempre existiram, hoje e antes, quando o presidente estava na oposição", afirmou.

Quando o jornalismo funciona

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Suzana Singer

Há muito a esclarecer, mas a imprensa mostra seu valor ao trazer à tona denúncias que derrubaram Erenice

O jornalismo finalmente mostrou seu valor nestas eleições. Depois do "Receitagate", um escândalo nebuloso em que os culpados ainda não estão definidos, a imprensa trouxe à tona denúncias que derrubaram a ministra da Casa Civil, ex-assessora direta da candidata do governo. Os méritos principais estão com a revista "Veja" e a Folha, que deram os "furos" (informações exclusivas) dessa história.

Ainda há muito a esclarecer, mas as reportagens conseguiram mostrar, até sexta-feira, que havia, no mínimo, um envolvimento espúrio de lobistas com o filho de Erenice Guerra.

Causou estranheza aos leitores o fato de o denunciante nas reportagens da Folha, o autointitulado "consultor" Rubnei Quícoli, ter um currículo pouco invejável -uma condenação por receptação de carga roubada e outra por uso de dinheiro falso, com dez meses passados na prisão.

O título da entrevista concedida por ele, publicada na quinta-feira, era quase patético: ""Fiquei horrorizado de ter de pagar", diz negociador", como se fosse uma alma pura à mercê dos gaviões de Brasília.

No dia seguinte, "O Globo" revelou que Quícoli chantageou os envolvidos, dizendo que, se o crédito pleiteado pela empresa que ele representava não saísse, procuraria a imprensa, como acabou fazendo.

"Vigarista", "criminoso" e "escroque" foram alguns dos adjetivos usados pelos leitores para definir a fonte principal da reportagem da Folha, que foi acusada de "denuncismo ridículo" e "insanidade total" por dar guarida a ele.

Desqualificar o informante sem dar atenção ao que ele diz é uma tática recorrente das autoridades. Só para lembrar um exemplo clássico, quando o então deputado Roberto Jefferson detonou o "mensalão", em 2005, ele era mais conhecido como ex-líder da tropa de choque do presidente Collor.

Com o tempo, muitas de suas denúncias foram se mostrando verdadeiras, o que obrigou os que tentavam desacreditá-lo a buscar novos argumentos.
A verdade é que, se os repórteres de política dependessem exclusivamente de pessoas ilibadas em suas apurações, páginas em branco seriam publicadas diariamente.

O importante neste caso é que as denúncias de Rubnei Quícoli, que vão ao encontro do que foi relatado pelo consultor Fabio Baracat na "Veja", sejam apenas o ponto de partida para o trabalho jornalístico. Que daqui em diante a Folha consiga esclarecer se funcionou um balcão de venda de influências na Casa Civil, quem participou do esquema e se Erenice esteve envolvida de alguma forma.

DESDÉM COM A IMPRENSA

O governo reagiu mal ao jornalismo, desde o primeiro momento. Erenice Guerra anunciou que processará a "Veja", uma revista que, segundo ela, "está envolvida da forma mais virulenta e menos ética possível" na disputa eleitoral.

Em vez de esclarecer o que a imprensa divulgava, atacou depois José Serra, um candidato "aético e já derrotado", o que acelerou sua defenestração do ministério.

Dilma Rousseff começou falando em "mais um factóide" contra a sua candidatura e depois tratou de se distanciar ao máximo de quem foi seu braço direito por tantos anos.

O pouco hábito com uma imprensa questionadora não é exclusividade do petismo.

Na quarta-feira, José Serra ameaçou abandonar uma entrevista na CNT, porque não estava gostando das perguntas.

O candidato, que passou semanas fazendo denúncias, não queria "gastar tempo precioso" discutindo o escândalo da Receita Federal nem falando de pesquisas eleitorais (em que ele está mal).

"Isto aqui é um programa montado", "vocês repetem argumentos fajutos do PT", acusou Serra.

Se os dois principais presidenciáveis encaram a imprensa não bajuladora com esse espírito, teremos quatro anos difíceis pela frente, ganhe quem ganhar.

Ex-ministra planejava defender investigados

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Erenice pretendia "ganhar dinheiro" apontando erros em processos de corrupção

ANDREZA MATAIS
DE BRASÍLIA
HUDSON CORRÊA
DO RIO

A ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra pretendia trabalhar como advogada quando saísse do governo e "ganhar dinheiro" apontando erros em processos contra investigados por corrupção.

Foi o que ela confidenciou em conversa telefônica gravada, com autorização da Justiça, pela Polícia Federal no dia 14 de maio de 2008. Na época, Erenice ocupava o cargo de secretária-executiva da Casa Civil e era braço-direito da ministra Dilma Rousseff, hoje candidata à Presidência pelo PT.

O alvo da escuta era o interlocutor dela no diálogo, o ex-ministro das Minas e Energia Silas Rondeau, que havia sido exonerado do governo um ano antes, depois de a Polícia Feferal acusá-lo de receber propina dentro do gabinete.

Em 2008, Silas Rondeau era também investigado pela Polícia Federal por suspeita de tráfico de influência em um esquema que envolvia o nome do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Por isso o telefone dele tinha sido grampeado.

CONVERSA

Na conversa interceptada pela polícia, porém, o ex-ministro tratava de uma terceira acusação: Rondeau havia sido denunciado pela Procuradoria da República ao Superior Tribunal de Justiça sob acusação de envolvimento em desvios de dinheiro de obras públicas.

No telefonema, Erenice procurou acalmar Rondeau. "Isso [a denúncia] não se sustenta, Silas. Um dia eu ainda vou sair daqui e ganhar dinheiro com essas coisas fora, viu? Fica tranquilo, que acho que isso vai resolver fácil, porque não se sustenta de jeito nenhum."

Em seguida, acrescentou: "Eu fico completamente impressionada com a capacidade de instrução de inquérito falho que a polícia faz e a aceitação por parte do Ministério Público. É lamentável. Nós estamos vivendo uma disputa política e de politização do Judiciário, que é um negócio escandaloso".

A ligação partiu dela e foi feita do seu então gabinete na Casa Civil. Erenice disse que havia chegado a pensar no ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos para defender o ex-colega de governo.

No entanto, a ex-ministra aconselhou Rondeau a manter José Gerardo Grossi como seu advogado e, além disso, a não usar os escritórios que os demais acusados estavam acionando.

"Acho o seu mais experiente", afirmou Erenice.

DOSSIÊ

Quando a conversa ocorreu, Erenice enfrentava a acusação de ter elaborado na Casa Civil um dossiê sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - documento que tinha como objetivo constranger a oposição e impedir a instalação da CPI dos Cartões Corporativos.

Posteriormente, a Polícia Federal comprovou que a planilha de fato foi confeccionada dentro do Planalto e em formato atípico. A investigação, porém, ficou 15 meses suspensa e só foi retomada em março deste ano, com pedido de acareação e depoimentos do Ministério Público. A Folha tenta falar com Erenice desde o fim de semana passado, sem sucesso.

Mensaleiros não desistem de disputar eleição

DEU EM O GLOBO

Em São Paulo, três réus do escândalo querem voltar ao Congresso; mais três envolvidos tentam em outros três estados

Leila Suwwan


SÃO PAULO. Cinco anos após o escândalo do mensalão, pelo menos seis envolvidos estão na disputa eleitoral. Por São Paulo, por exemplo, três réus do processo no Supremo Tribunal Federal buscam a reeleição como deputados federais. Com campanhas sustentadas por doações partidárias, João Paulo Cunha (PT), José Genoino (PT) e Valdemar Costa Neto (PR) fogem da imprensa e das lembranças das denúncias do propinoduto, mas já esboçam uma retomada política na Câmara, na esteira da onda dilmista. Outros três mensaleiros estão na mesma esteira: o petista Paulo Rocha disputa vaga pelo Senado, no Pará. Assim como Rocha, os denunciados Pedro Henry (PP-MT) e Romeu Queiroz (PSB-MG) tentam mandatos em seus estados.

Em São Paulo, João Paulo, José Genoino e Valdemar são parlamentares discretos, quase ocultos. E têm estratégias de campanha diversas. João Paulo conta, por exemplo, com apoio declarado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em palanque, com direito a um carismático pedido de voto para o companheiro João Paulo.

Na última semana, ele foi prestigiado pelos candidatos ao Senado Marta Suplicy (PT) e Netinho (PCdoB), que lideram nas pesquisas. Genoino, mais discreto, não teve a mesma deferência e conta com um simples vídeo gravado pelo ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) para assegurar que ele é parceiro de Dilma e Lula.

Valdemar, que acaba de ser absolvido da acusação de compra de votos em 2006, conta com a ajuda de um puxador de votos inusitado, o palhaço Tiririca. Ainda assim, alardeia seu elo com Lula e Dilma, com fotos em seu blog. Lá, escreve: Não é de hoje que conheço a Dilma e lembra que foi um dos principais responsáveis pela aliança que levou Lula a vencer as eleições de 2002 sem menção ao acerto milionário que uniu PT e PL e descambou no mensalão.

Os três têm em comum a ajuda de seus partidos. Cunha já arrecadou e gastou quase R$ 1 milhão (metade chegou por doação do PT). Genoino arrecadou R$ 650 mil (metade veio do partido). Valdemar, que conta com quase R$ 800 mil, recebeu quase tudo do partido.

Lula ataca imprensa e diz: 'Nós somos a opinião pública'

DEU EM O GLOBO

Dilma diz que desconhecia lobby e defende Erenice; Lula ataca imprensa"O povo mais pobre não precisa mais de formador de opinião", disse presidente

Sérgio Roxo
Enviado especial

CAMPINAS. A candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, disse ontem que desconhecia acusações de lobby na Casa Civil e que Erenice Guerra, seu braço-direito no ministério, sempre demonstrou idoneidade no tempo em que trabalharam juntas. Para a presidenciável, as acusações contra Erenice precisam ser provadas.

Indagada se mantinha a mesma confiança que a fez indicar Erenice para a Casa Civil, disse: A ex-ministra trabalhou comigo e demonstrou muita capacidade, muita competência e idoneidade. Qualquer ato que a desabone tem que ser provado, e não vice-versa.

Aguardo com cautela.

Dilma afirmou que enquanto comandou a Casa Civil não tomou conhecimento dos e-mails enviados pelo consultor Rubnei Quícoli ao ministério ameaçando revelar o esquema de lobby na pasta e desqualificou o denunciante por causa de seu histórico de passagens policiais.

Não cheguei a tomar conhecimento (do envio de emails).

Acho estarrecedor que se dê credibilidade a uma pessoa com aquele currículo disse Dilma, que ontem tomou café da manhã com o ator porto-riquenho Benicio del Toro, que viveu Che Guevara no cinema.

A petista defendeu que não se faça pré-julgamento e contou que Erenice lhe comunicara a demissão: Falei que ficava a cargo dela, era avaliação dela.

Sobre a indicação de amigos do filho de Erenice, Israel Guerra, para trabalhar na Casa Civil durante sua gestão na pasta, Dilma reagiu com cautela: Não tinha nenhum filho da Erenice na Casa Civil, o que havia eram amigos. Se algum desses amigos cometeu delitos, lamento a indicação deles.

Lula: Somos a opinião pública

À tarde, Dilma participou de um comício em Campinas ao lado do presidente Lula. Ao discursar, ela não fez referência ao escândalo. Já Lula criticou a imprensa e o PSDB. Sem citar o nome da publicação, ele disse que a revista Veja destila ódio e mentira contra o seu governo: Estive vendo algumas revistas que vão sair neste fim de semana, sobretudo uma, que não sei o nome dela, parece Olha. Nordestino falaria Oia.

Ela destila ódio e mentira.

E seguiu: Tem dia que determinados setores da imprensa brasileira chegam a ser uma vergonha. Se o dono do jornal ler o seu jornal ou o dono da revista ler a sua revista, eles ficariam com vergonha do que estão escrevendo exatamente neste momento.

Lula disse crer que veículos de imprensa o criticam por causa de sua atuação na crise mundial, da quantidade de vagas em universidades criadas em sua gestão e devido ao fato de que ele, que se diz socialista, fará na próxima sexta-feira a maior capitalização de uma empresa capitalista na História, em referência à Petrobras. Para Lula, o povo mais pobre não precisa mais de formador de opinião.

Nós somos a opinião pública acrescentou.

Para ele, a vitória de Dilma significará a derrota da imprensa: Não vamos derrotar apenas nossos adversários tucanos.

Vamos derrotar alguns jornais e revistas, que se comportam como se fossem um partido político e não têm coragem de dizer que são um partido político, que têm candidato e não têm coragem de dizer que têm candidato, que não são democratas e pensam que são democratas.

O presidente do PT, José Eduardo Dutra, também criticou a oposição, que acusa Lula de governar o país de cima de palanques: A oposição tem saudade do tempo em que se governava em cima dos tanques.

Lula disse que os tucanos têm bico grande.

Eles têm uma cor bonita porque ninguém tem um bico tão grande para nada. Não há colher que encha aquele bico de comida. Então, tem que ser um pessoal falador, prometedor, pessoal que está prometendo até aumentar o salário mínimo afirmou Lula, em referência à promessa do candidato do PSDB, José Serra, de elevar o salário mínimo para R$ 600.

'Alguns veículos de imprensa se comportam como partido político', diz Lula

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

ANA FLOR
ENVIADA A CAMPINAS (SP)
MAURÍCIO SIMIONATO
DE CAMPINAS (SP)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez fortes ataques à imprensa em comício neste sábado em Campinas (SP) e afirmou que alguns veículos de imprensa se comportam como partidos políticos.

"Eu queria pedir para você Dilma e para você Mercadante, não percam o bom humor, deixa eu perder. Eu já ganhei. Se mantenham tranquilo porque outra vez nós não vamos derrotar apenas os nossos adversários tucanos, nós vamos derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como partido político e não tem coragem de dizer que têm partidos políticos, que tem candidatos que não tem coragem de dizer que candidatos, que não são democratas e pensam que são democratas. Democrata é este governo que permite que eles batam."

Lula afirmou que se os donos de jornais e revistas ficariam com vergonha se lessem os jornais e revistas que fazem.

"Tem dia que determinados setores da imprensa brasileira chegam a ser uma vergonha. Se o dono do jornal lesse o seu o seu jornal ou o dono da revista lesse a sua revista, eles ficariam com vergonha do que eles estão escrevendo exatamente neste momento. E eles falam em democracia. A democracia que eles não suportam é dizer que a economia brasileira vai crescer mais de 7% neste ano."

Lula disse que o governo não promove censura, que a imprensa não o tolera e afirmou que os 4% que avaliam o governo como ruim ou péssimo devem estar "na casa do [José] Serra e na casa do [Geraldo] Alckmin".

"Não sou eu [que] vou censurá-los, é o telespectador, é o ouvinte, e é o leitor que vai medir aquilo que é mentira e aquilo que é verdade. Essa gente [da imprensa] não me tolera. É por isso que essa gente, mesmo lendo nas pesquisas de opinião pública e vendo que tem apenas 4% que acham o governo ruim e péssimo. Deve ser na casa do Serra e na casa do Alckmin. Essa gente não tolera."

O presidente voltou a dizer que os pobres do país não precisam mais "do tal formador de opinião pública".

"O que eles não se conformam [é] que um metalúrgico fez mais universidades que todos os presidentes elitistas que passaram por este país e geramos quase 15 milhões de empregos com carteira profissional assinada. O que eles não se conformam é que os pobres não aceitam mais o tal do formador de opinião pública. Eles não se conformam é que os pobres estão conseguindo enxergar com os seus olhos, pensar com a sua cabeça, pensar com sua consciência, andar com as suas pernas e falar com sua boca. Não precisam do tal de formador de opinião pública.

Nós somos a opinião pública e nós mesmo nos formamos."

PSDB quer convocar Dilma para explicar escândalo no Senado

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Leila Coimbra

DE BRASÍLIA - O senador Álvaro Dias (PSDB-PR), líder da oposição no Senado, disse neste sábado que pretende apresentar na segunda-feira um requerimento à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) convidando a candidata petista à presidência da República, Dilma Rousseff, a prestar esclarecimentos.

"À época dos acontecimentos que foram relatados hoje na imprensa, quem era ministra da Casa Civil era Dilma Rousseff, e não Erenice Guerra", disse o senador, em entrevista à imprensa.

Álvaro Dias reconhece que, apesar do convite, existe a possibilidade de Dilma Rousseff não comparecer ao Senado para dar explicações, já que ela não é mais ministra e não cabe convocação obrigatória pela Casa.

"Não tenho nenhuma ilusão de que ela aceitará o convite, mas faria muito bem se aceitasse. Ela tem explicações a dar e não deve se esconder e terceirizar a responsabilidade".

Sobre a possibilidade de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as denúncias, o senador disse que a possibilidade é sempre presente, mas que não há clima no Senado para isso. "O ambiente que se criou no Senado desestimula a instalação de CPI.
O governo aprendeu a dominar de forma absoluta, temos receio de gerar falsa expectativa na população", disse.

Álvaro Dias acredita que a divulgação de novos escândalos na Casa Civil, com evidências de cobranças de propinas, deverá ter conseqüências eleitorais. "É subestimar a inteligência dos brasileiros achar que isso não terá reflexo eleitoral". Ele disse acreditar que haverá segundo turno na disputa pela presidência da República.

O senador também informou que irá conversar com os advogados do partido sobre a possibilidade de apresentar adendos à representação que o PSDB já enviou ao Ministério Público para que o órgão investigue a ocorrência de lobby na Casa Civil. "O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que investigará, mas há fatos novos", disse.

O líder da oposição no Senado também criticou o governo por causa da denúncia de que teria havido propina na negociação para a compra do Tamiflu, tratamento para a epidemia de gripe A, ocorrida no ano passado.

"Enquanto brasileiros morriam vitimados pela gripe A, no governo instalavam um balcão de negócios para aquisição da vacina. Como alguém pode pretender ser presidente sem ver um propinoduto instalado um palmo à frente do seu nariz?", questionou.

Serra diz que suposto esquema na Casa Civil é anterior a Erenice

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Denise Menchen

DO RIO - O candidato do PSDB à presidência da República, José Serra, disse hoje que o suposto esquema de pagamento de propina para a compra de medicamentos, revelado pela revista "Veja", já ocorria antes da ex-ministra Dilma Rousseff, candidata do PT, deixar o cargo em abril deste ano.

"A gente sabe que um esquema como este não é um esquema que se criou a partir de abril. É coisa que vem há muito tempo."

O tucano também citou a quebra do sigilo fiscal de sua filha e de outras pessoas ligadas ao PSDB como um fato grave ocorrido em instituições do governo federal, mas considerou que a a atual denúncia tem maior potencial de chegar ao eleitorado.

"Muita gente no Brasil não entendeu o que é quebra de sigilo, embora seja grave. Mas todo mundo entende e sabe o que é corrupção e o que é propina."

Serra questionou ainda a responsabilidade da adversária no episódio.

"Se [ela, Dilma] sabia, é crime. Se não sabia, não é uma boa administradora. [Isso] porque anos e anos com um esquema feito ao lado do gabinete [dela] de distribuição de propina até para a compra de remédios, o que é especialmente mórbido, não dá."


Serra responsabiliza Dilma por escândalo envolvendo Erenice Guerra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

'Se sabia, é crime. Se não sabia, não é boa administradora', afirmou o candidato tucano à Presidência da República

Luciana Nunes Leal

RIO DE JANEIRO - Ao comentar mais uma denúncia sobre um suposto esquema de corrupção e tráfico de influência na Casa Civil, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, fez uma referência ao período em que sua adversária Dilma Rousseff, do PT, foi titular da Pasta: "Se (Dilma) sabia, é crime. Se não sabia, não é boa administradora, porque anos e anos com um esquema feito ao lado do gabinete, com distribuição de propinas até para a compra de remédios, o que é especialmente mórbido, não dá", afirmou.

Ele se referia à reportagem publicada na revista Veja desta semana, que informa o recebimento de propina de R$ 200 mil por Vinícius de Oliveira Castro, ex-funcionário do ministério e um dos sócios de Israel Guerra, filho de Erenice Guerra, que foi secretária executiva de Dilma e depois a sucedeu da Casa Civil.

Serra destacou que o suposto esquema de pagamento de propina acontecia desde o período em que Dilma comandava a Casa Civil. "Tudo o que eles querem é dizer que eleição é uma coisa e que governo é outra. A gente sabe que não é assim. Um esquema como esta na Casa Civil não se criou a partir de abril (quando Dilma deixou o governo para iniciar campanha). É coisa que vem de muito tempo."

Serra disse que "é preciso dar um basta" à corrupção no governo federal. O candidato afirmou que a população está mais informada sobre as denúncias que envolvem a ex-ministra Erenice do que sobre a quebra de sigilo fiscal de pessoas próximas a ele. "Muita gente no Brasil não entendeu o que é quebra de sigilo, embora seja um crime grave.

Mas, todo mundo sabe o que é corrupção, o que é mensalão, o que é propina", declarou.

O tucano não quis, no entanto, especular sobre o possível impacto das denúncias na campanha de Dilma. Serra procurou destacar a importância da Casa Civil, que classificou como "o coração do governo", na administração federal. "Já é o terceiro escândalo da Casa Civil deste governo", lembrou. Ele declarou que, se eleito, sua gestão será diferente. "No meu governo isso não vai acontecer. Tenho outra história, tenho caráter, como tem caráter também a população brasileira. Nesta eleição, temos que dar um basta nesses abusos."

O candidato do PSDB acabou de fazer caminhada em Icaraí, numa rua de lojas de grife da zona sul de Niterói, no Grande Rio, e segue agora para participar de encontro na Barra com deficientes físicos.