segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Reflexão do dia – Raimundo Santos

"Pensar 1954-1955 buscando a “atualidade” da então chamada “revolução brasileira” implicava discernir elementos conjunturais (a expansão do nacionalismo como movimento de opinião pública, a defesa da Constituição e das instituições) e relevar um elemento mais ligado ao “estrutural”, bem presente naquele tempo: os grupos nacional-populares que se referenciavam (dizendo ao modo da época) pela chamada burguesia nacional. Alijados então do aparelho do Estado, no desdobramento de 1954-55, aos olhos dos comunistas, tais grupos políticos seriam importantes ao encaminhamento das reformas capitalistas, agora em um tempo democrático em que se havia constituído um governo eleito (JK) de composição heterogênea (com ala entreguista e quadros nacionalistas).

No seu excurso elaborativo, Guedes não movimentava uma interpretação da formação social, como Caio Prado, mas firmava ponto de vista alternativo ao dogmatismo, com o qual pensava metas viáveis ao agir consciente dos protagonistas viventes na circunstância (PCB, setores ativos da frente única). Dizia assim em seu texto de 1957: “O dogmatismo no seio do PCB impediu-nos de refletir, no pensamento político, a realidade do país”. Ao projetar tendências que divisava a partir da sua leitura do nexo 1954-55 buscando extrair coordenadas de ação para que seu partido aspirasse a uma existência real e contribuir com as “reformas estruturais” daquele tempo, Guedes termina sendo o autor que mais se aventura a perfilar uma imagem de como se concretizaria a “revolução brasileira”.
"

(Raimundo Santos. "Teoria e prática no nosso marxismo político (antecedentes do campo da “revolução passiva”). In: Interpretações, Estudos Rurais e Política – Roberto José Moreira e Regina Bruno, Orgs., editoras Mauad e Universidade Rural do Rio de Janeiro, 2010.)

A chegada da república no sertão:: Luiz Werneck Vianna

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Não há registro de partidos ou sindicatos no Alemão

Mais alguns dias e começamos nova década e um novo governo, que não deve ser igual àquele que está passando, queiram ou não os principais envolvidos na passagem do bastão presidencial de Lula a Dilma. Os ecos da crise financeira de 2008 ainda ressoam por toda parte, e teme-se uma recidiva. O neoliberalismo, que confiou no protagonismo dos fatos e apostou na desregulação do mercado, na crença de que ele conheceria mecanismos automáticos de correção de desajustes, é, ao menos por ora, uma página virada na agenda do mundo. Em uma palavra, retorna-se a Keynes e ao ideal de um capitalismo organizado, em que política e economia voltam a se encontrar como dimensões interativas.

A globalização, é claro, segue seu curso, mas, a essa altura, sob a desconfiada vigilância de todos os envolvidos que se empenham em higienizar seus sistemas financeiros, racionalizando as suas operações. Sob risco, as economias nacionais passam a depender do tirocínio e de uma intervenção perita das agências especializadas dos seus Estados no sentido de dirimir o impacto da crise, enquanto sondam as possibilidades para os caminhos que levem a uma recuperação. A necessidade da cooperação, tanto no plano nacional quanto no internacional, tem exposto o mundo sistêmico a uma inédita influência das instituições republicanas sobre o seu comportamento.

O governo Dilma nasce, portanto, em um cenário descrente em surtos de modernização, e já não se ouve falar das virtudes do estilo de governar do nacional-desenvolvimentismo, que dominou o discurso de campanha da então candidata. A aceleração do desenvolvimento por políticas de crédito fácil e de uma diversificada e potente ação do Estado no domínio econômico, até ontem um objetivo a ser perseguido, nesse novo cenário é percebida como um lugar de riscos. Há, como se diz, armadilhas na rota do crescimento, e, para evitá-las, até vale o recurso ao ajuste fiscal, antes demonizado.

Não à toa, nas entrevistas dos quadros já identificados como responsáveis pela condução da economia no futuro governo, o lema adotado é o da "administração prudencial" do seu curso, dicção própria ao discurso da social-democracia, avessa àquela do nacional-desenvolvimentismo, que guarda em sua gramática uma concepção fáustica sobre as promessas da expansão das forças produtivas, que não deveria temer, entre outros espantalhos, um certo quantum de inflação.

Como notório, não se chegou a essa mudança por uma operação meramente mental. Foram os fatos - a crise de 2008 - que forçaram o ator a buscar novos paradigmas, a ponto do presidente Lula não se reconhecer na figura do ainda seu ministro Mantega, que, indicado para continuar sua gestão no ministério da Fazenda do governo Dilma, já fala no novo idioma que passará a imperar. Em outro plano, no da sociedade, por uma combinação também errática dos fatos, mas, no caso, afortunada, nota-se a emergência da tópica republicana como o repertório mais adequado para emancipar os territórios das favelas cariocas do domínio exercido sobre elas pelas diferentes facções de narcotraficantes.

Decerto que, desde a criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), os germes de uma nova política estavam presentes, cujas origens mais remotas provinham do programa Favela-Bairro, adotado nos anos 1990. Tal programa se fundava no diagnóstico que, na raiz dos males da sociedade carioca, posta em evidência pelo controle territorial e de populações das classes subalternas exercido pelo crime organizado, estava uma certa configuração do Rio de Janeiro como "cidade escassa", na forma do conceito formulado pela socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho, de algum modo apropriado, em seu primeiro mandato, pelo prefeito Cesar Maia. Tal diagnóstico se assentava no reconhecimento de que era a falta do Estado e de suas instituições republicanas no mundo popular, especialmente nas favelas, a causa mais funda do "malaise" carioca.

Por vários motivos, a política do Favela-Bairro não prosperou, inclusive pelo fato de que não se enfrentou o tema decisivo da libertação dos territórios ocupados pelas bandas de narcotraficantes, em que se infiltrava um novo e insidioso perigo com a organização das chamadas "milícias", compostas pela banda podre do aparelho policial, que descobrem o caminho eleitoral como recurso de proteção às suas atividades. Coube ao secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Maria Beltrame, a fixação do objetivo estratégico da conquista territorial por parte do Estado das zonas sob a ocupação das facções criminosas, a partir da inovação institucional das UPPs.

No plano, o objetivo era o de libertar primeiro as comunidades menos problemáticas, em uma expansão gradual das UPPs, que poderia levar anos até compreender o universo visado. E assim seria não fosse a reação desastrada dos chefes das facções dos narcotraficantes, que recorreram a atos de terrorismo na tentativa de impor um recuo às forças do Estado. O episódio não deixou alternativa às forças da segurança estaduais se não a de recorrer ao governo federal a fim de mobilizar a presença das Forças Armadas. Com ela, efetivou-se a conquista policial-militar do complexo do Alemão, núcleo principal dos narcotraficantes, logradouro habitado por mais de 400 mil pessoas.

Conquistá-lo, porém, para a cidade é tarefa que mal se inicia. Um bom começo está no convênio, há pouco celebrado, entre autoridades do judiciário federal e estadual, do ministério da Justiça e do governo estadual, no sentido de implantar nos territórios resgatados para a cidadania as agências de defesa e promoção dos seus direitos. Animar e proteger a vida mercantil nessas comunidades é outro ponto obrigatório na agenda de ampliação da cidade para um lugar que antes foi apenas um sertão dominado pela lei do mais forte, ou bandido ou policial. A república, quer na dimensão macrossocial, quer na micro, nos tem chegado por imprevistos, mas já passou da hora a entrada em cena do ator.

Em tempo: no complexo do Alemão não há registro da presença dos partidos políticos, nem dos sindicatos. Em Palermo, cidade que viveu sob o terror da máfia, havia.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iesp-Uerj. Ex-presidente da Anpocs, integra seu comitê institucional. Escreve às segundas-feiras

Do petismo ao lulismo:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O Lula que emerge dessa seleção de colunas é mais coerente do que se possa imaginar , embora incoerente como que defendia no passado.A incoerência mais marcante foi a manutenção da política econômica do seu antecessor , o inimigo cordial Fernando Henrique Cardoso, decisão corajosa de Lula com a ajuda do destino, quase um pleonasmo em se tratando da sua carreira.

Fora a questão econômica, de cuja manutenção das linhas básicas se convenceugraças a Palocci, que por sua vez se convencera depois de várias conversas com membros do primeiro escalão do governo anterior, especialmente o então presidente do Banco Central, Armínio Fraga, o desenho do que seria o governo Lula desde os primeiros movimentos foi riscado com tintas mais leves no primeiro mandato, e com pinceladas mais fortes no segundo. (...) A posse, em janeiro de 2003, foi uma amostra do que seria a política externa brasileira, mais voltada para a América Latina epara as relações Sul-Sul.

Lula referiu-se aos Estados Unidos apenas uma vez no seu discurso e colocou o representante do governo americano, Robert Zoelick, a quem chamara de “sub do sub do sub”, em lugar secundário no palanque oficial, superado no cerimonial por líde-res terceiro-mundistas como Fidel Castro e Hugo Chávez.

O tom antiamericano que hoje predomina na nossa política externa foi aumentando com o passar dos anos, o que não impediu que Lula se desse bem com o mais direitista dos recentes presidentes dos Estados Unidos, GeorgeW. Bush, e chegasse a ser apontado por Barack Obama, em 2009, como o seu preferido entre os dirigentes mundiais.

(...) Com o tom esquerdista da política externa aumentando coma crise em Honduras e a acolhida a Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã que o mundo tentava isolar para que desistisse de seu programa nuclear, o prestígio pessoal de Lula decaiu.

Ele, que chegara ao final do ano sendo considerado o líder mais destacado do mundo por jornais do peso do “Le Monde”, da França, e o “El País”, da Espanha, e com o Financial Times” colocando-entre as personalidades que mais influenciaram a década, começou a receber críticas no início de 2010, especialmente depois que tentou em sucesso intermediar a paz no Oriente Médio e uma negociação, junto com a Turquia, sobre o programa nuclear do Irã, acordo rejeitado ela maioria do Conselho de Segurança da ONU.

Ilusionista, camaleônico, Lula- conseguiu internamente convencer boa parte dos ricos de que era o único a poder controlar a revolta dos despossuídos, o mesmo tempo em que lhes permitiu lucros extraordinários; e deu a sensação aos despossuídos de que estava no o poder em seu nome, e ao mesmo tempo, com programas sociais assistencialistas como o bolsa Família e o aumento do salário mínimo, deu-lhes a impressão de que pela primeira vez alguém olhava por eles.

Suas políticas de transferência de renda, embora não tenham alterado estruturalmente a sociedade brasileira, tiraram milhões de cidadãos da miséria e fortaleceram a classe média, que passou a incluir a maioria da população. Da mesma forma, no plano internacional, Lula conseguiu convencer o Primeiro Mundo de que era o único a poder controlar os líderes esquerdistas autoritários, quase ditatoriais, que foram sendo eleitos na América Latina, ao mesmo tempo em que, na região em que o Brasil é um líder natural, convenceu seus “companheiros” de esquerda de que era um deles a enfrentar os “louros de olhos azuis”. Já se disse que o líder populista se diferencia do estadista porque o primeiro pensa na próxima eleição, enquanto o outro pensa na próxima geração.

Lula definitivamente não é um estadista, tem uma visão de curto prazo que supera suas preocupações com o futuro, exceto quando se trata de si mesmo.

Apesar de, na retórica, apresentar-se como o grande estadista que o país jamais teve. (...)

Desde o início do primeiro mandato de seu governo, tenta controlar os meios de comunicação, seja através de um Conselho Nacional de Jornalismo, proposta que não vingou devido à forte reação da sociedade e que hoje está de volta através de sugestões da Conferência Nacional de Comunicação.

(...) O episódio do mensalão foi o ponto de inflexão de seu governo. Até aquele momento, em 2005, o governo Lula era “um governo que não roubava nem deixava roubar”, na definição do então ministro-chefe do Gabinete Civil, José Dirceu, depois identificado pelo procurador-geral da República como o chefe de uma quadrilha que, de dentro do Palácio do Planalto, organizou a compra de partidos políticos inteiros para dar apoio ao governo no Congresso.

(...) A oposição, na definição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não tinha“gosto de sangue” na boca e temeu a ameaça de que os chamados “movimentos sociais” sairiam à rua para defender o mandato do presidente Lula. O próprio Fernando Henri-que dizia que não era inteligente criar “um Getulio vivo”, referindo-se ao episódio do suicídio de Getulio Vargas, que reverteu o estado de espírito da população a favor do presidente morto.

Lula reverteu a percepção do povo brasileiro de maneira espetacular sem precisar de gestos extremos.

O Lula hoje entrando no seu último ano de mandato expandido é um político em permanente ascensão popular ,com uma votação que vai mudando territorialmente ao longo do tempo, até se transformar no principal líder da esquerda brasileira. Lula sempre foi maior do que o PT, e principalmente ao longo de seu segundo governo foi gradativamente se afastando do partido que fundou e ganhando dimensões de líder populista dos maiores que o Brasil já teve. O lulismo passou a ser uma força política baseada nos programas assistencialistas, na classe média ascendente e no carisma de Lula, que passou a ter oPT apenas como instrumento de sua vontade.

(Trechos do prefácio do livro “O lulismo no poder”, lançado em setembro deste ano pela Editora Record)

Quando a administração pública vira espetáculo:: Marco Antonio Villa

DEU EM O GLOBO

‘Pulo do gato’ foi buscar apoio eleitoral nos setores desorganizados, nos menos escolarizados e com renda inferior a um salário mínimo

Não é tarefa fácil fazer um balanço dos dois mandatos presidenciais de Lula. Como é sabido, ele elegeu a sucessora e sai do governo com alto índice de popularidade.

Remar contra a corrente não é tradição no Brasil. O “adesismo analítico” é uma característica nacional, infelizmente. E mais ainda agora, pela forma como o presidente se portou durante os últimos oito anos. Lula criou um novo estilo de comunicação presidencial. Na nossa história republicana não há paralelo. Substituiu a rotina administrativa com eventuais manifestações públicas, típicas dos presidentes anteriores, por aparições constantes, sempre em clima de comício, buscando incessantemente o contato com os eleitores. Nestes momentos — e foram centenas durante os últimos oito anos — discursava de improviso, tecia considerações sobre os mais variados temas, atacava seus opositores e estabelecia um vínculo direto com o povo.

Não era com o governo, com um programa, um partido. Não. Era com ele. Nestas cerimônias — a maioria delas, mero pretexto para discursar — o transformou no maior propagandista do seu próprio governo. Mas não só: o reforço constante deste tipo de elo — o presidente e os eleitores — despolitizou a política, empobreceu o debate e fortaleceu o personalismo, tão nocivo à democracia, especialmente em um país em que as instituições democráticas e a cultura política são ainda frágeis.

Com raro poder de convencimento e habilidade no trato com os grandes auditórios — herança advinda dos tempos do sindicalismo —, Lula transformou a administração pública em espetáculo. E obteve êxito. Todas as denúncias — e não foram poucas — de corrupção, filhotismo e tráfico de influência caíram no esquecimento ou, no máximo, atingiram alguns dos seus auxiliares.

Ele saiu ileso. A complacência do presidente banalizou a corrupção, desmoralizou as CPIs e legitimou o saque do Estado.

Lula deu nova vida às oligarquias.

Justamente ele que, durante tantos anos, dizia representar o novo. Fez alianças com o que havia de mais atrasado na vida política nacional.

E não só: obrigou o seu partido a estabelecer acordos locais com os velhos oligarcas, alguns deles — caso de Sarney, no Maranhão — adversários viscerais dos petistas.

Desta forma, desarquivou das estantes empoeiradas da História o mandão local, concedeu legitimidade ao seu perverso domínio e desarticulou os movimentos antioligárquicos. Esta é uma das mais pérfidas heranças deixadas por Lula.

Nestes oito anos, o processo de acumulação capitalista foi intensificado.

Seguindo o ritmo histórico brasileiro, o Estado continuou sendo o grande indutor da expansão econômica, assim como foi durante o Estado Novo, o populismo e a ditadura militar. E como o setor privado não consegue acumular e crescer com suas próprias pernas, mais uma vez o Estado esteve presente.

Porém, ocorreram modificações importantes.

O BNDES jogou um papel fundamental, assim como os fundos de pensão das empresas estatais. O governo Lula criou uma burguesia petista. Fabricou milionários instantâneos, forjou gênios empresariais e transformou empreendimentos regionais em empresas mundiais.

Nem durante a ditadura, a grande burguesia teve apoio tão amplo e duradouro do Estado.

Se para o grande capital foram transferidos recursos, quase que a fundo perdido, para a classe média (no sentido mais amplo) foi ampliado o crédito em escala nunca vista, criando, por exemplo, no setor imobiliário uma bolha que pode estourar nos próximos anos, dependendo do que ocorrer na instável economia internacional. O endividamento das famílias aumentou numa escala superior à do crescimento da renda. O consumismo associado a uma taxa de câmbio sobrevalorizada levou amplos setores das classes médias a “lular”. Numa escolha racional tupiniquim, optaram por fechar os olhos frente a crise ética e valorizar os ganhos econômicos, atitude parecida ao momento do milagre brasileiro (1968-1973), durante a ditadura.

Para os setores organizados, tanto urbanos como rurais, o governo obteve, através da cooptação das lideranças, a tão almejada “paz social”.

Foram anos de tranquilidade no campo da luta de classes. As centrais sindicais foram domadas sem muito esforço. Bastou repassar milhões de reais — que foram descontados dos salários dos trabalhadores, como contribuição obrigatória — para os seus dirigentes. Aos barões do sindicalismo foram reservados também centenas de nomeações no Ministério do Trabalho, no Sebrae e no Sesi. No campo, o MST recebeu generosas dotações oficiais e até esqueceu que o governo Lula distribuiu menos terras que o “neoliberal” FHC. As mutações ideológicas chegaram até aos partidos que estariam à esquerda do PT, como o PCdoB. O antigo partido do socialismo foi seduzido pelos recursos destinados ao Ministério dos Esportes e acabou se transformando no partido do lazer. Trocou como leitura de cabeceira Karl Marx por Paul Lafargue.

Mas o pulo do gato foi buscar apoio eleitoral nos setores desorganizados, onde o PT era muito frágil, entre os menos escolarizados e com renda inferior a um salário mínimo. Sem vontade própria ou poder de mobilização, os beneficiários do Bolsa Família transformaram- se naquilo que todo governo conservador almeja: são fiéis e obedientes eleitores do oficialismo.

Temeroso ao extremo, Lula fez uma pálida gestão econômica. Sem a mínima ousadia, buscou resultados seguros e imediatos, sem nenhuma visão estratégica. Não foi um estadista. Longe disso. Assemelhou- se a um presidente da República Velha. Priorizou o setor primário da economia e desindustrializou o país. Soldou uma estranha aliança econômica entre o capital financeiro e o setor exportador.

O conservadorismo político-econômico também esteve presente na política externa. As causas democráticas e humanistas foram abandonadas.

O Brasil alinhou-se com ditaduras stalinistas, caudilhos passadistas e teocracias. Nas disputas internacionais, o país perdeu todas.

Por paradoxal que pareça, Lula considerou uma vitória a sucessão de derrotas. No campo social, o avanço foi pequeno.

Na educação, continuamos com milhões de analfabetos adultos e com um ensino fundamental formando alunos que desconhecem a língua portuguesa e as quatro operações matemáticas. Contudo, para agradar a suas bases políticas, criou várias universidades públicas. Os programas de habitação popular nunca atingiram as metas previstas.

O saneamento básico apresenta um quadro dantesco. Os programas de erradicação da pobreza fracassaram.

Mesmo assim, foram nas regiões mais miseráveis que a popularidade de Lula atingiu os índices mais altos. Isto mostra a eficácia, por um lado, do Bolsa Família, e, por outro, da capacidade de comunicação e de construção de um discurso político por parte do presidente. E mais: demonstra a ausência nos últimos oito anos de uma oposição atuante, crítica e propositiva.

É provável que este quadro não se repita no próximo quadriênio presidencial.

Uma política de contemporização das contradições sociais e econômicas não permanece eficaz por longo tempo. Além do que, o gestor presidencial precisa ter legitimidade política, que é produto de uma história pessoal, e uma capacidade de equilibrar e conviver com tensões e pressões cotidianas. Mas não só: o cenário econômico internacional apresenta uma séria possibilidade de crises intermitentes, e, internamente, dado o conservadorismo, temos uma base econômica frágil.

Marco Antonio Villa é historiador e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos.

O paradoxo Lula: Fenômeno político, governo modesto:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Truques dos números oficiais e carisma do presidente inflam desempenho econômico de gestão que aumentou gastos e investiu menos do que diz

Na economia, o mito Lula não se sustenta em fatos.

Ele é um bem-sucedido resultado da repetição diária de uma versão triunfalista e de truques numéricos. Em 2010, o país teve o maior crescimento em 25 anos; mas em parte porque em 2009 caiu 0,6%, a pior recessão desde 1990.

O presidente termina o mandato com mais de 80% de popularidade, mas em outubro de 2005 apenas 31% diziam que o governo era bom ou ótimo. No primeiro ano, Lula aumentou o superávit primário; nos últimos anos, promoveu uma orgia de gastos. Consolidou um amplo programa de transferência de renda aos pobres, e fez forte doação de recursos públicos aos ricos.

Atingiu a menor taxa de desmatamento, mas fincou várias estacas no coração da Amazônia. Quem vê só a cena final, não entende o filme.

Quando lançou o primeiro PAC, em 2007, o governo disse que seriam investidos mais de R$ 600 bilhões, mas investiu menos de 1% do PIB por ano, em média. É preciso paciência para separar a fanfarra dos fatos. Apenas 9% do total é investimento público federal.

Mas o governo põe no mesmo pacote investimentos de estatais, contrapartidas estaduais, projetos privados e até o esforço das famílias. Quem pegou um empréstimo no banco e comprou um imóvel, novo ou usado, ou reformou a casa entrou na conta do PAC.

Aliás, se somar todo o investimento em logística — rodovias, portos, aeroportos — e mais os de energia — incluindo- se petróleo — dá menos do que o total de financiamentos para compra ou reforma de casa. A propósito: apenas 0,2% é de casa popular.

Aquele apartamento que você comprou com seu esforço e pagará, com juros, por 20 anos, o governo Lula incluiu hoje como ação concluída no balanço do PAC. Os financiamentos imobiliários, mesmo junto aos bancos privados, são 48% do PAC. É óbvio que dívidas das famílias não são investimento público. Para confundir mais, o governo muda o cronograma das ações para que elas não apareçam como atrasadas. Dá muito trabalho descobrir o truque embutido em cada número do governo Lula. A verdade está em estatísticas como as do IBGE que mostram que, em saneamento, subiram de 56% para 59% os domicílios com acesso a redes de esgoto. Apenas isso.

Não houve a revolução de investimento público que a propaganda diz.

Os gastos de pessoal, previdência e custeio aumentaram sempre acima do PIB, e são a pior herança que o presidente Lula deixa para a sucessora. O gasto não financeiro total da União aumentou 145% entre 2002 e 2009. O número de funcionários civis e militares aumentou em 155 mil. Só de DAS foram 3.200 a mais. De cargos em comissão e funções gratificadas foram 15 mil a mais. Criou 10 ministérios ou secretárias com status de ministério.

O governo inchou e aparelhou a máquina.

A carga tributária subiu três pontos percentuais do PIB. E o país continua tendo déficit nominal.

A projeção do Brasil no exterior se ampliou com a diplomacia presidencial, mas o país entrou em frias como a do apoio ao projeto nuclear do Irã.

Sacrificou princípios por uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, que não conseguiu.

No governo Lula foram desmatados 125 mil km² de floresta amazônica. Isso equivale a uma área 82 vezes maior que a cidade de São Paulo, ou ao território de Portugal e Bélgica somados. É 18% menos do que o total desmatado no governo anterior, mas o risco é o rumo mudar porque foram lançadas obras que levam o eixo do desmatamento para cada vez mais dentro da floresta, como a hidrelétrica de Belo Monte e a BR 319, de Manaus a Porto Velho.

O consumo em alta explica grande parte do mito Lula. As compras cresceram porque a estabilidade foi mantida, a oferta de crédito dobrou, o salário mínimo aumentou 54% em termos reais.

Além disso houve o Bolsa Família.

Milhões de brasileiros entraram no mercado de consumo, mas o marco inicial do processo de retirada de pessoas da pobreza e formação do mercado do consumo de massas foi o Plano Real. Naquela época, o total de pobres caiu de 47% para 38%. No governo Lula, caiu para 25%.

O Fome Zero foi abandonado em favor do Bolsa Família, uma tecnologia mais atualizada, testada pelo Bolsa Escola no Brasil e em programas similares no México. Teve o mérito de unificar projetos anteriores, melhorar o cadastro dos pobres e ampliar a rede de proteção social.
Mas a política exige correção urgente. Das suas distorções, a pior é a de apresentar o benefício como concessão de um líder paternalista, em vez de ser o direito do cidadão. A queda do desemprego é um dos grandes ganhos, mas o desemprego entre jovens de 18 a 24 anos ainda está na espantosa marca dos 14%. Na última PNAD, 41% dos trabalhadores ainda estavam na informalidade.

O mundo ajudou nos primeiros cinco anos, quando houve o melhor momento recente da economia mundial.

De 2003 a 2007, o mundo cresceu de forma acelerada, o fluxo de capitais para os países emergentes teve um salto exponencial, o comércio internacional dobrou e os preços dos produtos que o Brasil exporta explodiram.

O Banco Central acumulou reservas.

Isso foi fundamental para enfrentar a crise mundial que explodiu em 2008. Mas 2010 termina com um déficit em transações correntes de US$ 50 bilhões. Nos primeiros anos o Brasil cresceu menos que o mundo. Nos oito anos, cresceu menos que a América Latina e os países emergentes. Os juros eram — e ainda são — os mais altos do mundo.

O tamanho do Estado na economia voltou a crescer, e a ideia de agências reguladoras independentes foi destruída.

Não houve uma única boa reforma no atual governo. A da previdência dos funcionários do setor público foi uma grande batalha inicial. O governo Lula conseguiu aprová-la, em batalhas duras.

No final, foi muito barulho por nada.

A reforma jamais foi regulamentada, e o país voltou à estaca zero.

Só uma vez antes na História deste país houve tanta transferência de dinheiro público para grandes empresas: no governo militar. O BNDES recebeu um reforço de R$ 200 bilhões diretamente do Tesouro para emprestar às empresas. Um dinheiro que custa ao governo o dobro do que ele cobra dos grandes tomadores. A diferença de taxas é doação aos ricos.

O BNDES fez escolhas polêmicas: financiou a concentração empresarial, a compra de uma empresa por outra, sem nenhum ganho para o país ou o consumidor, nem um único novo emprego gerado. Algumas eram empresas familiares. Há desastres maiores: o banco comprou ações e emprestou dinheiro para o frigorífico Independência, que quebrou logo após receber o dinheiro. As estatais e os fundos de pensão de estatais entraram de sócios para estatizar o risco em projetos perigosos como as hidrelétricas da Amazônia, entre elas, Belo Monte. No projeto do Trem Bala está escrito que, além do dinheiro barato, haverá R$ 5 bilhões de doação para o grupo vencedor caso haja menos passageiros do que o previsto.

Lula, o metalúrgico, foi um líder de mobilização na Presidência. Usou todo o seu carisma e capacidade de comunicação para garantir o apoio ao seu governo num arco que atravessou classes sociais. Lula, o presidente, se entregou incessantemente ao esforço de autolouvação e de negação de qualquer mérito em governos anteriores. Teve sucesso impressionante em obscurecer os fatos. A História permitirá que se veja o governo Lula com seus méritos e defeitos.
Ele manteve as conquistas da estabilidade da moeda, ampliou o consumo e estruturou melhor a rede de apoio social. Aprofundou o aparelhamento e o uso da máquina pública para atender a interesses partidários e pessoais e capturou os movimentos sociais, tornando-os dependentes do dinheiro público. Fortaleceu o novo Brasil que nasceu no Real, mas preservou a sombra do velho Brasil.

Lulismo é fenômeno político recente e polêmico::Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O lulismo é um fenômeno recente. Mais novo que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2002, quando ele se elegeu pela primeira vez, houve, na Folha, apenas quatro menções à expressão "lulismo" nas páginas do jornal. Em 2006, ano da reeleição, a palavra foi escrita 55 vezes. No ano passado, ela apareceu em 65 ocasiões. Neste ano, outras 128 até o final de novembro.

O lulismo está relacionado à consagração popular do presidente no segundo mandato. Mas vai além dela. Há quem o veja como sintoma de uma regressão política. Há quem o compare, a partir da empatia e do vínculo direto com as massas, ao getulismo -Vargas era o "pai do pobres". Isso aproximaria o lulismo da tradição populista.

Há, no entanto, quem discorde tanto da aproximação com Getúlio como do enquadramento populista. O significado político e o legado histórico do lulismo estão abertos e em disputa.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sociólogo de formação, vê diferenças importantes entre Getúlio e Lula: "O Lula passou a se dirigir aos pobres, mais do que aos trabalhadores organizados. Há nele um componente messiânico, um traço de Antonio Conselheiro, mais do que de Getúlio, que era um membro das elites dominantes e incorporou os trabalhadores à política por meio de sindicatos atrelados ao Estado, num contexto de expansão do emprego industrial".

Segundo FHC, "classe social" é uma categoria que "não entra na cabeça" de Lula: "O negócio dele é a mesa onde exercita a conciliação geral das classes. Para ele, todo mundo é companheiro".

O cientista político Cláudio Gonçalves Couto, professor da FGV-SP, recusa a caracterização de Lula como político populista. Diz que o populismo não se define pelo apego à demagogia nem apenas pela liderança carismática: "A marca distintiva do populismo é o seu anti-institucionalismo. E Getúlio governou, de fato, por cima das instituições, destruindo várias e criando outras tantas, que formaram o arcabouço do Estado moderno e da burocracia pública brasileira".

Lula, lembra Couto, cometeu pecadilhos, como afrontar a legislação eleitoral, mas "nunca colocou sua liderança pessoal acima e à frente das instituições".

A discussão sobre o lulismo foi levada a um novo patamar pelo cientista político André Singer. Porta-voz de Lula no primeiro mandato e hoje professor da USP, ele publicou no final de 2009, na revista "Novos Estudos", do Cebrap, o ensaio "Raízes Sociais e Ideológicas do Lulismo", que logo ficou famoso.

Ali, identifica, durante a campanha de 2006, um deslocamento do eleitorado de baixíssima renda na direção de Lula, ao mesmo tempo em que setores das classes médias, historicamente simpáticos ao PT, dele se afastavam, impactados pelo escândalo do mensalão, que eclodiu em meados de 2005.

São dois, portanto, os fenômenos do que Singer chama de realinhamento eleitoral: a mudança da base social que vota em Lula e a desconexão, em 2006, entre as bases do lulismo e do petismo.

Se é verdade que o presidente, "só depois de assumir o governo, obteve a adesão do segmento de classe que buscava desde 1989" (quando Collor conquistou os "descamisados"), parece menos conclusiva a tese de que Lula e PT representam hoje segmentos sociais distintos.

Couto concorda com a análise de Singer, mas acredita que as bases do lulismo e do petismo tendem a se aproximar e mesmo a se confundir: "Isso em parte já aconteceu agora, na eleição de Dilma. E é o petismo que vai ser avaliado daqui em diante".

O lulismo, de qualquer forma, surge em 2006 sob os escombros do mensalão, que dizimou a cúpula do PT, lastreado no povão, como expressão política do que o economista Marcelo Neri, da FGV-RJ, chamou de "Real de Lula" -ou seja, a redução em torno de 20% das pessoas abaixo da linha da pobreza entre 2003-2005, índice semelhante ao obtido por FHC nos primeiros anos do Real.

As políticas de inclusão social (Bolsa Família, aumento do salário mínimo e expansão do crédito, além do avanço do emprego formal) convivem, sob Lula, com a defesa ortodoxa da estabilidade econômica, plataforma até então estranha ao PT. O lulismo, diz Singer, "uniu bandeiras que pareciam não combinar" ao "combater a desigualdade dentro da ordem".

Esse amálgama é o pulo do gato de Lula e corresponde, segundo o autor, a "nada menos que um completo programa de classe", a partir da construção de "uma substantiva política de promoção do mercado interno voltada aos menos favorecidos".

É claro que essa nova base social "lulista" se soma a setores organizados historicamente ligados ao PT, como o MST e as centrais sindicais, cooptados pelo governo pela transferência de recursos públicos em escala inédita.

Singer, em grande medida, escreve contra o diagnóstico de Francisco de Oliveira, sociólogo que se desligou do PT ainda no primeiro mandato e para quem o "lulismo é uma regressão política, a vanguarda do atraso e o atraso da vanguarda".

Em 2007, num artigo chamado "Hegemonia às Avessas", ele escreve que Lula "despolitiza a questão da pobreza e da desigualdade" e "funcionaliza a pobreza", transformando-as "em problema de administração".

Segundo Oliveira, o lulismo "não é nada parecido com qualquer das práticas de dominação exercidas ao longo da existência do Brasil", o que o tornaria especialmente nocivo para a esquerda.

Essa é uma visão que foi amplamente derrotada. Nas palavras de Cláudio Couto, "o maior legado do lulismo é um novo regime de políticas públicas voltadas à redução da pobreza".

Talvez fosse preciso acrescentar: e tê-lo feito sem contrariar os interesses dos mais ricos.

Diplomacia, sigilo, vazamentos :: Celso Lafer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Suscita múltiplas indagações a divulgação de mais de 250 mil telegramas diplomáticos dos EUA pelo WikiLeaks. Capitaneada pelo australiano Julian Assange, a organização objetiva combater, pela publicidade, más condutas governamentais de variável gravidade - da hipocrisia a crimes de guerra. Entre as muitas perguntas que cabe fazer a propósito desse caudaloso vazamento, menciono: é possível preservar o sigilo na era da revolução digital? Numa democracia existem limites aceitáveis à instantaneidade da transparência da conduta governamental? Qual é hoje o papel do sigilo na vida diplomática?

A possibilidade de resistir ao devassamento da vida privada, de preservar o sigilo de dados bancários e fiscais, de manter o segredo profissional e o sigilo de comunicações diplomáticas se viu significativamente reduzida pela tecnologia. Esta, com as inovações da revolução digital, ampliou enormemente a facilidade do acesso a documentos, a escala do seu armazenamento e a ubiquidade do potencial de sua divulgação por meio da internet. A manipulação clandestina de arquivos com suporte no papel era e é muito mais difícil do que a manipulação de arquivos de computador. Senhas e os múltiplos mecanismos de defesa, inclusive a encriptagem, voltados para preservar a intangibilidade dos arquivos de computador, enfrentam diariamente tanto os riscos de manipulação clandestina por seus usuários autorizados (que foi a base dos vazamentos do WikiLeaks) quanto a competência dos hackers. Esta é uma realidade tecnológica do século 21 que põe em questão a possibilidade do sigilo, mesmo em esferas em que é legalmente tutelado.

Numa democracia, no conceito do público, convergem tanto o que é do interesse da res publica quanto o que é acessível ao conhecimento de todos. O exercício em público do poder comum é uma das "regras do jogo" da democracia, pois a transparência dá à cidadania a possibilidade de avaliar e controlar as decisões dos governantes, inclusive em matéria de política externa.

A batalha em prol da transparência do poder integra a agenda de combate ao Estado absolutista e ao segredo como componente do exercício do poder. Está ligada à afirmação que fez Kant, no Projeto da Paz Perpétua, sobre a publicidade como critério de julgar a moralidade e a crítica ao realismo político da razão de Estado que, para dominar, oculta informações. Neste encobrir se escondem tanto segredos - que podem ter a dimensão do aceitável - como mentiras.

A temática do acesso aos documentos contidos nos arquivos públicos é, assim, inerente aos regimes democráticos, pois informações disponíveis indefinidamente apenas para um limitado número de governantes não cabem numa democracia. Nesta, a publicidade e o acesso são a regra, que comporta certas derrogações que tornam o acesso pleno só possível depois do transcurso de um certo período de tempo. Essas exceções permitem qualificar como documentos originariamente sigilosos os que são imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado, para usar a linguagem da Constituição de 1988.

Naturalmente a classificação de documentos como sigilosos e sua subsequente desclassificação devem obedecer a critérios de razoabilidade e prudência, ligados ao interesse comum. Esses critérios sempre comportam uma margem de apreciação discricionária do poder público, que podem ser discutíveis na perspectiva da cidadania e do jornalismo investigativo de qualidade, cabendo ressaltar que hoje os guardados sigilosos nas arcas do Estado estão em arquivos de computadores, muito vulneráveis ao devassamento por obra da revolução digital e da ação dos internautas. É nessa moldura que cabe analisar o papel do sigilo na vida diplomática e o que significa o fenômeno WikiLeaks.

A diplomacia tem sua raiz na necessidade dos Estados e suas sociedades de se comunicarem e interagirem de maneira institucionalmente organizada. Tem hoje a complexidade que provém da dinâmica de um mundo globalizado, interdependente e heterogêneo, e de uma pauta que vai da paz, da guerra, da segurança, dos direitos humanos à cooperação financeira e à sustentabilidade ambiental. Tem os componentes de uma diplomacia aberta, advogada por Wilson no final da 1.ª Guerra, e os da diplomacia de combate político, com seus ingredientes de batalha ideológica, tão presentes, por exemplo, na guerra fria.

Se a diplomacia atual não é mais, como foi no passado, uma atividade preponderantemente sigilosa, convém que tenha facetas de uma atividade discreta, para o bom exercício de suas funções. Estas são basicamente a da representação do Estado, a da proteção dos seus interesses, incluído o dos seus nacionais no exterior, a negociação, a promoção econômica e cultural do país.

Todas essas funções requerem boa informação. Por isso o inteirar-se por todos os meios lícitos do que se passa num Estado ou numa organização internacional, para bem informar a sua Chancelaria, é da essência da atividade diplomática. Essa atividade de garimpagem deve ser discreta e seu resultado, transmitido por telegramas diplomáticos, comporta, para ser eficaz, uma certa liberdade de linguagem. Daí a frequente conveniência do sigilo, por um certo lapso de tempo, de muitas comunicações diplomáticas, para evitar constrangimentos e assegurar a uma missão diplomática a continuidade da sua essencial função de informar. É isso que, com boa-fé, justifica, numa democracia, a existência de certos limites à plena instantaneidade da transparência da atividade diplomática.

O grande mar de informações vazadas pelo WikiLeaks vem revelando condutas mais ou menos discutíveis. É, no entanto, e sobretudo, um precedente que, facilitado pela revolução digital, precariza a plenitude da atividade de informar, negociar e representar da função diplomática. Nem os seres humanos nem a atividade diplomática suportam, com facilidade, a instantaneidade diária das luzes da plena transparência.

Professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi Ministro das Relações Exteriores no governo FHC.

A fabricação de eras e enganos :: Alberto Dines

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O anunciado “fim da Era Lula” é fruto de uma confusão semântica entre época e mandato. Uma fase não se estabelece por decreto e antecipação, depende dos fatos que a marcaram e demarcaram. Os desdobramentos dos dois últimos governos ainda estão em curso, a história está sendo escrita, a Era Lula ainda não pode ser periodizada nem qualificada, é uma hipótese. Ou desejo.

A mesma pressa classificatória assume proporções delirantes nas avaliações sobre os efeitos do Tsunami WikiLeaks, o megavazamento de informes confidenciais do Departamento de Estado dos EUA pelo site da ONG criada pelo ciberativista australiano Julian Assange.

É assombroso o número de documentos secretos obtidos e divulgados pelo WikiLeaks (cerca de 250 mil), mas o derrame ainda não completou um mês, as peças que vieram a público continuam dispersas, fragmentadas, incompletas, muitas delas irrelevantes, meras curiosidades superadas pelo tempo. Prematuro, insensato e enganoso proclamar o início da Era da Transparência ou o fim do sistema tomando por base a badalação obtida pelas primeiras revelações do WikiLeaks.

A transparência prometida por Assange e sua legião de seguidores só conseguirá consumar-se no âmbito das relações diretas entre governantes de governados. O cidadão do mundo é um ideal a ser perseguido que só poderá efetivar-se quando houver um governo mundial.

A “revolução” produzida pelo WikiLeaks pode ser ilustrada e dimensionada através do informe divulgado nesta semana sobre as dramáticas decisões em seguida à hemorragia intestinal sofrida por Fidel Castro em meados de 2006. Segundo o documento americano, o dirigente cubano recusou a colostomia que o obrigaria a usar por tempo indeterminado uma bolsa externa para a coleta das fezes. O documento não revela que, posteriormente, Fidel resignou-se e hoje, passados quatro anos, recuperado, está livre do acessório cirúrgico e das roupas tipo jogging que usava para disfarçá-lo.

Este tipo de documento-bomba vai, porventura, revolucionar as relações internacionais ou alterar a secular comunicação entre as embaixadas no exterior e as chancelarias como alguns futuristas apregoam? Disparate, coisa de profeta desempregado.

A estratégia adotada pelo WikiLeaks para desovar seu explosivo arsenal de informes secretos segue uma estratégia puramente promocional, de modo a ampliar o “mercado” de veículos jornalísticos dispostos a ecoar pelo mundo afora seu esmerado sistema de vazamentos. Legítimo: a economia de mercado pressupõe o oferecimento contínuo de produtos nem sempre os mais necessários.

Imperioso reconhecer que o ativista Assange soube aproveitar com inteligência todas as facilidades do “sistema” que pretende destruir e atingiu seus objetivos num prazo recorde. A extraordinária notoriedade resulta, sobretudo, da onipotência americana que insiste em tratá-lo como um Bin Laden cibernético e oferece-lhe um upgrade que levará tempo para ser desfeito.

O que importa neste momento é gozar o espetáculo, mas evitar as tentações da história instantânea. E a etiquetagem definitiva. O processo de aferições nunca é óbvio e retilíneo, as surpresas são inevitáveis. O imponderável ainda conta em meio ao determinismo tecnológico.

Para saciar a sede de novidades, trepidação e modismos melhor degustar uma dieta rica em moderação. Dá mais prazer do que sorvê-la e logo esquecer.

» Alberto Dines é jornalista

Moacir, um patriota:: Mauro Santayana

DEU NO JORNAL DO BRASIL

A morte de Moacir Werneck ocorreu em meio às turbulências da repressão contra os donos ilegítimos do poder nos morros do Rio, e não foi devidamente registrada pelos jornais. Tive o privilégio de trabalhar com ele, quando o excepcional homem de imprensa chefiava a redação de Última Hora, no fim dos anos 50. Ele sobreviveu a uma equipe de grandes fazedores de jornal, como foram João Etchéverry, Octávio Malta e Samuel Wainer, o patrão, que gostava de se identificar como este repórter. Tendo nascido em 1915, foram de sua geração, além dos citados, Carlos Lacerda – seu primo e, a partir de certo momento, intransigente adversário ideológico e político – Jorge Amado, Osvaldo Peralva, Joel Silveira, Rubem Braga e tantos outros, que já se foram.

Há poucos meses fui visitá- lo. Ele, em companhia da leal, afetiva, inspiradora e vigilante Nenê – a uruguaia Glória Rodriguez – e da jornalista Rosa Freire Furtado, continuava o mesmo, com sua inteligência espiral. Visitava cada tempo histórico do mundo e do Brasil, como um topógrafo das ideias e dos homens que as criaram ou cultivaram.

Falou em Kant e em Lula; em seu outro primo, Nelson Werneck Sodré, em Celso Furtado, lembrou Carlos Lacerda e seus avoengos da nobreza fluminense. Recordou sua viagem à Europa – e à Alemanha – no momento em que se armava a borrasca do nazismo, em 1935, e descreveu o forte episódio da quase agressão sofrida por o terem visto como judeu. Salvaram- no sua presença de espírito e o bom conhecimento da língua alemã, que aprendera em Santa Catarina.

Essa viagem o marcou e confirmou sua opção pela esquerda, que assumira um ano antes, ao participar, com Aparicio Torelly, da redação do Jornal do Povo, de vida efêmera. A sua viagem já fora um compromisso, porque participou, em Paris, de um encontro mundial de jovens, contra o fascismo em ascensão. Moacir foi, durante os 75 anos seguintes, um combatente contra a intolerância e a injustiça. Veterano de muitas prisões, não titubeou em arriscar-se durante a ditadura militar, prestando corajosa solidariedade aos presos e perseguidos.

Entre os encontros que tivemos, depois de minha saída da Última Hora, recordo-me de noite marcante, na casa do embaixador Carlos Alfredo Bernardes, quando falamos, os três, sobre os nomes mais importantes da filosofia alemã do século 20, como Cassirer e Wittgenstein, mas também discutimos os problemas políticos dos anos 70, em que a ditadura militar parecia inamovível. O embaixador, que fora secretário-geral do Itamaraty, quando San Tiago Dantas ocupava a chancelaria, conduzia a conversa com sua conhecida verve, mas Moacir foi a grande estrela da noite.

Outra vez, em jantar na casa de nosso amigo comum, Fernando Gasparian, Moacir, de repente, lembrou que era o mais velho da roda, porque havia passado dos oitenta. E nós nos demos conta de que ele era o mais jovem de todos, com seu porte elegante, sua voz firme, suas ideias que formavam desenhos lógicos e brilhantes, como se fossem as pedras de um grande caleidoscópio.

E não lhe faltava otimismo com relação ao Brasil.

A geração de Moacir não foi apenas testemunha da história brasileira do século 20: ela conduziu, de suas trincheiras, o pensamento político nacional. O grupo, tenha participado diretamente ou não dos movimentos revolucionários dos anos 30, comandou a resistência intelectual contra o nazifascismo e sua expressão nacional, que foi o integralismo de Plínio Salgado. Hoje, parece ter sido tarefa fácil, mas não foi: grande parte da inteligência nacional se deixara fascinar pela retórica da extrema- direita. A única e decisiva diferença estava no humanismo solidário da esquerda, e no culto à liberdade de homens como Moacir Werneck de Castro, o jovem de 19 anos que acompanhou Aparicio Torelly na aventura de um jornalismo militante – e nessa trajetória se manteve até a morte.

Fortes emoções:: Ricardo Noblat

DEU EM O GLOBO

“Não creio que o PMDB vá dar trabalho (a Dilma) em votações, mas isso já seria falar sobre hipóteses.” (Michel Temer)

Na escalação do Ministério da presidente Dilma Rousseff, somente dois atores têm razões de fato para comemorar até agora: Lula, como seria previsível, e a direção do Partido Popular (PP). Lula segue emplacando ministros nas posições-chave do futuro governo. O PP conseguiu o ministério que queria e para alojar nele quem Dilma não queria.

Ministros nomeados por Lula: Antonio Palocci (Casa Civil), Gilberto Carvalho (Secretaria da Presidência), Guido Mantega (Fazenda), Paulo Bernardo (Comunicação), Míriam Belchior (Planejamento), Nelson Jobim (Defesa), Fernando Haddad (Educação), Carlos Lupi (Trabalho) e Edison Lobão (Minas e Energia).

Lula verá com alegria a transferência de Alexandre Padilha do Ministério de Relações Institucionais para o Ministério da Saúde. Como viu a manutenção no Ministério do Meio Ambiente de Izabella Teixeira e a volta ao Ministério dos Transportes do senador Alfredo Nascimento.

O suplente de Alfredo no Senado é companheiro de farras de Lula.

O PP não apoiou formalmente Dilma para presidente da República. Sua direção alegou que uma fatia do partido preferia a eleição de José Serra (PSDB). Mas o PP arrancou de Dilma o Ministério das Cidades. E mais: impôs a Dilma para o ministério um nome que ela deplora.

Dilma quis manter em Cidades o advogado Márcio Fortes, indicado para o cargo em 2005 pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PE) — sim, aquele forçado a renunciar ao mandato por ter recebido um mensalinho de R$ 10 mil de um concessionário de restaurantes.

O senador Francisco Dornelles, presidente do PP, foi a Dilma e disse: sinto muito, presidente, mas a senhora será obrigada a trocar Fortes por Mário Negromonte, deputado pelo PP da Bahia. Dilma sempre falou muito mal de Negromonte entre seus colegas de governo. A dama de ferro foi obrigada a engoli- lo por exigência do PP.

No seu primeiro mandato, Lula resistiu a lotear o governo.

Achou que dava para governar negociando aqui e ali a aprovação de projetos no Congresso. No que deu? Deu no mensalão — o pagamento de propinas para aprovação de projetos remetidos ao Congresso pelo governo.

No segundo mandato, Lula seguiu o conselho do seu ex-ministro José Dirceu, que caíra em desgraça por conta do mensalão. Chamou o PMDB e perguntou: O que você quer? Chamou nove outros partidos e perguntou a mesma coisa. Ora, eles queriam cargos para financiar futuras campanhas e forrar o bolso de alguns.

Receberam.

Lula não inventou o fisiologismo.

Tampouco o combateu — antes pelo contrário.

Dilma se elegeu apoiada pela mais formidável coligação de partidos que o país jamais vira. Agora está sendo obrigada a retribuir o apoio. Diga-se a favor dela que tem tentado contrariar alguns dos seus aliados.

Tome-se o caso do poderoso PMDB. Perdeu o comando sobre os ambicionados ministérios das Comunicações e da Integração Nacional.

Ganhará o do Turismo e o da Previdência Social.

Pediu o Ministério da Saúde — ou uma parte dele, a mais endinheirada. Ganhou a Secretaria Especial de Ações Estratégicas.

A desforra do PMDB virá na hora certa. Como poderá vir também a do PSB, que elegeu mais governadores do que o PT. A direção do PSB sugeriu dois nomes para o Ministério da Integração Nacional e o de Portos e Aeroportos, a ser criado.

Dilma adiantou-se e convidou Ciro Gomes para o da Integração Nacional.

Ciro é do PSB. Mas não é.

Ele é ele mesmo. O PSB considera que perdeu uma vaga no Ministério. O PCdoB é dono do Ministério do Esporte.

Quer manter ali o atual ministro, Orlando Silva.

Dilma quer substituir Orlando pela deputada Luciana Santos, também do PCdoB.

Talvez crie um novo ministério só para Orlando.

Você deve pensar que o PT está satisfeito com o número de ministérios reservados para ele. Longe disso. O PT são muitos e não há lugar para todos. Daí o barulho silencioso que faz. Fortes emoções nos aguardam.

Lula é pop, mas há um preço:: Fernando Rodrigues

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASíLIA - O governo Lula é aprovado por 83% dos brasileiros. O recorde apurado pelo Datafolha coloca o petista como o mais popular presidente eleito pelo voto direto pós-ditadura militar.

Lula exerceu o poder de maneira eficaz e com vários fatores conjunturais a seu favor. Mais do que tudo, nunca é demais lembrar, foi o mandatário que mais bem utilizou a comunicação de massas. Otimizou a propaganda estatal ao máximo.

Quando Lula assumiu, em 2003, havia 499 veículos recebendo dinheiro para veicular propagandas do governo. Em 2008, já eram 5.297 jornais, revistas, portais de internet, rádios e TVs desfrutando desse auxílio luxuoso.

Agora, o governo decidiu falar tchau aos brasileiros. Está em cartaz na mídia uma campanha de R$ 20 milhões, como revelou ontem a repórter Julia Duailibi. O slogan é "estamos vivendo o Brasil de todos". De fato, quem paga essa conta são todos os brasileiros.

As empresas estatais federais gastavam R$ 555,4 milhões por ano em 2003 com projetos de patrocínio. Em 2006, o valor já havia pulado para R$ 1,085 bilhão. Estar bem na mídia é tudo. Lula sabe disso.

Houve talvez outras bandas de rock tão boas como os Beatles. Os Kinks, da mesma época, eram ótimos. Mas foram os garotos de Liverpool os que estavam no lugar certo, na hora certa e os que usufruíram com maestria do benefício da comunicação de massa.

Seria injusto, entretanto, creditar o sucesso de Lula só ao seu bem estudado plano de marketing. Após oito anos, o petista deixa um Brasil melhor. Sábio, manteve o rumo básico na condução da economia, com metas de inflação e uma certa responsabilidade fiscal.

Ressalvas feitas, é também indisputável o fato de nunca na história deste país ter havido tanta propaganda a favor de um presidente. O tempo se encarregará de mostrar a perenidade de sua obra -já sem o efeito da avalanche de comerciais.

Cancún - ilusões e realidades::José Goldemberg

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A reunião em Copenhague (Dinamarca) dos países-membros da Convenção do Clima (COP-15), em 2009, foi uma decepção tal que qualquer resultado mais positivo da reunião em Cancún, no México, de 29 de novembro a 10 de dezembro deste ano (COP-16), seria visto como um sucesso. De fato, bastou um pouco de organização por parte dos mexicanos e a simpatia da ministra de Relações Exteriores do México (em contraste com o primeiro-ministro da Dinamarca) para obter aplausos e até uma visão mais otimista das negociações sobre o clima.

Quão reais, contudo, são os avanços obtidos em Cancún?

Isabella Teixeira, nossa ministra do Meio Ambiente, deu uma generosa nota de 7,5 para os resultados de Cancún (numa escala de 1 a 10), mas uma análise fria desses resultados não daria uma nota maior do que 5, que é o mínimo necessário para evitar uma reprovação.

O melhor resultado da conferência foi evitar que o Protocolo de Kyoto fosse enterrado prematuramente, porque o Japão, a Inglaterra e outros países se cansaram de fazer esforços para cumprir as metas fixadas pelo protocolo, enquanto os Estados Unidos e a China (os maiores emissores mundiais de gases de efeito estufa, que respondem por mais de 50% do total) não fizeram o mesmo. Abandonar o Protocolo de Kyoto - que se encerra em 2012 - sem substituí-lo por outro seria um desastre, porque os mecanismos do protocolo, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), deixariam de ser atrativos e o valor dos certificados de reduções de emissões, que são objeto de transações comerciais, cairia a zero. Atualmente, esse mecanismo movimenta bilhões de dólares, que beneficiam muitos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil. A solução encontrada em Cancún foi adiar o problema para a COP-17, a ser realizada no ano que vem em Durban, na África do Sul. Enquanto isso, ele continua válido.

Outro resultado da conferência foi o de reconhecer a necessidade de cortar as emissões de gases de efeito estufa de modo a evitar que a temperatura da Terra aumente mais de 1,5 grau centígrado (Celsius). O valor usado como referência até agora era de 2 graus centígrados. A decisão, contudo, necessita ainda de estudos para serem avaliados em 2015.

Além disso, decisões desse tipo, qualquer que seja o número adotado - 1,5 grau ou 2 graus -, são tipicamente decisões do "tipo Nações Unidas", isto é, exortações, porque elas não especificam quem deve fazer o quê. Todos concordam porque não redundam em compromissos reais. O único exemplo que existe de compromissos reais são os do tipo fixado pelo Protocolo de Kyoto, que poucos querem cumprir, exceto a União Europeia, e que a China e os Estados Unidos não aceitam.

Na realidade, se o compromisso de limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius (ou mesmo 2 graus) fosse levado a sério, os países em desenvolvimento (o Brasil incluído) teriam de cortar as suas emissões. É simplesmente impossível, do ponto de vista científico, limitar o aquecimento a 2 graus centígrados apenas com cortes nas emissões dos países industrializados.

Por essa razão, é inútil argumentar sobre as "responsabilidades históricas" destes últimos países pelas emissões do passado: se todos os países emissores (principalmente China, Índia, Brasil, e ainda alguns outros) não reduzirem as suas emissões, juntamente com os países industrializados, o aquecimento será maior do que 2 graus Celsius.

É inútil argumentar também que as emissões per capita da China, da Índia, do Brasil e outros são menores do que as emissões per capita dos europeus ou americanos. O que determina o aquecimento global é o total das emissões, e não a emissão per capita. Com uma população de mais de 1,2 bilhão de pessoas, a China emite mais do que os Estados Unidos, que têm menos de 300 milhões de habitantes. Pode parecer injusto que os americanos emitam quatro vezes per capita o que os chineses emitem, mas essas diferenças existem também no que se refere à renda per capita.

Progresso real seria atingir um acordo global, de todos os países, sobre os cortes que cada um deles deveria fazer. Uma negociação séria entre os grandes emissores (entre os quais o Brasil) poderia fixar essas reduções, que certamente seriam diferentes para os diversos países. Este é o significado do que consta da Convenção do Clima - a qual foi aceita e ratificada por todos -, o de que "as responsabilidades pelo aquecimento global são comuns, mas diferenciadas". Esse acordo daria base jurídica para que cada país adotasse legislação própria mandatória para cumpri-lo - como, aliás, é feito com outros acordos internacionais.

Isso não ocorreu em Cancún, e provavelmente não ocorrerá na COP-17, em Durban, em 2011, mas poderia ocorrer em 2012 no Rio de Janeiro, local natural para a COP-18, quando será comemorado o 20.º aniversario da Convenção do Clima.

Nesse pano de fundo um pouco pessimista, algum progresso foi atingido em Cancún para pôr em operação o "Fundo Verde", que será administrado pelo Banco Mundial, o que foi recebido com algum ceticismo. Muitos países preferiam uma nova agência independente. Os países industrializados, em Copenhague, comprometeram-se a desembolsar US$ 30 bilhões até 2012, mas até agora as contribuições foram pequenas e incluem programas já em andamento, de modo que não se sabe realmente quanto é "dinheiro novo". Além disso, a regulamentação do mecanismo de redução de emissões por desmatamento e degradação florestal (Redd), que visa a ajudar países como o Brasil, a Indonésia, a Nigéria, para que reduzam suas taxas de desmatamento, e outros, teve algum progresso e deverá ser objeto de decisões finais no próximo ano, em Durban.


Professor e ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), foi Secretário do Meio Ambiente da presidência da República e do governo do Estado de São Paulo

O desafio principal não está em gerir a economia::Marco Antonio Rocha

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Nunca antes na história deste país um chefe de governo despediu-se do cargo de maneira tão apoteótica e repetitiva. Percorrendo o Brasil como num rabo de foguete, Lula parece querer despedir-se de cada um dos brasileiros. E em cada canto entrega-se com volúpia às aclamações das massas, aos vivas esganiçados dos puxa-sacos de todos os calibres, aos urros dos áulicos de plantão. Se apurasse bem os ouvidos talvez distinguisse, em meio ao trovejar ululante do povaréu, alguns gritos de "já vai tarde", emitidos pela minoria que decididamente não gosta dele, que votou sempre contra ele, ou daqueles que, mesmo admirando-o, se sentem constrangidos com essa exibição impudica de soberba e jactância desenfreada. Se num dos auditórios repletos de sabujos, principalmente do meio empresarial, alguém se levantasse e gritasse, como o rei Juan Carlos - "Por qué no te callas?"-, talvez se quebrasse o encanto e se revelasse a nudez do falso rei.

Mas isso não vai acontecer. Lula, como Zagallo, pode dizer, para todos os "do contra": Vocês vão ter que me aguentar. Se bem que o povo brasileiro, no íntimo, no seu trato, na sua decantada cordialidade, seja avesso à jactância e ao exibicionismo. Lula, que se considera "a encarnação do povo", como já declarou, deve saber disso. Mas neste fim de governo parece que a Pombagira baixou nele e, presa de delírio parlatório ininterrupto, arrisca pegar mal junto ao povão. É possível que, mais adiante, uma derrama de documentos em algum WikiLeak da moda revele que um chefe de Estado estrangeiro andou perguntando ao seu embaixador no Brasil se por acaso Lula andava tomando algum remédio... Por menor exuberância do que a dele, Christina Kirchner suscitou essa indagação.

Mas deixemo-lo em paz - como diria meu professor de português, Celestino Correia Pina, no velho Colégio Roosevelt, cultivador de exímias colocações pronominais - pois não falta muito para que seu tempo acabe.

O que temos, pela frente, é Dilma Rousseff, a presidente eleita que, na elegante definição de Roberto Pompeu de Toledo, na Veja, é ainda "uma obra em construção". O que já se escreveu sobre sua biografia não tem serventia, pois a parte dessa biografia que realmente interessa para o povo brasileiro começará em janeiro.

Também já se falou muito sobre o Brasil que ela irá receber de Lula. Sendo economista e sendo letrada, ela sabe melhor do que nós que estará recebendo uma espécie de presente de grego, pois, em resumo, tudo aquilo que contribuiu para a vitória eleitoral que teve é uma espécie de pão que o diabo amassou que lhe dará muita dor de cabeça e criará muito conflito logo no início do mandato. Assim, o câmbio valorizado, o crédito farto, o aumento real dos salários, a redução da pobreza e o consequente aumento do consumo, a elevação dos investimentos estrangeiros no Brasil, enfim, tudo o que fez a alegria do povo nos últimos meses traz forte potencial para causar tristeza nos próximos.

No entanto, esses são problemas apenas de ajuste. Há que haver um ajuste geral: na política fiscal, na política monetária, na política creditícia, na política cambial, na política salarial. Foi isso que Fernando Henrique teve de fazer quando assumiu pela primeira vez, a fim de preservar a maior conquista da economia brasileira desde os tempos de Juscelino: a estabilidade da moeda. E que Lula levou adiante, adicionando mais duas conquistas importantes: a criação de uma política sensata de renda mínima e a ampliação sustentável de um mercado de consumo de massa, as duas coisas impulsionando fortemente a atividade econômica.

O problema é que as boas obras de Lula estão gerando risco potencial para a boa obra deixada por Fernando Henrique, ou seja, o ímpeto da economia e do mercado de consumo de massa está colocando em risco a estabilidade monetária.

Uma tarefa de Dilma, em resumo, é preservar as boas coisas dos dois antecessores. Para isso basta uma boa e honesta administração. É questão de dosar austeridade fiscal e financeira com crescimento sustentável do PIB - bons economistas sabem como fazer isso, e ela os tem.

A tarefa muito mais séria, difícil e complexa não está na administração da economia, e, sim, na restauração da dignidade na e da Nação - da confiança do povo no regime, nas instituições e na autoridade.

Anos de imoralidade desacorrentada, de corrupção desalentadora, de cinismo abjeto, de ascensão do mau-caratismo em toda parte, de triunfalismo das nulidades causaram tamanha defraudação do bem público mais essencial - que é o respeito da população por suas instituições e por si própria - que urge eliminar esse brutal foco de desarranjo, espiritual e ético, da vida pública brasileira, com veemência e com eficácia.

Lula tem séria atrofia de senso ético, combinada com elevada dose de oportunismo. Rescaldo do esquerdismo primitivo, pois, "ética é coisa de burguês"! Mas isso estimulou o lumpesinato da política a perpetrar um tsunami de assaltos ao erário, junto com uma devastação dos valores nacionais como nunca se viu neste país. É o desenvolvimento canceroso dessa indignidade que cabe a Dilma, mulher, extirpar - se puder.

Jornalista

Oposição cobra governo sobre desvio de emendas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O líder do PSDB, senador Álvaro Dias (PR), desafiou ontem a presidente eleita, Dilma Rousseff, a iniciar sua gestão combatendo o desvio nos repasses de dinheiro público para organizações não governamentais (ONGs). Ele citou reportagem publicada ontem pelo Estado - que revelou saque na boca do caixa de dinheiro depositado na conta da RC Assessoria e Marketing, registrada em nome de laranjas - como exemplo do "escândalo" patrocinado pela "aliança" dessas entidades com dinheiro público. "São organizações aparelhadas para desviar dinheiro. Se Dilma deseja dar um novo rumo ao governo, tem de deixar de passar a mão na cabeça dos desonestos."

O Estado mostrou que R$ 1,7 milhão foi sacado em espécie logo que o dinheiro foi depositado na conta da RC Assessoria e Marketing, favorecida por emendas dos senadores Gim Argello (PTB-DF), Marconi Perillo (PSDB-GO) e Sandro Mabel (PR-GO), entre outros. O líder tucano afirmou que, no governo do presidente Lula, a oposição se empenhou em investigar irregularidades como essa na CPI das ONGs. "A prática é tão escancarada que exige uma reação imediata."

Dias comparou a atual farra das emendas com o esquema revelado pela Operação Sanguessuga, da Polícia Federal. Os autores de emendas para compra de ambulâncias, vendidas com preços superfaturados, recebiam parte da verba desviada.

Para o deputado Doutor Rosinha (PT-PR), o que tem de acabar são as emendas individuais. "Como atendem interesses limitados, essas emendas deveriam ser substituídas pelas emendas de bancada." O parlamentar questionou a atuação da oposição na CPI das ONGs do Senado. Para ele, a comissão tinha finalidade política, "de investigar só o governo Lula".

Dirceu duvidou da vitória do PT após o mensalão

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Dois meses após deixar o governo em 2005, o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil) confidenciou a um amigo americano que não acreditava que Lula se recuperaria dos estragos causados pelo mensalão e que dificilmente seria reeleito em 2006, mostram documentos do WikiLeaks.

Wikileaks os papéis brasileiros: Dirceu duvidou de recuperação de Lula após mensalão

Despachos dos EUA mostram que ex-ministro questionou reeleição do presidente, que poderia desistir de candidatura

Ex-titular da Casa Civil responsabilizou Lula por não ter ajudado a organizar finanças do PT, relatou diplomata

Ricardo Balthazar

SÃO PAULO - O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu deixou o governo em 2005 duvidando da capacidade que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria para se recuperar dos estragos que o escândalo do mensalão causou à sua imagem.

Dois meses depois do seu afastamento, Dirceu disse a um amigo americano que Lula dificilmente seria reeleito nas eleições de 2006 e afirmou que ele poderia desistir de concorrer a um novo mandato se ficasse "deprimido".

De acordo com um despacho diplomático americano obtido pela organização WikiLeaks, Dirceu considerava mais provável uma vitória da oposição em 2006 e previu que o candidato do PSDB à Presidência seria o então prefeito de São Paulo, José Serra.

Nenhuma das previsões de Dirceu se confirmou. O presidente Lula foi reeleito em 2006, derrotando o tucano Geraldo Alckmin.

Serra, que Lula vencera em 2002, só voltou a disputar a Presidência neste ano, quando foi batido pela candidata Dilma Rousseff.

O despacho com as opiniões de Dirceu é um dos milhares de telegramas da diplomacia americana obtidos pelo WikiLeaks. A Folha e outros seis jornais têm acesso ao material antes da sua divulgação no site da organização (www.wikileaks.ch).

O pacote de documentos inclui relatos de duas conversas que Dirceu teve fora do governo com um assessor especial do Departamento de Estado dos EUA, William Perry, um especialista em assuntos latino-americanos que viveu no Brasil e conhece Dirceu há quase dez anos.

"BIRUTA E IMPRÓPRIO"

O informe de agosto diz que Dirceu procurou se distanciar dos dirigentes que assumiram o comando do PT após as eleições de 2002 e classificou como "biruta e impróprio" o esquema montado para pagar dívidas da campanha de Lula e financiar os aliados do governo.

Segundo Perry, Dirceu responsabilizou o próprio Lula pelas dificuldades enfrentadas pelos petistas, criticando-o por não ter ajudado a organizar um sistema que desse ao PT "fontes de recursos empresariais legítimas".

Perry voltou a encontrar Dirceu em outubro de 2005, quando faltava pouco mais de um mês para que ele tivesse seu mandato de deputado federal cassado pela Câmara.

No meio da conversa, o americano pediu a Dirceu sua opinião sobre a necessidade de uma reforma política no país. O ex-ministro não lhe pareceu muito interessado em debater o assunto, mas criticou o modelo de financiamento dos partidos.

"Dirceu admitiu que habitualmente gastou o dobro do que declarou em suas campanhas e que todos os políticos brasileiros empregam algum tipo de caixa dois", afirma o relato do encontro.

Segundo Perry, Dirceu acusou adversários de hipocrisia e disse que irregularidades eram inevitáveis num país em que "políticos não gostam de ser vistos pegando dinheiro e doadores não gostam de ser vistos doando".

Dirceu diz que mensalão foi esquema 'louco e perverso'

DEU EM O GLOBO

Ex-ministro culpou partido por financiamento ilegal, revela WikiLeaks

Perto da cassação, o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu teria admitido a diplomatas americanos ter feito caixa 2 em sua campanha, negado participação no escândalo do mensalão e criticado petistas. Segundo telegramas revelados pelo WikiLeaks, Dirceu teria afirmado que Lula deveria ter "prestado atenção" às origens dos fundos de campanha. Ele também teria culpado líderes do PT por um esquema ilegal de financiamento "louco e perverso", dizem documentos de 2005.

Críticas a Lula e PT na saída de Dirceu

Ex-ministro admitiu caixa 2 mas negou mensalão, revela WikiLeaks

Tatiana Farah


À beira da cassação no Congresso, o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu teria afirmado a um emissário dos Estados Unidos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "que não faz muito por iniciativa própria", deveria ter "prestado atenção" ao cultivo de "fontes legítimas de financiamento" das eleições de 2002. Para Dirceu, que em outra conversa admitiu caixa dois em suas campanhas eleitorais, Lula deveria ter atraído o PMDB para o governo logo no princípio. A estratégia foi feita na campanha da presidente eleita Dilma Rousseff.

O petista admitiu "que as lideranças do PT pós-2002 vieram com um esquema ilegal de financiamento "louco e perverso" que está no centro das investigações correntes como resposta às pressões dos pequenos e mercenários partidos aliados, PTB, PL e PP, e da campanha de 2002 do marqueteiro Duda Mendonça", escreveu o embaixador John Danilovich, em telegrama ao Departamento de Estado em 19 de agosto de 2005, referindo-se ao escândalo do mensalão. O documento foi divulgado ao GLOBO pelo grupo WikiLeaks.

Segundo Danilovich, Dirceu era personagem "quente demais" para que fosse visitado por uma missão oficial. Por isso, a visita a seu apartamento em Brasília foi feita pelo assessor especial William Perry, a quem Dirceu conhecia havia anos. Os dois se encontraram para um café da manhã em 17 de agosto.

A Perry, Dirceu falou mal do ex-presidente do partido, o deputado José Genoino, e do governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, que assumira a presidência interina do PT em meio à crise do mensalão. Dirceu chega a dizer que o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares não é seu "cara". Delúbio foi expulso do PT como um dos únicos punidos no caso.

Embora o ex-ministro tenha negado participação no esquema, o embaixador não se convenceu: "Dirceu se dissocia totalmente de qualquer culpa e sustenta o "eu não sabia"", escreve ele, dizendo que "compartilha do mesmo ceticismo" da imprensa e de políticos, que consideram essas posições como "ridículas" diante do poder que o ex-ministro exercia no PT e no governo.

Sobre o PMDB, Danilovich reporta que o presidente Lula, na opinião de Dirceu, deveria ter trazido o partido, assim como outras legendas maiores desde o princípio do governo, com cargos ministeriais. Na ocasião, o ex-ministro avalia que Lula não está lidando habilmente com a crise política.

Ao amigo, Dirceu se mostra desanimado com o futuro político tanto seu quanto de Lula. Diz que, caso Lula "fique deprimido", nem concorrerá à reeleição e que, caso concorra, perderá.

Diz estar resignado com a cassação iminente. O ex-ministro diz ainda que pensa em passar um período nos EUA, estudando inglês e escrevendo um livro. "Contudo, não podemos deixar-nos crer que esse camaleão cruel e brilhante está disposto a ir tão silenciosamente noite adentro. Não ainda", comenta o embaixador.

Outro telegrama, de 13 de outubro de 2005, reporta um almoço entre Dirceu, amigos e um diplomata do Consulado Geral de São Paulo no dia em que o PT elegia sua nova direção. Nele, Dirceu confirma o uso de caixa dois em campanhas pessoais e diz que todos os políticos brasileiros usam a prática.

"Dirceu não parece muito interessado em discutir a reforma política", mas "reconheceu que os candidatos, inclusive Lula, têm de usar a reforma como tema de campanha", escreve o diplomata Arnold Vela, revelando a conversa. "Dirceu admitiu que ele mesmo habitualmente gasta duas vezes mais do que reporta em sua própria campanha e que todos os políticos brasileiros empregam alguma forma de "caixa dois" (recursos não contabilizados)", continua.

Nesse ponto, Dirceu, que alega inocência no caso do mensalão, diz que o governo não o está ajudando muito, mas que também não precisa de "favores" de Lula. Na opinião do ex-ministro, seu julgamento no Congresso é "puramente político", lembrando que não estava no exercício do mandato quando ocorreu o mensalão. "Sua estratégia agora será manter a cabeça baixa e trabalhar para sustentar a influência que detém dentro do partido", conclui o diplomata.

Vultos invisíveis :: Graziela Melo

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Graziela Melo, in: Crônicas, contos e poemas, pag. 186 - Abaré Editorial/Fundação Astrojildo Pereira, Brasília, 2008