sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

BC e FMI alertam governo para gastos

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central e o FMI alertaram o governo para a situação fiscal do país. Para o BC, o controle efetivo de gastos é essencial para evitar aperto monetário maior. Já o FMI advertiu para a deterioração "particularmente acentuada" nas contas fiscais. E previu que as metas não serão cumpridas.

Alerta fiscal para o Brasil

BC diz que controle de gastos é fundamental para alívio monetário. FMI vê "deterioração acentuada" nas contas

Patrícia Duarte*

A situação fiscal do Brasil está em estado de alerta, apontaram documentos divulgados ontem tanto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como pelo próprio Banco Central (BC). A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada na semana passada, que deu início a um ciclo de aumento de juros ao elevar a Taxa Selic de 10,75% para 11,25% ao ano, afirmou que o cumprimento - sem manobras - das metas fiscais acordadas para este ano e o próximo, com controle efetivo de gastos, e a moderação na expansão do mercado de crédito serão fundamentais para que a política monetária do BC não seja mais restritiva que o esperado atualmente pelo mercado. Já o FMI alertou, na atualização de seu relatório "Monitor Fiscal", para uma deterioração "particularmente acentuada" nas contas fiscais. E ressaltou que as metas fiscais não devem ser cumpridas "por ampla margem".

Na ata do Copom, o BC também reforçou sua preocupação com o avanço da inflação por causa dos preços elevados das commodities em geral e dos alimentos em particular, além da atividade econômica ainda forte, com a demanda por bens e serviços crescendo acima da capacidade de oferta do setor produtivo.

- O BC trabalha com o cumprimento da meta fiscal cheia (economia para pagamento de juros equivalente a 3% do Produto Interno Bruto, PIB, em 2011) e jogou um pouco da responsabilidade de cumprir a meta de inflação para o governo todo - afirmou o sócio da consultoria Tendências Juan Jensen, para quem a Selic será elevada a 12,25% até abril, em linha com a mediana do mercado mostrada pela pesquisa Focus, do BC.

BC espera superávit de 3%, FMI não

Desde o fim de 2009, o BC tem indicado a necessidade de o setor público aumentar o controle fiscal para evitar pressões adicionais sobre a inflação. Quanto mais o governo gasta, mais a demanda cresce, consequentemente estimulando o reajuste de preços. Na ata de ontem, no entanto, o BC foi bem mais enfático que o normal, usando um parágrafo inteiro para defender sua ideia.

"O Copom reafirma que seu cenário central para a inflação leva em conta a materialização das trajetórias com as quais trabalha para as variáveis fiscais. Importa destacar que a geração de superávits primários compatíveis com as hipóteses de trabalho contempladas nas projeções de inflação, além de contribuir para arrefecer o descompasso entre as taxas de crescimento da demanda e da oferta, solidificará a tendência de redução da razão dívida pública sobre produto (PIB)".

O BC informou que, dentro do seu quadro de expectativas, trabalha com a projeção de o governo fazer um superávit primário de 3% do PIB neste ano e de 3,1%, como "hipótese", em 2012. Este é o compromisso firmado pelo setor público no Orçamento deste ano. Mas boa parte dos analistas - e o FMI - não acredita nisso e projeta superávit inferior a 3% neste ano, devido ao elevado gasto público.

No "Monitor Fiscal", o Fundo observou que "o aumento da arrecadação foi usado, de maneira geral, para financiar gastos maiores", principalmente no Brasil, na China e na Índia. O FMI apontou ainda como problemas os elevados déficits fiscais de Estados Unidos e Japão.

Apesar de ser mais otimista que a média do mercado nesse campo, o BC piorou suas expectativas sobre inflação. Sem citar números, disse que suas contas para o IPCA estão "acima do centro da meta" em 2011, tanto no cenário de mercado (com previsões de analistas) quanto no de referência (com indicadores confirmados até uma determinada data).

Para 2012, o BC também passou a enxergar um índice maior que o centro da meta no cenário de referência, mas ainda com a Selic a 10,75% ao ano. Ou seja, sem levar em conta a elevação nos juros já feita. A meta de inflação para 2011 e 2012 é de 4,5% pelo IPCA, com margem de oscilação de dois pontos percentuais para mais ou menos.

O BC destacou a importância, para o controle da inflação, das medidas macroprudenciais tomadas em dezembro, que limitaram o acesso ao crédito de consumo de longo prazo. Os efeitos já foram sentidos em janeiro, com a queda de 3,5% das concessões de empréstimos às famílias e a forte elevação nas taxas de juros.

No cenário externo, o BC avaliou que pode estar começando uma recuperação econômica nos Estados Unidos, mas que esta ainda é uma incerteza. Não voltou, no entanto, a defender que o cenário internacional possa ajudar a segurar a inflação.

Mercado teme novas medidas e inflação

A ata de ontem foi a primeira com Alexandre Tombini como presidente do BC e, para os analistas, apesar de a forma ainda estar bastante parecida com as demais, as questões inflacionárias foram tratadas de maneira mais clara. Para o economista do banco Santander Cristiano Souza, a ata do BC não traz indicações, pelo menos a priori, de que o Copom vai acelerar o ciclo de aperto de juros.

- Essa ata dá mais cores à discussão sobre a inflação, mas não parece que vai acelerar o passo no aperto monetário - afirmou Souza, que mantém a perspectiva de que a Selic será elevada para 13% ao ano até julho.

A preocupação com a inflação e com a possibilidade de mais medidas macroprudenciais do governo, além da saída de investidores estrangeiros, fizeram a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) encerrar em queda ontem. O Ibovespa, seu principal índice, caiu 0,96%, aos 68.050 pontos. Companhias de construção e varejo tiveram as maiores quedas, devido ao temor sobre o impacto da alta da Selic.

- O mercado está com muito medo da inflação e percebe que os juros estão fortes não apenas aqui, mas também nos emergentes. E vão continuar fortes - afirma o gestor de renda variável da Vetorial Asset Management, Fernando Belaciano.

Já o gerente de renda variável da Corretora Futura, Renato Bandeira de Mello, destacou o movimento de saída dos estrangeiros da Bolsa:

- A ata do Copom citou mais medidas macroprudenciais, e o mercado não sabe qual será o alcance dessas medidas.

Colaborou Lucianne Carneiro, com agências internacionais

FONTE: O GLOBO

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