sábado, 15 de janeiro de 2011

Colapso na serra

DEU EM O GLOBO

De uma das cidades mais aprazíveis da Região Serrana do Estado do Rio, Friburgo se transformou num cenário de guerra. Faltam luz, água, telefone, comida e remédios. Há filas e desabastecimento, racionamento de combustível e corpos em decomposição. Para piorar a situação, houve saques, assaltos e boatos do rompimento de uma represa, que levaram pânico aos moradores. Este é também o cotidiano nas outras principais cidades da Região Serrana, três dias após a tragédia. As chuvas já deixaram 540 mortos e 6.050 desabrigados. O número pode dobrar, segundo moradores, que relatam desmoronamentos em áreas isoladas. Levantamento feito pela Secretaria estadual de Saúde e Defesa Civil informa que há na região 7.780 desalojados (aqueles que tiveram que sair de suas casas, mas poderão retornar). Por determinação do juiz José Ricardo Aguiar, da Vara de Família de Teresópolis, os corpos de vítimas das chuvas que chegarem ao IML serão periciados e permanecerão em caminhões frigoríficos por até um mês, à espera dos parentes.

‘Um cenário de guerra, sem guerra’

Desastre dá à Região Serrana a aparência de uma área bombardeada

Racionamento de combustíveis. Filas e desabastecimento. Comunicação e energia precárias. Trânsito caótico. Boatos e pânico. Corpos na lama e cheiro de putrefação. Medo e êxodo. Este passou a ser o cotidiano dos moradores dos municípios da Região Serrana, três dias após a tragédia das chuvas que deixaram 548 mortos (sendo 247 em Nova Friburgo e 238 em Teresópolis), 6.050 desabrigados e 7.780 desalojados desde terça-feira. Número que pode dobrar, segundo moradores, que relatam desmoronamentos em áreas ainda inacessíveis.—Um cenário de guerra, sem guerra — resumiu a escritura Luiza Pinheiro, de 48 anos, ao descrever ontem como ficou seu bairro,o Imbuí, em Teresópolis.

Pilhas e fósforos, artigos de luxo

● Ela conta que, por “milagre”, sua casa no Condomínio Camote permaneceu de pé, enquanto a maior parte das residências vizinhas foi destroçada pela violência da enxurrada

da madrugada de quarta-feira. Segundo ela, corpos jazem à beira dos rios edas estradas da região e, pelo sítio vizinho ao condomínio, uma rota de fuga foi improvisada, com troncos de árvores, sobre o rio. A fila indiana de desabrigados, levando crianças nos braços ou enormes sacolas com o pouco que lhes sobrou, lembra um êxodo de guerra.

— Vi pessoas muito tristes, todas em silêncio. Olhares desolados, quase em transe.

Homens vergados sob o peso do que conseguiam juntar em sacolas imensas. Cada um que parava para contar sua história tinha uma tragédia maior que o anterior .

Enquanto isso, os helicópteros cruzavam o céu, como se fosse uma zona de guerra— contou a escritora. Ainda segundo Luiza, quem consegue vencer a lama e se locomove pelos bairros de Caleme, Campo Grande, Posse eParque Imbuí presencia o trabalho heroico de voluntários que, dia e noite, recolhem os corpos dos moradores e os empilham em picapes e caminhões-baú. Os mortos são levados para um IML improvisado. Ironicamente, depois de tanta chuva, a maior necessidade dos sobreviventes é justamente água (potável).

— Não há energia elétrica há dias, por isso precisamos de velas, pilhas, fósforos, mas principalmente de água. O fornecimento foi cortado por causa do risco de contaminação, devido à quantidade de cadáveres — contou Luiza, emocionada, tentando economizar a bateria de seu celular , já quase no fim.

O cenário de guerra se repete no Centro urbano de Friburgo, onde os bancos não abriram e só circula dinheiro em espécie.

— Não se compra nada com cartão. A venda de combustível está limitada aR$ 50 nos dois únicos postos abertos, que estão cheios de filas —conta o músico Rocyr Abbud, há três dias com o fornecimento de luz, gás e água interrompido.

Quem pôde buscou refúgio em cidades da Região dos Lagos para fugir do caos.

Moradora de Rio das Ostras, a aposentada Rosa Maria Vieira está abrigando em casa uma prima e um sobrinho que perderam tudo. Traumatizado, o sobrinho, Bruno Martins, disse que não pretende voltar para Friburgo tão cedo:

— Deixei tudo para trás. Estou com trauma de chuva.

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