segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Conta a ser paga:: Ricardo Noblat

- Os cariocas assistem, conformados, à reprise de um filme triste e antigo. No fim, são eles que morrem, - (4/1/2011, aqui) –

Se todos são culpados pela repetição de tragédias como a da região serrana do Rio de Janeiro – o Estado e o povo que mora em áreas de risco –, ninguém é culpado. Choremos, pois, os mortos. Que a maioria, devido à situação de emergência, seja sepultada do melhor jeito possível. E vamos à praia pegar um bronze porque o Carnaval está próximo.

No ano passado, quando tragédias semelhantes mataram entre janeiro e abril 53 pessoas em Angra dos Reis e 47 em Niterói, sem contar dezenas de outras na cidade do Rio, o governador Sérgio Cabral falou em “crônica de uma morte anunciada”. Primeiro culpou o volume das chuvas muito superior ao rotineiro. E depois a ocupação de áreas de risco.

Sem esconder a irritação, justificou-se por só ter visitado Angra 24 horas depois do dilúvio: “Eu não faço demagogia. Aqui em Angra estavam dois secretários da área, um deles o vice-governador. Quem deve vir são as autoridades públicas que podem de fato dar solução e comando ao problema”.

Talvez fosse interessante ouvi-lo sobre seu esforço de desta vez marcar presença nas áreas flageladas. Ele esteve por lá com a presidente Dilma Rousseff. E depois mais duas vezes. Ou deu uma de demagogo ou resolveu assumir a condição de autoridade que pode “de fato dar solução e comando ao problema”.

No primeiro momento, sob o impacto daquela já classificada como a maior tragédia natural da história do País, e uma das 10 maiores registradas no mundo desde o século passado, Cabral tentou municipalizar a responsabilidade pelo ocorrido. Isso é coisa “de prefeitos, vereadores e deputados irresponsáveis”, acusou.

Foi corrigido por Dilma. Que reconheceu com bom senso: “(Esse) é um problema do governo Federal de fazer uma política de saneamento e habitação. É um problema do governo estadual de fazer a mesma política e somar esforços. E é um problema do município de ordenar devidamente a ocupação do solo urbano”. Os três falharam.

Em novembro do ano passado, o governo brasileiro confessou à Organização das Nações Unidas por meio de extenso relatório que “grande parte do sistema de defesa civil do país vive um despreparo e não tem condições sequer de verificar a eficiência de muitos dos serviços”, como noticiou o jornal O Estado de S. Paulo.

Do relatório: “Em 2009, o número de órgãos municipais criados oficialmente no Brasil (para lidar com desastres) alcançou o porcentual de 77,36% dos municípios brasileiros, entretanto, não foi possível mensurar de forma confiável o indicador estabelecido como taxa de municípios preparados para prevenção e atendimento a desastres”.

Adiante: “A falta de planejamento da ocupação e/ou da utilização do espaço geográfico, desconsiderando as áreas de risco, somada à deficiência da fiscalização local, têm contribuído para aumentar a vulnerabilidade das comunidades locais urbanas e rurais, com um número crescente de perdas de vidas humanas e vultosos prejuízos”.

E por fim: “Quando não se priorizam as medidas preventivas, há um aumento significativo de gastos destinados à resposta aos desastres. O grande volume de recursos gastos com o atendimento da população atingida é muitas vezes maior do que seria necessário para a prevenção”.

Encomendado pelo governo do Rio, um estudo de novembro de 2008 alertou para os riscos de a região serrana passar em breve pelo que está passando. Que lugares foram apontados como os de mais elevado risco? Justamente Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, essa quase que inteiramente destruída.

"A hora não é de buscar bodes expiatórios nem de se olhar pelo retrovisor”, ditou Cabral antes que o número de mortos na região serrana batesse na casa dos 600. A hora é, sim, de se nomear culpados e de processar o Estado. Um americano que quebre o pé num buraco que a prefeitura não fechou vai à Justiça e arranca gorda indenização.

Aqui, o descaso do Estado mata e tudo fica por isso mesmo.

FONTE: O GLOBO

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