sábado, 1 de janeiro de 2011

Da arte de governar :: Octaciano Nogueira

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

A arte de governar não se aprende nos livros. Infelizmente, também não se improvisa. E menos ainda se ensina embora não faltem os que tenham a pretensão de fazê-lo. Mas seria bom que todo aquele que governa soubesse, por intuição, por experiência ou por convicção que governar não é sinônimo de mandar. E, por maior que seja a popularidade dos que governam, que ser popular pode ser requisito para ser eleito, mas não para dirigir o Estado. Governar vem do latim gubernare, mas sua origem é grega, kubernao e significa a cana do leme. Segundo Horácio, nas Odes, como ensina Antenor Nascentes, no Dicionário etimológico da língua portuguesa, “por metáfora antiga, o Estado é comparado a um navio, daí chamar-se governo a direção dos negócios públicos”. Como o mar sempre escondeu perigos que nem sempre podem ser percebidos, para gregos e troianos governar significava navegar num mar de escolhos, daí a necessidade não de conhecimento, mas de habilidade.

O governo que agora se inicia é, para muitos, algo novo ou inusitado, e como tal deve ser saudado, pelo fato de que será dirigido por uma mulher. Para nós, brasileiros, não será experiência nova nem inédita, se lembramos que a princesa Isabel governou o país todas as vezes – e não foram poucas – em que seu pai, D. Pedro II, esteve ausente do país. Ela não exerceu o poder na qualidade de imperatriz porque esse título era reservado à esposa do imperador, mas como regente do Império. E foi nessa qualidade que promulgou a Lei Áurea, que pôs fim à mais nefanda das manchas que maculou nossa história.

Talvez exista na Biblioteca do Palácio do Planalto o livro Conselhos à regente, obra com que seu pai pretendeu ensinar os rumos com que, aquela que um dia o sucederia, deveria comportar-se quando o substituísse e quando o sucedesse, tornando-se imperatriz. À distância de mais de um século que nos separa da obra, nenhuma utilidade teria para nossa presidente. Como também de nada lhe serviriam as inúmeras obras com que alguns pretensiosos pretenderam aconselhar os governantes em todos os tempos, como foi o caso do Cardeal Mazarin, sucessor do famoso Richelieu, há mais de 300 anos, com seu Breviário dos políticos publicado no Brasil em 1997 pela Editora 34, com apresentação de Bolívar Lamounier e prefácio de Umberto Eco. Afinal, ninguém manda nem pode pretender fazê-lo num imperador ou num presidente, embora com a soma de poderes de que estão investidos, entre nós, nenhuma diferença faria se, em vez da faixa que recebem na posse como símbolo do cargo, fossem brindados com uma coroa, como nos regimes monárquicos.

Segundo o velho ditado, assim como não se ensina o Padre Nosso ao vigário, seria pretensão inútil e ocioso quem quer que seja tentar tutelar, ensinar, sugerir, aconselhar ou influenciar quem detém os poderes de dirigir o Estado e governar o país. Tais como os imperadores com suas cortes, os presidentes com a corte de legionários que têm à sua volta dispensam conselhos, desprezam avisos e com toda razão menosprezam advertências. Dizem que o exercício do poder é incompatível e imune a qualquer forma de influência que se pretenda exercer sobre os que o detêm e o exercem.

O que talvez possa ser-lhes útil, até mesmo para caracterizar a singularidade do poder que exercem, é distinguir-se dos que os antecederam e, se possível, até dos que vierem a sucedê-los. Mas algumas das qualidades dos que governam, se não são, pelo menos deveriam ser comuns a todos. A primeira delas é a austeridade com que devem exercer o poder de que estão investidos. Isso implica não ser vulgar nem pretender dar conselhos a quem não os pediu e menos ainda falar sobre todas as coisas, especialmente as que caracterizam a vulgaridade dos pretensiosos. A segunda é não agir por impulso, que é incompatível à ponderação e ao equilíbrio que exige o interesse permanente do Estado, que se distingue do interesse ocasional dos governos transitórios.

Não são poucos os ônus que a primeira presidente do país carrega como espécie de fardo indesejável. O primeiro é ter que governar com um ministério recauchutado, em que são quase invisíveis os próprios remendos, aqui e ali. O segundo, como desabafou o primeiro de seus antecessores, o marechal Deodoro da Fonseca, “ter de governar de sentinela à porta”. E o terceiro, a tarefa hercúlea de conseguir que seu governo mantenha a continuidade das conquistas e evite a prática do continuísmo da infinidade de promessas “nunca antes na história deste país” tão decantadas e nunca realizadas. Trata-se de distinção que, no Brasil, sempre foi difícil de ser concretizada. Afinal esse deve ser o desejo dos brasileiros, em especial dos que, como o autor deste texto, não sufragou o seu nome nas eleições, já que afinal seremos todos, sem distinção, não só os beneficiários de seus êxitos, mas também as vítimas dos erros que a primeira mandatária da Presidência porventura vier a cometer.


Historiador

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