domingo, 16 de janeiro de 2011

Dirija com cuidado!::José Márcio Camargo

No final de 2009, o cenário básico para a economia mundial era bastante otimista. A economia americana tinha voltado a crescer a taxas fortes no segundo semestre do ano e a previsão era de que a economia mundial retomaria a trajetória de crescimento sustentável em 2010. Ao contrário do esperado, a realidade foi cheia de altos e baixos. A economia americana desacelerou a partir do segundo trimestre, ameaçando um duplo mergulho na recessão, e a zona do euro entrou em uma crise fiscal profunda, da qual ainda não se livrou. Porém, a partir de meados do terceiro trimestre, as surpresas positivas voltaram a dominar o horizonte, com a Alemanha e a França mantendo um crescimento relativamente forte e os Estados Unidos retomando uma trajetória mais positiva. Com isso, o ano de 2010 se encerrou com renovado otimismo, praticamente repetindo o sentimento do final do ano anterior.

Nesse contexto, o cenário básico para o novo ano é de crescimento próximo a 3,0% nos Estados Unidos e na Alemanha, enquanto os países da periferia europeia devem ter crescimento negativo - ou nulo. Nos emergentes, a taxa de crescimento deve convergir para níveis próximos ao potencial de cada economia, 8,5% na China e 4,5% no Brasil. Nos Estados Unidos, a taxa de inflação deverá se manter próxima a 1,0%, enquanto no Brasil deve atingir 5,3%, acima do centro da meta, apesar de esperarmos um aumento da taxa de juros em 1,5 ponto porcentual a partir de janeiro.

Ainda que esse cenário seja relativamente positivo, os riscos não são desprezíveis. Nos Estados Unidos, 3,0% é um crescimento perigosamente próximo do potencial e insuficiente para reduzir de forma substancial o grau de ociosidade e a taxa de desemprego da economia, mantendo vivo o risco de desaceleração e de deflação. Com isso, o Fed deve manter as taxas de juros próximas de zero ao longo de 2011.

Na periferia europeia a crise fiscal continua a preocupar. Portugal e Bélgica tornaram-se as "bolas da vez" e a pergunta é se as solvências da Espanha e da Itália passarão a ser questionadas. Os riscos que se colocam são de a crise afetar o crescimento da Alemanha e da França, e de algum país ter de reestruturar sua dívida, o que poderia gerar uma nova crise bancária, e a possibilidade de uma ruptura na união monetária, o que parece pouco provável.

As desvalorizações competitivas, a "guerra cambial", põem no radar uma possível "guerra comercial". Controles de capitais e intervenções no mercado de câmbio têm custos elevados e resultados limitados, exigindo aprofundamento sistemático dos controles. A experiência histórica mostra que controles de capitais são seguidos por barreiras comerciais e restrições ao comércio internacional, afetando negativamente o crescimento.

A liquidez excessiva e baixas taxas de juros nos Estados Unidos começam a gerar pressões inflacionárias. Ásia e América Latina são, por enquanto, os principais focos da doença. Mas a inflação na Europa já começa a preocupar (Inglaterra e zona do euro). Quais os efeitos do aumento dos preços das commodities sobre o desempenho das economias e como reagirão os bancos centrais das economias desenvolvidas (BCE, BoE, Fed) diante de pressões inflacionárias?

O risco de que o crescimento da China diminua mais do que o esperado está sempre presente. Nesse caso, cairiam os preços das commodities e o crescimento dos emergentes. O efeito sobre o Brasil seria particularmente importante, com redução dos termos de troca, desvalorização cambial e pressão inflacionária.

Finalmente, no Brasil, além dos riscos vindos do exterior, a mudança de governo tem provocado questionamentos quanto à manutenção da austeridade fiscal e da autonomia do Banco Central, além de levantar dúvidas quanto à capacidade do novo governo de manter controle sobre sua base de sustentação no Congresso e evitar surpresas indesejáveis do ponto de vista fiscal e político.

Em suma, o cenário é promissor, mas a visibilidade ainda é baixa. Dirija com cuidado!

Economista e professor da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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