quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Ênfases e silêncios:: Míriam Leitão

O presidente Barack Obama falou da China como competidora na produção de energia limpa. Lembrou da Coreia do Sul como campeã em percentual de universitários. Citou China e Índia pelo esforço de educar as crianças mais cedo e por mais tempo. Falou dos acordos comerciais com vários países. Sobre o Brasil, fez apenas referência à visita que ele fará em março. Os silêncios são eloquentes.

O Brasil sempre soube que não é exemplo em educação. Mas deveria ver com susto o fato de a Índia ser apresentada como exemplo de esforço educacional. Aqui, muitos ainda acham que o Brasil é exemplo em energia limpa pelo etanol e hidrelétricas, mas o país não fez até agora o esforço que poderia fazer em outras fontes de energia, como a solar - cuja maior indústria hoje fica na China, como disse Obama - nem em eólica ou qualquer outra verdadeiramente renovável. O Brasil prefere apostar no lucro que virá do petróleo do pré-sal e em grandes barragens, que vão usar um bem cada vez mais escasso e incerto, a água, no meio da floresta e longe dos centros de consumo. Também não fizemos um grande acordo comercial com os Estados Unidos. Ainda está em tempo de entender que isso não conflita com o esforço das negociações multilaterais.

O índice Dow Jones superou ontem, pela primeira vez em 31 meses, a marca dos 12 mil pontos. A explicação para a alta foi a boa reação ao discurso do presidente Obama. Ele falou em corte de gastos e em retomada do crescimento. A indústria de energia ficou dividida, porque a direção que ele apontou é para longe do combustível fóssil. "Em 2035, 80% da energia americana serão de fontes limpas", disse Obama. Na sua lista de alternativas, ele incluiu "carvão limpo". A tecnologia conhecida pela sigla CCS - captura e estocagem do carbono do carvão - não está dominada, por isso a ideia de que exista um "carvão limpo" é em si muito controversa. Como tem sido defendida pelos republicanos e pelo seu estado, o Illinois, Obama o incluiu no discurso, mas deu ênfase às energias do sol e do vento, como sendo as do futuro, nas quais se deve investir, em vez de dar subsídio para as do passado, como o petróleo. Ontem, restou à indústria fóssil ameaçar. Seus porta-vozes disseram que o corte dos subsídios ao petróleo produzirá desemprego. Obama preferiu fazer ironia, dizendo que as empresas petrolíferas estão indo muito bem, e insistiu para que os parlamentares derrubem os subsídios ao setor.

As ênfases foram eloquentes. Obama falou insistentemente em educação. Apresentou os números que envergonham o país: um em cada quatro americanos não termina o ensino médio; o país está em nono lugar em percentual de estudantes que concluem o ensino superior. Apresentou metas: chegar ao fim da década sendo o primeiro do mundo em percentual de estudantes com curso superior completo, preparar 100 mil novos professores nos campos da ciência e tecnologia, engenharia e matemática. De novo, mostrou um exemplo externo: na Coreia do Sul, os professores são chamados de construtores da nação.

Obama misturou tudo: a educação é o fundamento da economia e do emprego, até porque em 10 anos metade dos novos empregos vão exigir pelo menos o ensino médio. A energia limpa é parte da inovação e da geração futura de empregos. A internet de alta velocidade, que de novo a Coreia do Sul - sempre ela - é exemplo por prover acesso a 95% dos cidadãos, é ferramenta indispensável para um bom ambiente de negócios. Não foram apresentados como compartimentos estanques, mas como parte do projeto.

Admitiu que o governo gasta demais, pediu uma reforma tributária que corte impostos de forma linear para as empresas americanas, em vez do sistema atual, que dá benefícios a setores que têm lobby mais poderoso. Defendeu a redução da regulação e da burocracia criadas pelo Estado e que atrapalham as empresas. Contou que a última grande reforma do governo ocorreu quando a TV ainda era em preto e branco. Lembrou que existem 12 agências governamentais tomando decisões sobre exportação. Brincou com seu exemplo favorito: o salmão de água doce é assunto do Departamento do Interior, o de água salgada é do Departamento do Comércio, e o defumado é um pouco mais complicado. Ou seja, desburocratizar, diminuir o tamanho do Estado, lutar contra privilégios tributários são desafios americanos também. A diferença é que aqui, quem fala isso são as empresas; lá, é o próprio presidente que reconhece o problema.

Tudo é mais fácil falar do que fazer, tanto que ontem as análises nos jornais do mundo todo apontavam contradições entre intenções e gestos. E mais: lembraram que está na hora de Obama parar de prometer e fazer.

Obama assumiu o país na pior crise econômica desde a grande recessão, têm governado com uma taxa de desemprego em torno de 10%, tem um gigante déficit público para resolver que não será digerido apenas com o congelamento dos gastos por cinco anos, como propôs.

Ao iniciar seu discurso no Congresso, ele lembrou a ocupante da cadeira vazia: a deputada pelo Arizona Gabrielle Giffords. Foi aplaudido longamente por todos. Pode ser um sinal de que a polarização da sociedade americana começará a recuar depois da tragédia de Tucson. Seus últimos dois anos de mandato serão mais difíceis na política, porque na Câmara dos Deputados são 242 republicanos contra 193 democratas; no Senado, 51 democratas contra 47 republicanos. Mas há uma chance de serem mais fáceis na economia. O país saiu da recessão, empresas e até bancos voltaram a dar lucro, a bolsa recuperou-se e sua popularidade começou a subir.

FONTE: O GLOBO

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