quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Excelência é posto:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A declaração do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, sobre a concessão indevida de passaportes diplomáticos a familiares do ex-presidente Lula, ao pastor mandachuva na TV Record e a parentes de parlamentares a fim de lhes facilitar o trânsito turístico alfândegas afora, não quer dizer nada.

"Nós estamos examinando a situação dos passaportes como um todo. É uma medida tomada pela administração anterior. Não tenho nada a acrescentar." Na realidade não tinha era nada a dizer, ante a impossibilidade de dar à situação a definição que ela merece: desmando.

A concessão dos documentos virou uma farra. E daquelas bem parecidas com as que ocorrem no Parlamento.

A justificativa de Patriota de que a decisão foi tomada na "administração anterior" poderia fazer sentido caso ele não fosse o segundo na linha hierárquica na referida administração, onde ocupava o posto de secretário-geral do Itamaraty.

No Congresso, quando se descobriu a farra das passagens aéreas distribuídas indiscriminadamente a parentes, amigos, correligionários e funcionários de deputados e senadores que também as usavam para fazer turismo, a reação do Legislativo foi semelhante à do chanceler.

O anúncio de revisão da "situação como um todo" é uma excelente maneira de não tratar do assunto e principalmente de não corrigir o malfeito. Não é a regra que precisa ser revista, mas o procedimento na aplicação. A lei é claríssima quanto a quem tem direito e sob quais condições os passaportes devem ser concedidos.

O que se impõe ao novo chanceler não é a exposição de subterfúgios. É a explicação clara a respeito do que acontece no Itamaraty, há quanto tempo grassa a anarquia e por quais motivos a diplomacia brasileira funciona ao molde de uma confraria de privilégios, como ocorre no Congresso.

Antonio Patriota não estreia bem a função quando sai pela tangente e, assim, se alia aos arautos da tese de que a banalização do documento diplomático é uma irrelevância diante de tantos e mais sérios problemas a serem resolvidos no Brasil.

O País de fato tem muito a resolver. A diplomacia, celebrada como uma das mais competentes, profissionalizadas e avançadas áreas do Estado brasileiro, daria uma enorme contribuição ao farto cardápio de providências se incluísse entre suas prioridades a preservação da excelência do Itamaraty, no lugar de rebaixá-lo à companhia das demais mazelas nacionais.

Cenografia. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, não "diverge" do ministro da Fazenda, Guido Mantega, na questão do salário mínimo da perspectiva do governo, mas sob a ótica do político que depende de votos e por isso, assim como os nobres colegas (dele), dá-se ao desfrute da demagogia.

Causa e efeito. Não é para rir nem para chorar, é de se lamentar a politização da tragédia alheia por causa das chuvas: se o governante é de um partido aliado a x, atribui-se tudo ao infortúnio dos chamados fenômenos naturais; se é de outro correligionário de y, a culpa é da incúria administrativa e da insensibilidade social.

De verdade é tudo isso em todos os casos, acrescentando-se anos de negligência, o jogo de empurra, a arte de tirar o corpo fora, a imprevidência, a indiferença ao mérito, a politicagem barata, a corrupção e a ausência de uma relação de causa e efeito entre a incapacidade dos governantes de impedir que as chuvas de todos os anos resultem em catástrofes e o resultado da eleição mais próxima.

Na real. O mundo girou, a Lusitana rodou e das revelações diplomáticas do WikiLeaks nada de fundamental restou.

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