segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A inflação no topo da agenda:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

Os indicadores econômicos do último trimestre de 2010 começam a ficar disponíveis e apontam para uma mudança na agenda de prioridades no chamado mundo emergente. A preocupação maior nos próximos meses não será mais a consolidação da recuperação da atividade e sim a preservação de um ambiente de inflação baixa. E os mercados financeiros já acordaram para esse fato.

A inflação já é um problema grave em países como a China, a Russia, a India e o Brasil. Embora o grande vilão seja a elevação dos preços de alimentos em função do fenômeno La Nina, claramente existe hoje uma componente de defasagem entre oferta e demanda de outros produtos primários como petróleo, minério de ferro e cobre. Os preços em dólares dessas commodities - menos o petróleo - já estão no mesmo nível de 2007 quando a inflação representava um problema para todos.

Esse cenário não ocorre ainda no mundo desenvolvido em função da menor relevância dos preços dos alimentos na cesta de consumo do cidadão médio. Números recentes mostram nos Estados Unidos uma participação de algo como 16% dos alimentos no CPI contra 23% no Brasil, 35% na China e mais de 40% na Índia. Além desse peso menor dos alimentos, a economia americana convive também com uma demanda enfraquecida pelos elevados níveis de desemprego. Por essa razão, os Estados Unidos, Europa e Japão estão ainda fora do circuito das economias que estão passando por essa mudança de prioridades na agenda econômica de curto prazo.

Mas no mundo emergente o quadro é diferente. A demanda agregada dessas economias já superou os níveis que prevaleciam antes da crise. Não por outra razão estamos assistindo a essa pressão brutal sobre preços de alimentos em uma situação de oferta prejudicada por questões climáticas. A combinação desses fatores externos com questões internas de excesso de demanda, está forçando os Bancos Centrais desses países a iniciar um novo ciclo de elevação de juros. É o velho e eficiente instrumento, o de moderar a demanda interna via política monetária, de volta ao topo da agenda.

A combinação de fatores externos e internos está forçando os BCs dos emergentes a retomar a elevação dos juros

Esse quadro de inflação comum a várias economias emergentes apresenta variações em função de circunstâncias internas particulares de cada país. Tomemos o exemplo do Brasil que me parece ser um dos casos potencialmente de maior dificuldade de ajuste. Embora a participação dos alimentos na cesta de consumo seja menor do que em outras economias emergentes - e a política de preços da Petrobras represente um anteparo aos efeitos de alta do petróleo nos mercados internacionais -, outras variáveis microeconômicas tornam a questão da inflação mais difícil de ser enfrentada. E quais são essas outras variáveis?

A primeira e a mais importante delas é o mercado de trabalho, com uma situação de pleno emprego na prática. Com isso o hiperativo sistema sindical brasileiro consegue impor uma correção generalizada dos salários acima da inflação passada. Agrava ainda esse quadro a verdadeira batalha que ocorre nas empresas privadas para manter seus quadros técnicos mais qualificados. Em um ambiente de sólido otimismo em relação à renda futura e de crescimento da oferta de crédito, os brasileiros continuam a aumentar seus gastos. Os dados de vendas ao varejo de outubro passado mostram isso de maneira clara.

Além dessa dinâmica do lado do consumo privado, os gastos do setor público continuam em ritmo elevado, reforçando o crescimento da demanda interna. Também o investimento - privado e das estatais federais - cresce a taxas elevadas e assim deve continuar por todo o ano. Os setores de petróleo e de energia elétrica devem aumentar a velocidade de seus gastos com o amadurecimento da exploração do pré-sal e o início das obras das duas hidrelétricas do rio Madeira.

Temos, portanto, uma situação muito particular no Brasil com três forças independentes pressionando simultaneamente os preços internos: uma demanda super excitada em função dos elevados níveis de consumo e investimento (*), a limitação de oferta de importantes insumos de produção como mão de obra e energia elétrica mais barata (**) e o choque externo dos preços de alimentos com a taxa de câmbio estabilizada pela intervenção do governo.

Para os que ainda guardam na memória o que aconteceu em 2007 e primeiros meses de 2008, a dinâmica da inflação hoje é pior por três razões pelo menos. A primeira é que o real naquele momento vivia ainda um processo de valorização em relação ao dólar; em segundo lugar os gastos do governo - consumo e investimento - eram bem menores do que hoje. Finalmente, a situação do mercado de trabalho era bem mais folgada, com a taxa de dezembro por volta de 8% da força de trabalho.

Pouco antes da crise de Wall Street esfriar a economia brasileira em junho de 2008, a expectativa de aumento dos juros pelo Copom já tinha chegado a 400 ou 500 pontos. E agora? Será que 200 precificados hoje pelo mercado serão suficientes?

(*) investimento público, inclusive estatais e privado

(**) o aumento da oferta de energia elétrica hoje é majoritariamente térmica e pelo menos 30% mais cara do que a gerada por hidrelétricas;

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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