sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Mudanças estão em curso, mas sem direção:: Cristian Klein

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Se alguém não tem opinião formada sobre a reforma política, não vai errar se falar mal dos suplentes biônicos de senadores. É um dos maiores defeitos da democracia brasileira. Até agora contam-se dez vagas - entre as 81 - que, a partir do início da próxima legislatura, em 1º de fevereiro, serão ocupadas por quem não teve um voto sequer. Inclui-se aí o Lobinho, herdeiro da vaga do pai, Edison Lobão (PMDB-MA), que foi para o Ministério das Minas e Energia.

Também pode criticar outro problema grave de representatividade: a velha desproporção entre o número de deputados federais que os Estados têm e o tamanho de suas populações. São Paulo, com 30,3 milhões de eleitores, elege 70 parlamentares. Roraima, com 271 mil, conta com uma bancada de oito. O resultado é que o voto paulista vale quase 13 vezes menos que o do cidadão do Norte.

São distorções bem conhecidas, mas jamais contornadas seja pelos interesses da própria classe política ou de um conflito federativo que favorece os Estados menores. Quando o assunto chega ao Senado, o poder de voto das unidades da Federação é igual e facilita a formação de uma majoritária coalizão de veto.

Em seu discurso de posse, Dilma Rousseff indicou, como já virou praxe entre os mandatários, a disposição de encampar duas bandeiras que se tornaram um mantra: a reforma tributária e a política. Em comum, as duas têm o fato de serem quimeras à espera de conteúdo. De que reforma estamos falando? Cada cabeça tem sua fórmula ideal. Em menos de 15 dias de governo, contudo, Dilma deu meia volta e anunciou, anteontem, que não fará esforço para aprovar mudanças polêmicas, desgastantes.

No caso da reforma política, talvez até melhor que seja assim. Grandes alterações na engenharia institucional têm sido debatidas há anos: lista fechada, voto distrital, distrital misto etc. São geralmente inspiradas por visão idealizada de modelos de outros países, sem levar em conta a tradição e a cultura política brasileira.

Não que o Brasil não precise de reformas. Carece de muitas, porém pontuais, o que não significa que não tenham impacto relevante. Na verdade, uma reforma política silenciosa já está em andamento.

A classe política padece de um corporativismo atávico, da dificuldade de consenso numa correlação de forças ainda não hegemônica e do seu ritmo decisório mais lento. Diante do impasse, cria-se um vácuo preenchido cada vez mais pelas decisões do Judiciário, que se convencionou chamar de "judicialização da política".

O Legislativo abdica de legislar e dá no que dá. Para o bem ou para o mal. Um dos casos mais emblemáticos da judicialização foi a decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2007, de que os mandatos pertencem aos partidos e não aos políticos.

O caso mais recente está em plena efervescência. Como consequência da mesma decisão, o STF concedeu, em dezembro, uma liminar cujos efeitos estão causando um tremendo imbróglio político-jurídico que pode levar à extinção das coligações partidárias eleitorais.

Ao analisar um caso levado à Corte pelo PMDB, o Supremo entendeu que só um suplente do mesmo partido pode substituir o titular quando o parlamentar deixar sua vaga em aberto. Pelo critério tradicional, em vigor há décadas, os suplentes são tirados da lista dos mais votados da coligação, que funciona como um único partido. Como há dúvidas se a decisão do STF tem efeito vinculante, a Câmara e as Assembleias nos Estados estão fazendo suas próprias interpretações, gerando uma confusão na qual os suplentes prejudicados recorrem à Justiça.

Mais do que isso, a decisão torna as coligações eleitorais - já tão criticadas - sem sentido. Ao menos as seladas para as disputas proporcionais.

As coligações sempre estiveram entre os alvos preferenciais de reforma. A crítica mais frequente é que não ajudariam em nada o fortalecimento dos partidos. Na eleição, momento importante para a afirmação de identidade, elas colocariam as agremiações num mesmo balaio, muitas vezes sem consistência ideológica.

A principal motivação para se formar uma coligação não é a afinidade de pensamento entre os partidos. Mas os ganhos mútuos obtidos pelos partidos grandes - cuja intenção é replicar a aliança para a eleição de seu candidato majoritário (prefeito, governador ou presidente) - e os partidos pequenos - cujo objetivo maior é ultrapassar o patamar mínimo de votos (o quociente eleitoral), necessário para se ter direito à distribuição das vagas.

Uma das coordenadoras do livro "Coligações Partidárias na Nova Democracia Brasileira - Perfis e Tendências" (Unesp/Fundação Konrad Adenauer), lançado no ano passado, a cientista política Silvana Krause, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, critica o entendimento do STF. Para ela, a decisão não fortalece os partidos, como desejado. Pelo contrário, os enfraquece, pois permite que um candidato sem expressão da legenda, com poucos votos, seja puxado de posições inferiores da coligação e chegue ao Parlamento.

"O problema não são as coligações, mas a falta de obrigação depois, já que os partidos não atuam juntos no Legislativo", afirma.

Krause refere-se à necessidade da criação das federações partidárias, que substituiriam as coligações. Pela última grande e derrotada proposta de reforma política no Congresso, as federações obrigariam os partidos que concorreram juntos a atuar como um bloco parlamentar durante três anos após as eleições.

Para David Fleischer, da Universidade de Brasília, o melhor seria abolir de vez as coligações para as disputas proporcionais, já que, em sua opinião, elas só servem para facilitar a sobrevivência dos partidos nanicos.

"Nas eleições majoritárias, são necessárias. A extinção, neste caso, seria antissistêmica, dificulta a governabilidade", afirma.

Fleischer é autor de um dos artigos do livro, que analisa o impacto da verticalização. A medida, que vigorou nas eleições de 2002 e 2006, dobrou o número de coligações e foi outro episódio polêmico do confronto entre o Legislativo e o Judiciário em torno de uma reforma política, a rigor, talvez nem tão silenciosa, mas, definitivamente, sem direção.

Cristian Klein é repórter de Política. A titular da coluna, Maria Cristina Fernandes, está em férias

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