domingo, 23 de janeiro de 2011

A opção de Dilma pelo varejo :: Suely Caldas

Tem lógica a estratégia pragmática, que Dilma Rousseff parece decidida a seguir, de priorizar o envio ao Congresso de medidas pontuais em substituição a grandes projetos. A experiência dos últimos 16 anos de tramitação de reformas e projetos abrangentes na Casa funcionou na gestão de FHC, mas se esgotou com o tempo e Lula tratou de liquidá-la ao institucionalizar o método toma lá dá cá de saciar o inesgotável apetite de parlamentares oportunistas e aproveitadores para aprovar qualquer coisa. Dilma quer trocar o atacado pelo varejo, de preferência sem muito alarde.

Segundo assessores, ela avalia que a aprovação de grandes projetos envolve custos políticos bem maiores do que os benefícios gerados. Por isso prefere fragmentar, identificar carências pontuais, definir prioridades e seguir passo a passo, em vez de tentar aprovar tudo de uma só vez, arriscando multiplicar a ação de lobbies e de seus sócios parlamentares, prolongar indefinidamente a tramitação e transformar as reformas em monstrengos inúteis. Foi o que aconteceu com as reformas da Previdência de Lula, até hoje não implementada, e a tributária, abandonada. A estratégia do varejo teria também a vantagem de aprovar por lei ordinária e maioria simples matérias relacionadas às reformas, mas que não necessariamente mudam a Constituição, dispensando a maioria de três quintos na votação.

Há lógica no pragmatismo de Dilma. Afinal, ela passou quatro anos assistindo a morrerem projetos de que o País precisa para se modernizar, reduzir o custo da produção e dar eficiência e agilidade ao desenvolvimento. Agora que chegou à Presidência, ela tem pressa, não quer repetir a experiência fracassada. Mas será que seu método vale para tudo? Há contraindicações?

Primeiro, se quer alcançar seu objetivo, Dilma não pode repetir o que foi o mais primário, amador, rasteiro e maior erro político do governo Lula: o mensalão, a propina, a mesada para subornar e domesticar parlamentares. Por ter sido no início do primeiro mandato, o caso e seus desdobramentos inviabilizaram reformas nos oito anos de Lula. A previdenciária não avançou, dependia de regulamentação, e a sindical e a trabalhista morreram nas mãos de Osvaldo Bargas, um sindicalista amigo de Lula, flagrado entre os aloprados. O pouco que restou da tributária não tinha a menor chance de passar no Congresso sem ser ainda mais mutilado. E a política nem sequer foi cogitada. Para aprovar qualquer matéria de porte no Congresso, Lula aceitou a chantagem, a barganha de votos e viciou parlamentares a usar o poder de legislar para levar vantagem e rejeitar outro tipo de convívio.

Mais do que um crime contra o erário, o caso representou um método condenável de cooptar o Congresso que fracassou, mas seu pior legado foi o enorme retrocesso político-institucional.

Para inverter esse retrocesso, contestar esse método, Dilma deve ser dura, firme, decidida e inabalável. É o necessário e o que o País espera de uma mulher na Presidência. Pressões e chantagens virão e ela precisa responder à altura, mostrar que está disposta a não ceder em defesa do interesse público.

Quanto ao método do varejo, da fragmentação de grandes projetos, é uma estratégia que deve ser testada, mas com cuidado, pois há contraindicações, sim. E a maior delas é o risco de montar estruturas para conceber projetos que atraiam lobbies (nesse caso, estendido a ministros e funcionários do alto escalão), que desviem o foco do bem comum para atender a interesses privados. Como ocorreu com as câmaras setoriais, em que grupos de funcionários, sindicalistas e empresários decidiam bondades tributárias e fiscais para si em detrimento do interesse público.

Nesses primeiros dias de governo, Dilma tem marcado sua diferença em relação a Lula. Por enquanto mais em estilo e discurso do que em ações. O adiamento da compra de 36 aviões de caça para a FAB foi além do discurso. Se seguir essa linha na relação com o Congresso e nas nomeações do segundo escalão, a diferença vai provar que ela realmente optou pelo País.

Jornalista e professora de Comunicação da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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