segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Oposição se articula para fim da ditadura no Egito

Prêmio Nobel egípcio pede saída de Mubarak e se aproxima de muçulmanos

Uma semana após o início dos protestos no Egito, a oposição prepara-se para a queda do regime de Hosni Mubaraki e, dividida, briga pela liderança de um governo de transição. O Prêmio Nobel da Paz Mohamed El Baradei, o líder mais conhecido no Ocidente, deixou a prisão domiciliar e pediu a saída imediata do presidente, em discurso na Praça Tahrir, epicentro dos protestos no Cairo. Acompanhado por militantes da Irmandade Muçulmana, lançou-se como líder da transição, mas foi ignorado pela principal coalizão oposicionista, que divulgou manifesto propondo uma Assembléia Constituinte. Já o ditador se reuniu com os militares e ampliou o toque de recolher, mais uma vez ignorado pelos manifestam que voltaram em massa às ruas, informa Fernando Duarte.

A REVOLUÇÃO DO MUNDO ÁRABE

Dividida, oposição mostra força

ElBaradei dá como certa queda da ditadura no Egito, e coalizão publica manifesto

Fernando Duarte

Passada uma semana do início dos violentos protestos do Egito, o presidente Hosni Mubarak ainda tenta se agarrar ao poder, e ninguém sabe que lado o Exército - cujos tanques estão nas principais ruas do país - vai tomar em meio ao impasse. No exterior, EUA e União Europeia subiram o tom nas críticas ao regime. Já a oposição interna aborda o fim dos 30 anos de ditadura como algo sacramentado, ainda que haja sérias divisões dentro do movimento. De um lado, o advogado Mohamed ElBaradei, vencedor do Prêmio Nobel da Paz 2005 e ex-presidente da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), e que não é filiado a nenhum partido. Na outra ponta, uma coalizão de legendas de oposição, autora de um manifesto, divulgado ontem, que explicitamente excluía ElBaradei, pois o texto ressaltava o apoio a uma transição onde nenhum indivíduo teria poderes especiais.

A ressalva representa uma ducha de água fria à oferta feita por ElBaradei - na semana passada, ele manifestou seu desejo de liderar a transição para o regime democrático. Embora seja dono de um imenso prestígio internacional, o advogado enfrenta o ressentimento da oposição egípcia. Muitos políticos o associam ao atual regime, por Mubarak ter apadrinhado sua indicação para a AIEA. E, também, por ter retornado ao país somente após as primeiras grandes manifestações nas ruas.

- Nós todos respeitamos Mohamed ElBaradei. Estamos unidos a ele na demanda por reformas democráticas e pelo fim de um regime opressor. Mas ele não pode chegar agora querendo comandar a oposição depois de se ausentar de manifestações em que líderes partidários saíram às ruas sem saber se levariam tiros e onde receberam pancadas e gás lacrimogêneo - criticou Hossam El Khouly, membro do Comitê Executivo do Al Wafd, o mais antigo partido egípcio (fundado em 1919) e integrante da coalizão oposicionista.

Obama conversa com liderança árabe

ElBaradei, no entanto, mostrou ontem obter vantagem no quesito carisma. Ele reforçou seu engajamento ao aparecer em meio aos manifestantes na Praça Tahrir, no centro do Cairo, provocando histeria. Tamanha foi a comoção que o advogado, supostamente em prisão domiciliar desde sexta-feira, quase não conseguiu cumprir a promessa de discursar no local. Usando um megafone, tentou manter o ânimo da população pedindo-a para continuar nas ruas, apesar de mais um dia de toque de recolher e da recusa de Mubarak de deixar o poder.

- Ninguém vai poder parar o que vocês começaram nos últimos dias - exaltou. - Todos nós queremos o fim do regime, e hoje (ontem) estamos começando uma nova era. Vamos dizer ao presidente que ele precisa deixar o país o mais rápido possível para que possamos seguir adiante.

O advogado, porém, não foi o única ignorado no manifesto da coalizão oposicionista. Na solenidade de ontem, realizada na sede do Al Wafd, no bairro de Gizé, também se notou a ausência de representantes da Irmandade Muçulmana, o principal grupo político-religioso do país, cuja possibilidade de ascensão, devido a seu respaldo junto aos mais pobres, preocupa os setores seculares.

No entanto, é difícil imaginar uma reforma que não inclua um maior reconhecimento da Irmandade, a quem especialistas atribuem o aumento da quantidade de manifestantes nas ruas. Houve um grande acréscimo no contingente de revoltosos desde os primeiros dias, quando os líderes do grupo não deram apoio formal ao movimento.

Desde sexta-feira, quando a Irmandade finalmente engrossou as fileiras dos protestos, é comum ver a população interromper seus gritos de ordem para rezar, um gesto respeitado até pela polícia de choque nos enfrentamentos. Ontem, na Praça Tahrir, integrantes do grupo muçulmano tentavam organizar a multidão para que ouvissem o discurso de ElBaradei, o que sugere uma possível aliança à frente.

Embora o domingo tenha sido bem menos tenso do que os dias anteriores, nem por isso as autoridades egípcias deixaram de lado as tentativas de intimidação dos manifestantes. O governo anunciou nova ampliação no horário do toque de recolher - a partir de hoje, ele vigora das 15h às 8h (entre 11h e 4h, no horário de Brasília).

No fim da tarde, quando a multidão se aproximava da Praça Tahrir, principal palco dos protestos, caças da Força Aérea e um helicóptero de combate sobrevoavam o centro da cidade. As TVs egípcias também divulgaram imagens de uma visita do presidente a um centro de comunicações militares, algo interpretado como uma tentativa de mostrar controle sobre as Forças Armadas, em meio a relatos de deserções e debates entre oficiais.

- Há certamente divisões entre os militares. Do contrário, teríamos visto tanques na rua desde o primeiro dia - avaliou Yassin Tageldin, vice-presidente do Al Wafd. - Está cada vez mais claro que Mubarak tem os dias contados.

O manifesto de ontem reivindicou a criação de uma Assembleia Constituinte, responsável por assegurar a alternância de poder. A transição seria comandada pelo relator do Parlamento egípcio, Fathi Sorour, que permaneceria à frente do país até as eleições presidenciais, no fim do ano. O pleito caminha para deixar de ser um mero jogo de cena sempre usado por Mubarak e seu Partido Democrático Nacional para se manterem no poder.

Ontem, Cairo continuava sem acesso à internet. Houve também relatos de que a polícia, sumida após os enfrentamentos com a população, estaria voltando às ruas de parte da capital. Este retorno poderia gerar tensões junto ao Exército, que assumiu a missão de garantir a segurança das principais cidades do país.

Os militares, porém, não conseguiram impedir a fuga de detentos do presídio de Abu Zaabal, no Cairo, que teria ocorrido no sábado. Pelo menos oito pessoas já fugiram do país pela Faixa de Gaza.

O responsável pelo terminal de Rafah, em Gaza, Ghazi Hamad, afirmou à agência AFP que o posto fronteiriço ficará fechado "por vários dias". Ainda de acordo com ele, os guardas do setor egípcio, receosos com a onda de violência, não trabalham desde quarta-feira. Já o movimento islâmico Hamas, que controla o terminal, reforçou o patrulhamento na região.

Ontem, o presidente dos EUA, Barack Obama, conversou sobre a crise egípcia com autoridades de países árabes: o rei saudita Abdullah, o premier israelense Benjamin Netanyahu e o primeiro-ministro turco Tayyip Erdogan. Já o secretário de Defesa americano, Robert Gates, conversou com seu colega egípcio, o ministro Mohamed Hussein. O Pentágono não divulgou detalhes sobre o diálogo.

A instabilidade política provocou uma correria para o Aeroporto do Cairo, mas quem chegava ali - muitos sem reservas - testemunhava um número crescente de voos sendo cancelados, inclusive pela falta de tripulação. O aeroporto, que era motivo de orgulho do governo, lembrava um campo de refugiados com piso de mármore. Muitos viajantes estão lá há dias e alguns, doentes, tiveram de receber atendimento médico.

FONTE: O O GLOBO

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