segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A primeira semana de Dilma Rousseff::Marcelo de Paiva Abreu

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O balanço da primeira semana do governo Dilma Rousseff não contribuiu para diminuir a incerteza quanto ao que se pode esperar à frente. Sua posse - especialmente sua postura na posse - foi digna e fez pensar sobre as voltas que o mundo dá também na política. Que uma ex-prisioneira do regime militar se tenha tornado a primeira mulher a ocupar a Presidência da República é uma demonstração de consolidação da democracia no País e deveria emocionar mesmo os corações mais duros.

Embora a data de 1.º de janeiro fixada constitucionalmente não ajude muito, a lista de autoridades presentes na posse poderia sugerir que, afinal, as parcerias estratégicas brasileiras têm valor relativo, se aferidas pelo nível das representações enviadas a Brasília. Nem os parceiros dos Brics (Rússia, Índia, China), nem a Argentina - principal parceiro no Mercosul -, nem a França - "parceira estratégica" aeronaval -, foram representados por seus líderes mais proeminentes. E nem todos estavam de luto. A ausência deles não significa que essas parcerias sejam necessariamente problemáticas, mas sua presença certamente teria sublinhado a importância do Brasil na agenda de nossos parceiros. O caminho é longo para que o País se afirme como parceiro a levar em conta.

Os discursos de posse de Dilma e de seus ministros incluíram mensagens contraditórias. Quanto à política exterior, foi, por exemplo, enfatizada a continuidade da política externa, em contraste com as qualificações feitas em entrevista da presidente eleita quanto à revisão da relação com o Irã e uma possível reaproximação com os EUA.

No terreno econômico-financeiro, as menções à prioridade que poderá ter o corte de gastos públicos não foram totalmente convincentes. De que forma o problema será abordado por uma equipe econômica que é essencialmente a mesma do mandato anterior e no passado, ao enfrentar a opção entre as alternativas, sempre tendeu a não escolher e a aceitar aumento de gastos? A lamentável disputa dos partidos da coalizão por postos no novo governo parece indicar um escasso compromisso político com qualquer corte relevante. A convergência fisiológica do PT rumo ao PMDB é deprimente e parece longe de ater-se ao "baixo clero".

O discurso de posse de Garibaldi Alves Filho no Ministério da Previdência Social foi emblemático. Depois de reconhecer as limitações de seu próprio currículo, o novo ministro não deixou de mencionar possíveis modificações das regras sobre o fator previdenciário e ajustes pontuais. Nada que indicasse compromisso com reformas estruturais que reduzam o déficit previdenciário no longo prazo. Nem mesmo a retomada da regulamentação das aposentadorias do setor público. Ministros não precisam ser necessariamente técnicos, como mostra a experiência de regimes parlamentares, nos quais todas as Pastas são ocupadas por parlamentares. Mas devem ser capazes de consultar ampla gama de técnicos e propor alternativas. Tal como em boa parte dos outros discursos de posse ministeriais, o clima foi aquele descrito por nosso herói, o Barão de Itararé: "De onde menos se espera, é daí mesmo que não sai nada."

Em contraste, o discurso do novo presidente do Banco Central (BC) foi animador, indicando persistência nos bons propósitos e ampliação de ambições quanto ao controle futuro da inflação. Resta saber em que medida tais expectativas são compatíveis com a possível, e até mesmo provável, continuidade da indisciplina fiscal. Nesse quadro, a previsão mais realista é que se mantenha a tensão entre o BC e o resto da equipe econômica, com a responsabilidade pelo respeito às metas de inflação concentradas na política de juros.

Na esteira dos juros altos - explicados em grande medida pela incontinência fiscal - e da entrada de investimento direto estrangeiro, continuará a pressão por apreciação do real, afetando a competitividade da indústria instalada no País. O arsenal para contrabalançar a apreciação cambial na forma de intervenção nos mercados spot e futuro, tributação e aumento da viscosidade de movimentos de capital é, sabe-se, pouco eficaz.

As pressões para assegurar "isonomia" à indústria nacional na iminência de alegado processo de desindustrialização se intensificam. Propõe-se a proliferação de ações antidumping, sem levar em conta que sua implementação requer a constatação de que há dumping efetivo. Tarifas de produtos como brinquedos que se beneficiam de um lobby hiperativo foram aumentadas para 35% - teto declarado pelo Brasil na OMC. Para as indústrias automotiva e eletroeletrônica são aventados maiores índices de nacionalização de partes e componentes. A legislação sobre compras de empresas estatais aumentou a margem de preferência para produtores nacionais.

A redução de gastos públicos é elemento crucial para viabilizar a redução da taxa de juros e, consequentemente, reverter a apreciação cambial. Uma reforma tributária poderia ajudar. Isso bloquearia o avanço do protecionismo com redução dos preços praticados no Brasil. Não há receita milagrosa para uma reversão "administrada" da apreciação cambial. Em pouco tempo o novo governo deixará claro qual caminho resolveu seguir.

Doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de economia da PUC-Rio

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