quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Um contencioso transpôs o governo Lula:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A troca de comando já foi "precificada"

A mudança de governo não produziu a superação de fortes, e para alguns injustificados, contenciosos que, inclusive, vinham se agravando no segundo semestre do ano passado. Um dos mais notórios são as difíceis relações do governo Lula com Roger Agnelli. Dificuldades relembradas, nos primeiros dias do ano, pela presença do presidente da Valeem cerimônias de posse e transmissão do cargo em Brasília.

Embora tenha sido uma participação muito comemorada e cercada de agradecimentos, sempre, Agnelli não deve ter deixado de perceber, ao circular pelos salões e gabinetes, que os ruídos na sua conversa com Lula permaneceram no atual governo, sendo possível prever um desenlace a qualquer momento, com a troca de comando da empresa.

O governo Dilma tem a mesma visão que tinha o governo Lula com relação à Vale. Assim, informam interlocutores políticos da presidente, permanece o mesmo tipo de restrição à concepção que preside os negócios da empresa.

Fontes do novo governo comentam que a discussão se dava, antes, e permanece, agora, em torno do papel estratégico da Vale. O ex-presidente tinha uma certeza, segundo seus intérpretes, de que a Vale deveria participar do esforço para impulsionar a economia brasileira degraus acima. Poderia, por exemplo, com grande adequação, fazer usinas siderúrgicas no país, em vez de apenas produzir minério de ferro.

Essa avaliação, creem as autoridades, é consensual com os governadores, de antes e de agora, do Pará. A ex-governadora Ana Júlia Carepa e o atual governador Simão Jatene, segundo análises feitas no âmbito do governo federal, avaliam do mesmo modo a ação da empresa e a conclusão não é favorável. Ambos têm reclamações fortíssimas, acham que a Vale é apenas produtora de buracos, o que, nessas considerações ouvidas em palácios, é até às vezes considerada uma conclusão injusta. "Hoje, a Vale até fecha o buraco e faz recuperação ambiental", comenta um dos críticos.

Mas a realidade projeta antagonismo mais amplo. "Tirar o que pode, sem pagamento de royalty, sem imposto, sem nada, exportar o aço, vender o minério, tudo sem um ínfimo retorno ao Estado, não dá para superar", avalia um dos intérpretes das avaliações que são feitas no governo. A mesma argumentação que orientava a insatisfação do ex-presidente Lula.

A Vale, segundo esta análise, jamais fez questão de atender às expectativas: "Se está me pagando imposto, começo a gostar, mas, não, todos somos obrigados a aceitar as imposições da empresa".

Não é de agora que os governadores têm essa avaliação, os anteriores também a tinham, revelam as avaliações em poder do Planalto. O Pará, dizem os interlocutores do governo federal, origem de grande parte da exportação de minério, não leva nenhuma vantagem. A Vale tem uma reconhecida política de responsabilidade social, mas se nega a ter participação maior pretendida pelos chefes do Executivo estadual.

Lula, por várias vezes, disse à empresa que não havia cabimento só exportar minério, era preciso industrializar o país, produzir aço, diz uma fonte com acesso às negociações ao longo dos últimos meses. Exatamente a mesma visão do novo governo que tomou posse anteontem.

Não se identificam nuances significativas nas posições da presidente Dilma com relação ao assunto. Mesmo os petistas do governo não afinados com a ala mais à esquerda no partido acreditam que a Vale poderia ter tido maior sensibilidade.

O diálogo que foi possível estabelecer com a Petrobras, segundo interlocutores do governo, não serviu de exemplo para as relações com a Vale. As siderúrgicas, também, não reagiram às novas propostas, não querem aumentar sua capacidade produtiva. "Acham que está bom assim, têm o domínio do mercado, quando precisam, importam."

As autoridades já não demonstram preocupação com as consequências da substituição da direção da Vale e acreditam que não há tensão, nem mesmo na empresa, quanto à data em que ela ocorrerá e quem vai para o lugar de Roger Agnelli. O assunto já está sendo tratado abertamente, e o foi em mais de uma roda das solenidades de posse do novo governo.

"O mercado já precificou isso [a saída do executivo]", disse um ministro que conhece o problema. Na recepção da posse da presidente Dilma Rousseff, no Itamaraty, um dirigente de fundo de pensão sócio da Vale dava como certa e iminente a troca de comando, também considerando que isto ocorreria sem maiores traumas ou reações.

O substituto, segundo comentários de integrantes do governo, não será um executivo que caracterize intervenção indevida do governo federal na empresa, que, apesar da maciça participação acionária de entidades da União, é privada. "Não se trata de estatizar a administração da Vale. É uma empresa privada, nós somos grandes acionistas, o BNDES tem 25%, os fundos de pensão outro tanto, temos o direito de influenciar sem sermos criticados por isso", argumentou.

Consideram-se que as reações têm sido exageradas pois até acionistas minoritários, que detêm 5% do capital de uma empresa, podem ter representante no conselho de administração "e gritar à vontade". Se eles podem falar, por que não o governo que tem participação ampla?

Roger Agnelli é bom administrador, saudado como amigo por importantes ministros do governo, é bem-sucedido, e poderia ter feito uma inflexão na sua administração, acredita um assessor que acompanhou de perto as negociações entre o governo e a empresa. "Teria sido bom para o país e para a Vale, mas ele preferiu não fazer", diz a mesma autoridade.

O Código de Mineração, segundo um especialista, sofrerá alterações profundas para conter regras que garantam ao governo ter a influência que pretende exercer nesta política. Pretende-se, ainda, criar normas mais restritivas para os concessionários de exploração mineral.

Todas as mudanças poderiam ter sido feitas com Agnelli, segundo as avaliações. "Ele poderia ter feito um gesto, cedido em algo, tem um espaço importante no mercado, privilegiado na mídia, muita força, daria tudo certo. Poderia ter feito", lamentam. As mudanças não foram feitas, com Agnelli, segundo a mesma avaliação, simplesmente porque ele não quis.


Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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