segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia – José Serra

Sabe quanto custa ao Brasil manter as reservas externas? R$ 27 bi em 2010. O dobro do orçamento do Bolsa Família. Por que isso? Porque as reservas em dólares não rendem quase nada lá fora. E, para "comprá-las" com reais, o governo paga a maior taxa de juros do mundo.

José Serra, Twitter, 26 fevereiro. 2011.

O salário mínimo e a judicialização da política:: Luiz Werneck Vianna

A controvérsia sobre o salário mínimo escapou dos gabinetes palacianos, onde foi objeto de acordo, em 2007, entre o governo Lula e as centrais sindicais, ganhou o Parlamento, submetida à votação nas duas Casas congressuais, e por pouco não atingiu as ruas. Agora, tudo indica, a se confiar nas declarações transcritas pelos jornais de líderes políticos da oposição, que mudará de arena, migrando para o Poder Judiciário por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) a ser impetrada por eles no Supremo Tribunal Federal.

A matéria dessa ação não diria respeito aos aspectos substantivos - o valor do salário mínimo -, e sim aos procedimentais, uma vez que o artigo 3º da lei aprovada delega ao Executivo, nos próximos três anos, mediante decreto, a fixação do mínimo conforme fórmula prevista nesse novo diploma legal. Na leitura dos partidos minoritários, tal delegação significaria uma usurpação de poder do Legislativo em favor do Executivo, vindo contra disposições expressas da Constituição, que, no seu artigo 7º, inciso IV, dispõe que o salário mínimo deve ser fixado por lei. A maioria defende a constitucionalidade da nova lei, sustentando que os futuros decretos presidenciais sobre o valor do mínimo apenas cumpririam a vontade já expressa do legislador.

Como se vê, a controvérsia imprevistamente mudou de forma, deslocando-se do plano econômico-corporativo para o político-institucional, quando passa a admitir a arbitragem do Judiciário, o Tertius constitucional. Mais um caso, entre tantos, na moderna democracia brasileira, do assim chamado processo de judicialização da política, recurso hostilizado por alguns em nome de presumidas filiações ao republicanismo da Revolução Francesa de 1789, que teria fixado como princípio dogmático o império da vontade majoritária. Além do fato de que esse princípio não foi consensual entre os revolucionários franceses, os contestadores do controle de constitucionalidade das leis por parte do judiciário desconsideram outra robusta tradição republicana, a da revolução americana, que trouxe consigo a sua institucionalização.

Mas, sobretudo, não levam em conta a inequívoca vontade do legislador constituinte brasileiro de abrigar esse instituto no sentido de proteger sua obra de eventuais mutilações, respaldada por uma teoria democrática que admite, como intérpretes da Constituição, filha da soberania popular, entre outros, atores originários da sociedade civil, como os partidos, e as associações empresariais e de trabalhadores.

Certamente este é o caso do ilustre presidente do Senado, José Sarney, o ex-presidente da república sob cujo mandato foi elaborada e promulgada a Carta de 1988, que, ao criticar a iniciativa da oposição, declarou que "chamarmos o Supremo como uma terceira via é uma coisa que deforma o regime democrático", sentenciando "que as questões políticas devem ser resolvidas dentro do Parlamento" (Valor, 25/02/2011, p.10). Essa não é, sem dúvida, uma opinião isolada, merecendo ser ouvida, embora a questão em tela esteja longe de ser bem encaminhada com soluções ao gosto do senso comum.

A emprestar alcance universal ao que preconiza essa declaração, a segregação racial nos Estados Unidos poderia ter resistido, sabe-se lá por quanto mais tempo, às sucessivas tentativas dos parlamentares que combatiam aquele odioso sistema. Notório que, diante dos impasses e das divisões reinantes no sistema político americano, foi o Judiciário quem cortou o nó górdio daquele litígio com suas evidentes, na conjuntura da época, ameaças de guerra civil, em uma solução típica de judicialização da política, que, como se verificou, criou um ambiente de paz nas relações raciais daquela sociedade.

Como anota um conhecido especialista no assunto, a judicialização da política somente encontra campo para sua manifestação em países de regime político democrático, diante de um Judiciário autônomo das instâncias do poder e de franquia, garantida constitucionalmente, das liberdades civis e públicas. A propósito, nessa outra margem do Mediterrâneo, onde agora se alastra o levante de povos inteiros contra regimes autocráticos, vigem mecanismos institucionais que permitam a seus cidadãos exercer o controle de constitucionalidade das leis?

A floração do constitucionalismo democrático nos países de sistema da "civil law", coincide, não por acaso, com a derrota, em 1945, do nazi-fascismo, e com a convicção, então generalizada na opinião pública internacional, de que um sistema de poder com as características desumanas daquele não deveria se repetir. Como se sabe, na Alemanha de 1933, a ascensão do nazismo ao poder transitou sob a chancela do princípio do voto majoritário. A partir daí, sob a inspiração da Declaração de Direitos Humanos, firmada pela ONU em 1948, as democracias ocidentais passaram a positivar em suas constituições determinados valores, materiais e procedimentais, constituindo o que alguns denominam o núcleo dogmático das constituições, e, como tais, não passíveis de derrogação por eventuais expressões da vontade majoritária.

Mas, esse é apenas um dos aspectos das atuais mutações por que passam as relações entre os poderes republicanos, com a emergência, em escala mundial, do fenômeno da judicialização da política. Outro, decisivo, tem sede na própria ação do legislador que, por imperativos da complexidade das sociedades contemporâneas, produz leis com cláusulas de caráter aberto e indeterminado, admitindo o juiz no papel de legislador implícito. E mais tantos outros, inclusive o fato, só na aparência trivial, de que o instituto das ações de controle de inconstitucionalidade "pegou" no Brasil: são cerca de 200 Adins ao ano, e, aliás, o PT, hoje, partido no governo, quando na oposição, foi um dos grandes campeões na sua propositura.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador da PUC-Rio. Escreve às segundas-feiras

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Haja coração!::Ricardo Noblat

"Um governo deve saber conviver com as críticas dos jornais para ter um compromisso real com a democracia" (Dilma)

Arriscar-se? Quem terá peito para tanto? É por isso que quase todos os ministros do novo governo estão discretíssimos. Temem pisar na bola e ser repreendidos pela presidente. Ou pior: perderem o emprego. Conhecem sua fama de mulher de língua ferina. Ouvem falar de episódio memoráveis que ela protagonizou antes de se eleger. E se acautelam.

Por ora – e não se sabe até quando – jogam na retranca. Conversas com jornalistas? Apenas o trivial. Sob o compromisso de não serem citados, até avançam, tímidos. Dão uma dica aqui, outra ali. Assunto mais delicado? Nem pensar. Especulações? Esqueça. É muito perigoso.

Antecipar programas ou projetos em estudo? Nadica de nada. Não que lhes faltem idéias. Mas não se sentem à vontade para submetê-los por antecipação ao crivo do distinto público com receio de ser desautorizados pela inquilina nº 1 da República, a senhora de todas as vontades.

Lula saiu de cena com a fama do chefe sorridente que passava a mão na cabeça dos seus auxiliares. Carões? Só raramente. E ainda assim seguidos de um agrado ou de um pedido de desculpas caso tivesse se excedido. A fama é injusta. Lula costumava ser tão duro com sua gente como Dilma é. Com pequenas diferenças.

Expressões chulas faziam parte do seu vocabulário em conversas reservadas. Dilma não fala palavrões. E mesmo que reconhecesse um erro no trato com subordinados, Lula tinha dificuldade para se desculpar. Dilma não pede desculpas, ponto. Não existe uma alma no governo que tenha ouvido dela um pedido de desculpas.

Em compensação, algumas dezenas de almas foram alvejadas por Dilma com observações depreciativas. Um burocrata importante do governo passado ouviu dela mais de uma vez em reuniões com outros colegas: “Não, fulano, não diga nada. Você só fala besteiras”. O fulano calou-se.

Certa vez, reunida com empreiteiros que cobravam caro pela construção de uma estrada no norte do país, a então ministra cansou-se da discussão, levantou-se da cadeira e decretou: “Vocês têm 10 minutos para se entender e baixar o preço”. Saiu da sala. Voltou sem que tivesse havido entendimento. Dispensou-se de chofre.

Enquanto esteve fora da sala, ela telefonara para o ministro da Defesa e acertara que o batalhão de engenharia do Exército se encarregaria da obra. Os empreiteiros foram embora chupando os dedos. É por essas e outras que o pessoal do primeiro escalão do governo – na verdade de todos os escalões – anda de crista baixa.

Saca aquele tipo de executivo controlador, detalhista, que quer saber de tudo e dar a última palavra sobre qualquer coisa? Assim foi a ministra Dilma. A dela era a penúltima palavra. A última era de Lula. Há quase 60 dias que a última palavra é dela como presidente. E não há o mais remoto sinal de que deixará de ser assim.

A última de Dilma? Novas campanhas de publicidade assinadas por órgãos importantes do governo só poderão ser veiculadas depois do seu “de acordo”. Ela quer discutir o conceito das campanhas, examinar leiaute por leiaute e esmiuçar o plano de mídia. Ou seja: a distribuição dos gastos por veículos.

Há poucas semanas, rejeitou propostas de uma campanha sobre o programa Farmácia Popular apresentadas pelas três agências de publicidade donas da milionária conta do Palácio do Planalto. Desde quando Dilma entende de publicidade? Bobagem! É ela quem manda e pronto.

A farta literatura existente sobre administração de empresas e líderes criativos não reserva elogios a gestores dotados das características e do estilo exibidos por Dilma. Recomenda a delegação de tarefas, o estímulo ao conflito de opiniões e a criação de um ambiente movido a entusiasmo – a medo, nunca.

Mas se você mesmo quiser tirar a limpo a atual temperatura dentro do governo, avise de supetão a qualquer um dos mais de 30 ministros: “A presidente Dilma quer vê-lo de imediato”. Atenção: certifique-se antes que o ministro não é cardíaco.

FONTE O GLOBO

Reforma política: o que mudaria com o ‘Distritão’ ou fim das coligações:: Antônio Augusto de Queiroz*

Sempre que um novo governo assume e o Congresso inicia nova Legislatura, o tema da reforma política ganha destaque no debate e na agenda dos poderes Legislativo e Executivo e também na mídia e na sociedade civil.

O tema é recorrente e já há consenso na sociedade e no Parlamento em relação à necessidade e até a urgência de uma reforma política, mas nenhum acordo a respeito do melhor desenho para os sistemas eleitoral e partidário.

O DIAP, para contribuir com o debate, fez duas simulações com os resultados da eleição para a Câmara em 2010 para mostrar como ficariam as bancadas dos partidos caso não tivesse havido coligação ou tivesse sido adotado o Distritão, a proposta que torna a eleição para a Câmara majoritária. Isto é, seriam eleitos os mais votados.

A diferença entre o sistema proporcional, com ou sem coligação, e o majoritário, (o Distritão), é que na eleição proporcional as vagas são distribuídas de acordo com o quociente eleitoral (divisão do número de votos do partido ou coligação pelo número de vagas do estado na Câmara Federal), cabendo ao partido tantas vagas quantas vezes atingir o quociente eleitoral, enquanto no sistema majoritário são considerados eleitos os mais votados, em ordem decrescente, até o limite de vagas.

A simulação, expressa na tabela abaixo, compara o resultado da eleição, com coligação, como aconteceu; com o sistema proporcional sem coligação; e com o Distritão. Os principais beneficiários nas duas alternativas são os três maiores partidos: PT, PMDB e PSDB.

Entre os partidos médios, PP, PR, PSB e PDT perderiam nos dois cenários; o DEM ganharia com o Distritão e perderia com o fim das coligações, e o PTB empataria no Distritão e perderia com o fim das coligações.

Para os pequenos partidos, com menos de 20 deputados, o fim das coligações ou a adoção do Distritão também seria ruim. O PSC, o PPS e o PRB perderiam com o fim das coligações e empataria com o Distritão, enquanto o PCdoB perderia nas duas hipóteses e o PV perderia com o Distritão, mas ganharia com o fim das coligações.

Já entre os partidos muito pequenos, ou nanicos, como são conhecidos os partidos com menos de cinco parlamentares, ninguém ganharia com o fim das coligações. Perderiam nas duas hipóteses: o PTdoB, o PHS, o PRB, o PRB e o PSL. Ganharia com o Distritão apenas o PSol. O PTC empataria. Ficariam sem representação na Câmara, nas duas hipóteses, o PHS, o PRB e o PSL.

Os atores políticos e sociais, interessados na reforma política, com a simulação consolidada na tabela acima, já têm uma idéia de quem ganharia ou perderia com o fim das coligações e com a adoção do Distritão.

Para outras hipóteses, entre as quais o voto distrital, puro ou misto, ou a lista fechada e bloqueada no sistema proporcional, não seria possível uma simulação com base nos dados da eleição de 2010.

O debate está aberto e deve analisar todas as hipóteses que contribuam para: 1) dar consistência ideológica e programática aos partidos, 2) combater a corrupção, e 3) promover a equidade na disputa eleitoral. Este é o desafio do novo Congresso.

(*) Jornalista, analista político, diretor de Documentação do Diap e autor dos livros "Por dentro do processo decisório - como se fazem as leis" e "Por dentro do governo - como funciona a máquina pública"

FONTE: DIAP

Casa do Sader:: Fernando de Barros e Silva

Emir Sader fez o que estava a seu alcance para abocanhar o Ministério da Cultura. Ganhou de presente a presidência da Casa de Rui Barbosa. Sader faria menos estrago no Ministério da Pesca. Talvez na Secretaria Nacional de Peixes de Águas Rasas -onde gosta de navegar.

O sociólogo, notório defensor do fuzilamento dos dissidentes cubanos pelo regime castrista, em 2003, é figura periférica no governo Dilma. Sua importância é ainda menor que a do colega do Turismo, aquele que pagou a conta do motel com dinheiro da Câmara.

Mas Sader é um ideólogo. E quer transformar a Casa de Rui Barbosa, reputada fundação de pesquisa histórico-literária, num centro de debates sobre o "Brasil para todos".

Na boa reportagem de Paulo Werneck na Ilustríssima de ontem, Sader usa o slogan do governo Lula para defender que a instituição, séria e com reconhecida vocação documental, deve ser politizada em torno de "grandes temas" do país atual. Quando um intelectual sente falta dos "grandes temas" é bom ficar atento: ou se trata de um gênio ou de Emir Sader.

Sua figura é representativa do que há de pior na esquerda: a convivência do oportunismo rasteiro com o ranço stalinista. "É preciso tratar de ter políticas culturais que consolidem na cabeça das pessoas as razões pelas quais o Brasil está melhor", disse ele ao jornal "O Globo". Sader vê o trabalho intelectual como uma mistura de propaganda do poder e catecismo marxista.

Desço agora a um detalhe da reportagem de ontem, onde mora o diabo (ou o ato falho): "Quem diria que aquele nego baiano tem muito mais articulação do que o Caetano?", diz Sader, supostamente elogiando Gilberto Gil. Inverto a ordem da frase, apenas para lhe dar um "realce", sem alterar nada de seu sentido: "Aquele nego baiano tem muito mais articulação que o Caetano, quem diria?". Quem diria que isso é preconceito de...? O leitor julgue por si.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Luz própria :: Denis Lerrer Rosenfield

Passados dois meses do governo Dilma, já é possível uma primeira avaliação, evidentemente preliminar, da nova presidente e de suas medidas. Uma primeira constatação se impõe: ela age com luz própria, abandonando discretamente, mas seguramente, o papel de criatura que lhe estava reservado. As suas diferenças em relação ao governo anterior são visíveis e podem ser classificadas em dois grandes grupos, um de estilo e forma, outro de conteúdo propriamente dito.

No que diz respeito ao primeiro, convém ressaltar as suas raras aparições púbicas, dedicando-se à gestão, o que é certamente a primeira função de um governante. Não mais temos as aparições cotidianas do ex-presidente Lula, que confundia a arte de governar com um palanque eleitoral constante. Esse traço se acentuou nos últimos anos e semanas de seu mandato, como se a ansiedade de ter de deixar o poder lhe atingisse ainda mais. Muitas de suas declarações eram incoerentes e contraditórias. Agora, a mudança de estilo é total, pois a presidente Dilma pesa suas aparições públicas e transmite mensagens por seus assessores e ministros, resguardando a sua própria imagem. Evita conflitos e não traz as brigas para si.

Entende que sua tarefa básica - a de ser a administração - passa por despachos e controle dos ministros, equacionando outro grande problema, o de ministros que agiam em seus domínios próprios como se fossem senhores feudais. Observa-se que os novos (e velhos) ministros agem diferentemente, evitando declarações que destoem do que consideram as concepções da presidente. Na ausência delas, a cautela passou a ser uma virtude.

No que diz respeito ao segundo grupo, há mudanças de conteúdo em curso, embora a nova presidente aja com prudência, para não descontentar o seu mentor. É bem verdade que a mudança de estilo pode ser uma simples mudança de forma, mas ela pode sinalizar também para questões substanciais. Citaria duas que merecem atenção: relações exteriores e ajuste fiscal.

Um dos pontos mais criticados, para não dizer mais detestáveis, do governo anterior foi a conivência com as piores ditaduras do planeta, num desprezo manifesto para com a questão dos direitos humanos. As brincadeiras de péssimo gosto com opositores cubanos e iranianos, alguns à beira da morte, foram o ápice de um processo que em muito contribuiu para macular a imagem externa do País. Hoje, ironicamente, os "amigos" e "irmãos" do presidente Lula estão caindo num salutar efeito dominó nos países árabes e muçulmanos, com seus povos se insurgindo contra seus respectivos tiranos, alguns sanguinários do pior tipo, como Kadafi na Líbia. Quem criticava era porque não entendia nada da política externa brasileira. Os resultados estão à vista, basta perguntar aos povos árabes. Felizmente, a nova presidente não está sendo vítima do oportunismo, pois se levantou contra o apedrejamento das mulheres no Irã, sinalizando concretamente, antes dos levantes árabes, que haveria uma inflexão da política externa brasileira em matéria de direitos humanos.

Outro ponto que merece ser destacado é a sua preocupação com o ajuste fiscal, o que se traduz pelo corte anunciado de R$ 50 bilhões e por uma postura firme na negociação e aprovação do novo salário mínimo. É bem verdade que o corte anunciado não foi ainda detalhado nem se sabe se o atual governo continuará a maquiar suas contas via financiamentos ao BNDES por meio de recursos do Tesouro e outras medidas semelhantes. No entanto, um crédito deve ser dado à nova presidente.

Sobre a negociação do valor do salário mínimo e sua regra de concessão, o novo governo foi firme com centrais sindicais que, no governo anterior, tinham se acostumado a ditar políticas, sendo recebidas no tapete vermelho. Ao não verem mais o tapete estendido, rebelaram-se e alguns dirigentes sindicais chegaram às raias da má educação, num comportamento absolutamente condenável. Alguns não souberam entender a mudança que, no entanto, a médio prazo lhes é muito favorável. O PT agiu com absoluta responsabilidade, atuando como um partido de governo, que não faz oposição a si mesmo. Não houve aqui esquizofrenia, com o partido adotando uma política de responsabilidade fiscal, independentemente de que esta corresponda ou não às suas bandeiras históricas.

Contudo, os tucanos e a oposição em geral deram um triste espetáculo de irresponsabilidade, com prejuízos também institucionais. O que o governo e o PT fizeram foi seguir uma marca do governo Fernando Henrique de responsabilidade fiscal. As oposições, entretanto, que no poder seguiram essa mesma linha, agora, por razões meramente eleitorais, adotaram uma postura infantil, sendo contra para serem simplesmente do contra, nada avançando de substantivo. Não foram politicamente responsáveis. Se tivessem sido, teriam votado com o governo, aperfeiçoando o mecanismo de reajuste, aceitando o valor proposto e abrindo um novo caminho de negociação que tem como valor maior o bem do País.

Se tivessem sido responsáveis, teriam contribuído para um novo panorama institucional. Do ponto de vista das ideias, diria que teriam aberto um campo de "social-democratização", com o PT identificando-se mais com essa concepção e os tucanos agindo consoante concepções que dizem defender. Haveria uma saudável inflexão de ambos os lados. O ganho de um campo por assim dizer "social-democrata", por exemplo, se traduziria por menores concessões que o próprio governo, na ausência de colaboração das oposições, é obrigado a fazer ao fisiologismo e à corrupção. Se houvesse um diálogo baseado em ideias e em efetivas medidas para governar, os grupos que vicejam na defesa de interesses os mais pequenos e mesquinhos não teriam como prosperar. Urge que um novo campo político se instaure entre nós, que reúna partidos da situação e da oposição, visando a criar um ambiente salutar, cujo maior proveito seja o bem público. E a oposição é também por isso responsável.

Professor de Filosofia

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O povo desorganizado:: Ferreira Gullar

O fim da ditadura de Hosni Mubarak, no Egito, pode suscitar indagações acerca das consequências que podem advir dela, mas num ponto todas as opiniões parecem coincidir: foi o povo desorganizado que pôs abaixo o regime autoritário que durara 30 anos.

No Egito havia -e ainda há- numerosos partidos e organizações sociais que, de uma maneira ou de outra, vinham atuando na vida do país. Mas não partiu de nenhuma delas a mobilização popular que, concentrada na praça Tahrir, durante 18 dias, obrigou o ditador, obsessivamente apegado ao poder, a abrir mão dele. A fagulha que incendiou a nação egípcia foi o suicídio de um jovem, em resposta ao abuso da repressão policial.

Esse gesto desesperado despertou a revolta inicialmente de algumas dezenas de jovens, depois de centenas, de milhares e finalmente de milhões de cidadãos. Ignorando o poder repressivo do regime, foram para a rua, ocuparam a praça e receberam o apoio do povo egípcio. O povo desorganizado se mobilizou e através da internet passou a coordenar suas ações e seus objetivos. Parece um milagre? Pode parecer, mas não é. A razão disso é que o povo é, de fato, o detentor do poder, esteja ele organizado ou não.

Essa rebelião popular espontânea leva-me a refletir sobre o que chamo de "povo desorganizado". O que é, então, o povo organizado? Certamente aquelas parcelas da população que atuariam nos sindicatos e em outras entidades profissionais, estudantis e culturais. O objetivo de tais organizações, ao serem criadas, é defender os interesses das categorias e classes sociais que representam. A verdade, porém, é que isso nem sempre acontece e pode até mesmo ocorrer que tais organizações passem a se valer de sua suposta representatividade para atuar contra os interesses que deveriam defender.

Isso pode acontecer de várias maneiras, especialmente nos regimes autoritários. Por exemplo, no Brasil, quando os militares tomaram o poder, prenderam as lideranças sindicais e as substituíram por agentes do regime. A partir de então, essas entidades, que deveriam representar o povo organizado, agiam em sentido oposto, isto é, impedindo toda e qualquer manifestação contrária ao governo. Por isso que a primeira grande manifestação popular contrária à ditadura -a passeata dos Cem Mil- nasceu da mobilização espontânea de intelectuais e artistas que, em face da repressão policial, se concentraram num teatro e dali apelaram para a solidariedade da população, que aderiu a eles.

Mas essa noção da potencialidade política do povo desorganizado deveria ser acionada também no estado democrático, quando as entidades, que deveriam lutar pelos direitos da população, são cooptadas pelos que exercem o poder.

No Brasil, temos um péssimo exemplo: o de Getúlio Vargas, que, ao criar o imposto sindical, anulou a combatividade dos sindicatos de trabalhadores. Foi uma medida maquiavélica. Enquanto em outros países os sindicatos nascem da conscientização dos trabalhadores, que neles se organizam e os mantêm com sua contribuição mensal, os nossos, sustentados pelo imposto que é cobrado de todos os assalariados e controlado pelo governo, dispensam a participação efetiva dos assalariados.

Noutras palavras, são entidades-fantasmas, que não nasceram da necessidade dos empregados de se organizarem em entidades que defendam seus direitos. Por isso mesmo, poucos são os trabalhadores que delas participam, enquanto os oportunistas, com o apoio de minorais organizadas, passam a dirigi-las, impondo-se como lideranças fajutas.

Através delas, vinculam-se a partidos políticos, elegem-se deputados, tornam-se ministros e passam a atuar na vida política. Como a maioria dos trabalhadores ignora tudo ou quase tudo do que estou dizendo aqui, esses impostores passam por ser líderes de verdade e servem de "pelegos" para manter os trabalhadores submissos aos jogos de interesses.

Agora, mesmo esses falsos líderes apresentaram-se como defensores de um aumento do salário mínimo maior que o oferecido pelo governo, num jogo de cartas marcadas, demagógico, cujo resultado estava previsto.

E assim as coisas irão até que, um dia, o povo desorganizado perca a paciência e acabe com essas lideranças de araque e esses sindicatos de mentira.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO/ ILUSTRADA

La revolución árabe y la izquierda latinoamericana:: Joaquín Villalobos

En los últimos 50 años, buena parte de la izquierda latinoamericana definió su identidad bajo el paradigma de la revolución social que estableció el modelo cubano, con salud y educación como sus grandes ejes de transformación. La democracia no fue considerada revolucionaria, sino "burguesa". Las derechas y sus dictaduras tampoco tuvieron como paradigma a la democracia, sino a la modernidad mediante el desarrollo económico. Ambas corrientes consideraron que si atendían las necesidades sociales o el progreso económico, las libertades democráticas no tenían importancia. Había en Latinoamérica solo un autoritarismo de izquierda en Cuba, el resto eran dictaduras de derecha. En la primera preferían expulsar a los opositores y en las segundas asesinarlos. El resultado, en ambos casos, fue pobreza sin libertades e inestabilidad durante décadas, con sociedades en conflicto permanente.

Estados Unidos despreció igualmente a la democracia para Latinoamérica, la "alianza para el progreso" puso énfasis en el desarrollo económico y no en las libertades. Con el anticomunismo como política, realizó intervenciones, aisló a Cuba y respaldó dictadores, golpes de Estado, fraudes electorales y matanzas. Esta situación comenzó a cambiar con la política de derechos humanos del Gobierno de James Carter, que fue determinante en la caída del dictador Anastasio Somoza de Nicaragua en 1979. La posición de Carter fue visionaria en plantear los derechos humanos y la inclusión de la izquierda. Sin embargo, la reacción conservadora estadounidense trajo con la administración Reagan el conflicto más cruento que haya vivido el continente. Así, en Centroamérica, durante los 80, cientos de miles murieron en una guerra que, teniendo raíces propias, se interpretó como un apéndice de la guerra fría.

Luego de múltiples luchas populares, los derechos humanos y la democracia comenzaron a convertirse en los valores hegemónicos de la política y en los factores de legitimación de los gobiernos. La izquierda llegó al poder y comenzó la alternancia. La transición comenzó hace aproximadamente 30 años a partir de cambios democráticos ocurridos en diferentes países. Este proceso a pesar de sus imperfecciones, ha permitido que el continente esté viviendo un prolongado período de estabilidad política que apunta a consolidarse.

La caída del muro de Berlín, con la reacción en cadena que produjo en toda Europa del Este, fue una revolución anunciada. Lo que está ocurriendo en el mundo árabe no lo predijo nadie. Antes de Túnez y Egipto dominaba la idea de que la democracia era un valor occidental, culturalmente incompatible con la cultura árabe. Sin embargo, la movilización revolucionaria en los países árabes demuestra que el desarrollo de clases educadas, comunicadas e informadas es incompatible con el autoritarismo. Este logra espacio en sociedades con gran retraso político, económico y social. Detrás de cada crisis terminal de un régimen autoritario hay un conflicto de representación y participación en el poder de nuevos grupos sociales. La democracia está demostrando ser un valor cada vez más universal en la medida que el progreso económico transforma la estructura de clases de los países.

En el momento en que los ciudadanos alcanzan un mayor nivel de educación, la crítica, el disenso y la diversidad de pensamiento se multiplican inevitablemente. Es imposible que todo mundo piense de la misma manera y las formas de pensar de las personas tienden a modificarse con el tiempo y con los cambios de condiciones. No pueden todos ser de derecha o de izquierda, creer en Dios o tener el mismo Dios, eso es absurdo. Cuando el número de ciudadanos con conciencia crítica aumenta sustancialmente se debilita la posibilidad de gobernar a partir de la superstición, la religión, el caudillismo, las dinastías familiares y las verdades únicas del dogmatismo político. La vieja alianza Iglesia, militares y terratenientes, que sostuvo la mayoría de dictaduras del continente, se acabó con el crecimiento de las clases medias y el surgimiento de nuevos grupos de poder económico.

La democracia y los derechos humanos no son solo un asunto ético o ideológico, son una tecnología de gobierno que permite mantener cohesionada a la sociedad en medio de las diferencias y la natural diversidad que la compone. Esto es posible cuando hay clases sociales más educadas que entienden que la tolerancia entre contrarios es fundamental para la convivencia pacifica. Pero lo más importante es que ninguna sociedad polarizada en extremo y con divisiones profundas entre sus habitantes es viable ni tiene posibilidades de desarrollo. Por ello, la exclusión social que deriva en exclusión política es un asunto vital de resolver. América Latina no era viable sin la inclusión de las izquierdas, así como el mundo árabe no lo será sin la tolerancia hacia los islamistas hasta lograr su moderación.

Cuando la sociedad se mantiene cohesionada puede utilizar todas sus capacidades y esto da lugar a una relación directa entre democracia y desarrollo. El empobrecimiento social, moral, intelectual, institucional y económico de Cuba tras 50 años de revolución, contrasta con el desarrollo social, educativo, económico e institucional de Costa Rica, Chile y Uruguay; los tres países con mayor vigencia y cultura democrática del continente. Algo igual ocurrió entre el fracaso de la Europa Oriental dominada por los comunistas y el exitoso desarrollo de la Europa Occidental bajo la influencia de la izquierda socialdemócrata. La actual situación de gran violencia, profunda crisis social, extrema pobreza y riesgo de ser estados fallidos de Haití, Guatemala, El Salvador y Honduras son el resultado de haber vivido las dictaduras más represivas y prolongadas del continente. Los riesgos autoritarios y la extrema polarización que viven Bolivia, Venezuela y Ecuador han resultado de haber excluido social y políticamente a una parte considerable de su población.

Después de medio siglo de revolución cubana, la democracia ha demostrado ser más revolucionaria, más capaz de resolver la pobreza y más eficaz en lograr la participación ciudadana a través del voto y las organizaciones de la sociedad civil. En democracia si divides a tu país perderás. Resolver la exclusión social a costa de la exclusión política conduce a conflictos permanentes y a la pérdida de capacidades vitales para el desarrollo. Cuba ha perdido miles de científicos, escritores, artistas y emprendedores, una gran parte de ellos de izquierda y eso mismo está ocurriendo en Venezuela. La sangría intelectual cubana ha sido tal, que no se puede separar el exitoso desarrollo de Florida del exilio cubano.

Es imposible que un pensamiento único derive en progreso. La clave del desarrollo está en la interacción dialéctica entre diversidad, diferencias, pesos, contrapesos, alternancias, aciertos y errores. Las libertades, las leyes y las instituciones son más importantes para los pobres que el paternalismo autoritario. No querer dejar los gobiernos, envejecer en el poder y heredarle a parientes el gobierno no es revolucionario. La izquierda latinoamericana necesita abandonar el mito cubano para asumir de una vez por todas a la democracia como su identidad. La dictadura cubana y las pretensiones autoritarias de Chávez son los últimos obstáculos a la madurez política del continente y a la continuación delavance de la misma izquierda. No hay régimen autoritario eterno, Castro y Chávez no permanecerán, como no permanecieron las dictaduras centroamericanas, las sudamericanas y ahora las árabes, no importa si son religiosas o liberales, de izquierda o de derecha, los pueblos siempre terminan hartos y las derrumban.

Joaquín Villalobos fue guerrillero salvadoreño y es consultor para la resolución de conflictos internacionales.

FONTE : EL PAIS

E ainda se duvida de milagre :: Paulo Brossard

Confesso minha perplexidade diante do quadro internacional. Começou ontem, de repente, sem chefes, e mais de um país já mudou de perfil, países que aparentavam solidez granítica.

A novidade era mais realçada porque o fenômeno irrompeu de maneira espontânea e pacífica. Ditaduras adultas, quer dizer, velhuscas, trintenárias, desmaiaram repentinamente e desmancharam-se como os morros de Nova Friburgo, que ninguém imaginava que a chuva os desfizesse como sorvete; pois mal começa o ano de 2011 e alguns daqueles monumentos fazem parte do passado.

Embora não haja relação visível entre o que veio a suceder no ano que se inicia e a estúpida invasão do Iraque pelo presidente Bush, à frente da mais poderosa máquina bélica já vista, não me parece se possa excluir um parentesco entre os dois fenômenos. Faz lembrar o que pode andar sob o degelo de massas polares e as ocorrências no Oeste asiático ou na serra fluminense. A menos que o dono do mundo tenha entrado a caducar ou se cansado das loucuras que se vêm cometendo ao longo dos tempos.

Eis senão quando a novidade, tendo subvertido o Egito, cruzou a fronteira e se instalou na Líbia, que vivia há mais de 40 anos o mais fechado dos reinados vitalícios. Em lugar de mostrar-se atento à voz da vizinhança, o poderoso monarca reagiu com extrema violência, que chegou a surpreender o mundo. Salvo engano, só recebeu o apoio de Cuba. Hoje, medra a guerra civil no veterano império de Kadafi.

Como ainda não aprendi a prever, limito-me a dizer o que me parece óbvio, o grande enigma reside no que deve acontecer nos territórios até agora mantidos sob o tacão armado e subitamente entregues não se sabe a quem, uma vez que a sociedade local não tem tradição democrática e não está livre de fortes preconceitos religiosos. O caso obviamente é dos países que estão se libertando do arnês ditatorial, mas não deixa de interessar ao conjunto das nações, especialmente das nações mais presentes no concerto universal, para servir-se de uma expressão velha e gasta. Não sei qual a influência eficaz que a ONU possa desenvolver na emergência, mas, como a necessidade é capaz de muito, não custa esperar alguma ajuda benfazeja.

Voltando ao plano nacional, peço perdão por insistir em fato recente, mas o faço tal a importância que lhe atribuo. O ex-presidente, nos estertores dos seus oito anos de festejados aplausos, proclamou urbi et orbi que seu governo era o maior e melhor de todos os governos do Brasil e promoveu formidável campanha publicitária comemorativa da efeméride. A propósito, antes eram 499 os veículos de comunicação que recebiam verbas do governo federal e passaram a 8.094, espalhados por 2.733 municípios, um aumento de 1.522%! Por que retorno ao assunto, se ele já foi divulgado? Não será por prazer, mas a senhora presidente anunciou o congelamento de R$ 50 bilhões e já se disse que a cifra poderá ser aumentada. Ora, é de supor-se que a chefe do governo não tenha feito o anúncio por desfastio ou para amargurar o povo ao qual prometeu servir. Estou convencido que o fez por ser de seu dever. Ora, só esse dado, sem falar em outros assuntos melindrosos, é o bastante para negar o exibicionismo delirante de seu antecessor. E isso parece irrelevante. Por entender que é da maior relevância é que voltei ao tema. Afinal, são R$ 50 bilhões, que não devem ser gastos por exigência da realidade. Ou não?

*Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA(RS)

Moacir Scliar: Legado imortal

Larissa Roso

Um dos mais prolíficos e premiados autores brasileiros, Moacyr Scliar tinha presença constante e intensa na vida literária local e nacional. O escritor morreu na madrugada de domingo, aos 73 anos, depois de permanecer mais de 40 dias internado no Hospital de Clínicas. Durante o velório, na Assembleia Legislativa (foto), colegas, amigos e autoridades saudaram a memória do autor que tornou o Bairro Bom Fim universal.

A cena estava ali, aos olhos de todos os que chegavam ao Salão Júlio de Castilhos da Assembleia Legislativa ontem à tarde: o esquife fechado, como manda a tradição judaica, guardava o corpo do escritor Moacyr Scliar, e sua família enlutada recebia os cumprimentos de uma multidão que se manteve constante.

Mas a sensação de muitos dos presentes era resumida pelo escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, secretário de Cultura e amigo de Scliar:

– Ainda não consigo imaginar um cenário da literatura do Estado sem ele, tal a intensidade com que ele vivia a vida literária, tão importante e aglutinadora era sua presença.

O rosto sério, encostado a um pilar do salão, outro dos grandes autores do Estado, Sergio Faraco, dizia algo parecido:

– Para nós, que começamos com ele mais ou menos na mesma época, pensar em um mundo sem Scliar é como sentir que falta um alicerce.

Tão logo soube da morte, ainda de madrugada, o presidente da Assembleia, Adão Villaverde, colocou à disposição da família o salão para o velório, e lá ficou grande parte do tempo.

O autor de mais de 70 livros em 73 anos de vida não tinha apenas talento e facilidade para a escrita, mas para fazer amigos. Sua morte na madrugada de ontem, depois de mais de 40 dias internado, deflagrou amplas manifestações de luto. As homenagens foram prestadas por conhecidos de Scliar em todos os seus campos de atuação: integrantes da comunidade judaica, médicos, jornalistas, escritores, leitores.

Seu editor, Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, voou de São Paulo tão logo soube da notícia. Discreto durante o velório, por vezes trocava algumas palavras com Judith, 64 anos, com quem Scliar era casado desde 1965. Um pouco mais ao fundo do salão, amigos manifestavam sua solidariedade ao filho de Scliar, o fotógrafo Beto, 31 anos. Membros da comunidade judaica de Porto Alegre, do meio literário, da imprensa, todos se enfileiravam para demonstrar seu respeito ao autor de O Centauro no Jardim. A Academia Brasileira de Letras, para a qual o escritor havia sido eleito em 2003, foi representada por Domício Proença Filho. Dilma Rousseff enviou uma coroa de flores. E a comoção chegou até a internet, onde a morte foi lamentada em blogs e no serviço de microtextos Twitter por jornalistas, escritores, amigos e leitores que só o conheciam por seus livros, por palestras para as quais o generoso autor sempre encontrava tempo ou pelas suas múltiplas crônicas na imprensa – para Zero Hora, ele escrevia três colunas semanais.

– Perdemos um dos nossos, mas a tristeza é de todo o Brasil. E também dos gaúchos que lamentam a perda de um escritor que retratou como ninguém o Estado em livros e em crônicas – disse o vice-presidente executivo do Grupo RBS, Eduardo Sirotsky Melzer.

Prêmios e fundação homenageiam autor

As homenagens ao autor devem se prolongar por todo o ano. Ontem, no velório do escritor, o governador Tarso Genro decretou luto oficial de três dias e anunciou que o prêmio literário que o Estado vai criar a partir deste ano, com apoio da Petrobras, para livros lançados nos dois anos anteriores, receberá o nome de Moacyr Scliar. A Academia Brasileira de Letras, em que Scliar ocupava a cadeira 31, também decretou luto oficial. O secretário de Cultura de Porto Alegre, Sérgius Gonzaga, presente no velório, informou que a Semana de Porto Alegre deste ano será em homenagem a Scliar. O Prêmio Fato Literário, entregue pelo Grupo RBS durante a Feira do Livro, homenageará o escritor em 2011.

– É uma perda enorme. Scliar era um escritor e um colega extraordinário, generoso e de grande simplicidade. Um homem que, com a mesma paixão, em um dia podia dar uma palestra em uma escola no Interior e dois dias depois estar em Nova York, para um curso – destacou o vice-presidente RS do Grupo RBS, Geraldo Corrêa.

A própria família Scliar estuda, passado o primeiro impacto, criar uma fundação com o nome do escritor para se dedicar a fazer o que ele sempre fez: apoiar novos autores. Scliar era conhecido por ser prestativo e atencioso com autores da nova geração e redigiu prefácios e textos de apresentação para muitos deles.

– Olhando agora, é bem apropriado que o último livro dele se chame Eu Vos Abraço, Milhões. É quase um livro-testamento para um autor que de fato parecia generoso o bastante para abraçar o mundo – disse Luiz Schwarcz.

REPERCUSSÃO

O adeus dos colegas

Durante todo o domingo, o nome de Moacyr Scliar se manteve entre os tópicos mais comentados – no Brasil e o no mundo – no Twitter, site em que fãs destacaram, além de seus livros favoritos, lembranças singelas. “Você contando suas histórias para mim sobre sua máquina de escrever. Obrigada por me dar esse momento maravilhoso. Vá em paz”, recordou uma admiradora de São Paulo, sem detalhar local ou data do encontro inesquecível. Veja, a seguir, o que disseram personalidades da área literária:

“Estou muito triste com as mortes do Scliar e do Benedito Nunes (filósofo e escritor paraense, também morto neste domingo). Perdi dois grandes amigos em um dia. Participamos (Scliar e eu) de alguns eventos literários juntos. Sempre foi uma pessoa muito generosa com os escritores. Nesse mundinho da literatura, há muita vaidade, uma vaidade doentia, como talvez exista em todas as profissões. O Scliar estava acima disso. Quem é generoso não precisa ficar se afirmando.

Não achava que ele iria embora agora, sinceramente. A morte é sempre um escândalo.”

Milton Hatoum, escritor amazonense, autor de Dois Irmãos

“A Academia está muito magoada. Moacyr foi um acadêmico exemplar porque ele era um acadêmico múltiplo: era um acadêmico na Academia e para a Academia. Ele era muito presente em seminários, simpósios, missões no Exterior, universidades estrangeiras.

Quantas e quantas vezes Moacyr nos advertia para questões de trabalho excessivo. E eu, muitas vezes, perguntava: ‘Moacyr, qual é a autoridade que você tem para reclamar de quem está trabalhando muito? Você não para de trabalhar!’

Marcos Vinicios Vilaça, presidente da ABL

“Era um dos escritores mais queridos da literatura brasileira. Não só por causa da obra, cuja importância é indiscutível, mas também pela generosidade com que tratava colegas, leitores, editores, jornalistas.”

Michel Laub, escritor gaúcho, autor de O Segundo Tempo

“Gostava muito do Scliar. A leitura de O Centauro no Jardim foi um impacto para mim. A Majestade do Xingu é um romance perfeito. Acabei de ler Eu vos Abraço, Milhões. Ele internacionalizou a literatura brasileira. Era um herdeiro do estilo do grande narrador.

Costumava encontrá-lo em feiras de livro. A última vez foi em Ribeirão Preto, em agosto. Em um hotel do Rio, no café da manhã, ele olhou para o meu prato e disse: ‘Bá, tchê, que frugal que tu és’ (risos). Como médico, achou a minha alimentação ótima, deu nota 10. Anos atrás, éramos jurados do prêmio Portugal Telecom. Um dia, brincou: ‘Agora vou me alimentar. Eu nem sei por que vou comer, já que eu sou imortal’. Só tenho doces lembranças dele.”

Cristovão Tezza, escritor catarinense radicado no Paraná, autor do multipremiado O Filho Eterno

“Ele fez a orelha do meu terceiro livro, Anotações Durante o Incêndio (2000). Não me conhecia, não sabia quem eu era. Leu e, em três dias, estava pronto. Depois descobri que ele era generoso para tudo. Quando eu era diretora do Instituto Estadual do Livro, se faltasse um autor para atender a uma escola lá num cafundó, ele ia. Era um entusiasta da literatura, um amante da vida. Muito grato ao Brasil, ao Rio Grande do Sul – foram esse país e esse Estado que acolheram a nossa gente. Ele se sentia profundamente gaúcho. Era sinceramente gaúcho e sinceramente judeu, embora não fosse religioso. Perdemos um homem maravilhoso, um diamante.”

Cíntia Moscovich, escritora gaúcha, autora de Duas Iguais
FONTE: ZERO HORA (RS)

Entrevista Luiz Werneck Vianna

Endurecimento de Dilma com centrais promove "limpeza"

Sociólogo diz que, no novo governo, conflitos tendem a sair do estado e voltar à sociedade, "onde vão ser processados democraticamente"


Uirá Machado

SÃO PAULO - Acabou o monopólio da política estabelecido por Lula, afirma o sociólogo Luiz Werneck Vianna.

Autor de livros como "Liberalismo e Sindicato no Brasil", Vianna vê no endurecimento da presidente Dilma Rousseff com as centrais sindicais um sinal de que o novo governo, constrangido pelas circunstâncias, promove uma "limpeza do Estado".

O resultado, diz ele, é que conflitos saem do Estado e são devolvidos à sociedade.

Folha - O sr. tem afirmado que a derrota do sindicalismo na disputa pelo salário mínimo não foi tanto de natureza econômica, mas política. A vitória governista é mais política do que fiscal?

Luiz Werneck Vianna - No caso das centrais sindicais, é uma derrota política, porque elas, na verdade, faziam parte do governo.Para a presidente, o que acontece é que ela fez uma campanha em uma conjuntura e, terminada a disputa, o cenário mudou.A conjuntura internacional mudou com o levante democrático-popular do mundo árabe. Internamente, está vindo agora a conta das políticas que foram seguidas desde a crise financeira de 2008. Isso implica cortes, e contar com um adversário instalado ao seu lado, como estão, ou estavam, as centrais, é muito difícil. Está havendo aí uma limpeza de terreno.

Em que sentido?

Essa crise vai ser enfrentada a partir de que lógica? Da racionalização da administração, economia e gestão. Essa racionalização é também a limpeza do Estado, a fim de que os tomadores de decisão, que são basicamente [a presidente] Dilma [Rousseff] e [Antonio] Palocci [ministro da Casa Civil], tenham liberdade para operar.Tudo isso tende a delimitar o sindicalismo ao seu papel, digamos, de mercado.

Trata-se de uma reação à mudança de conjuntura ou é um esforço de diferenciação em relação ao governo anterior?

É fundamentalmente a conjuntura. Agora, isso enseja mudanças que até são funcionalmente adequadas ao perfil da nova presidente. Ela vem do mundo da gestão e tem dificuldades de operar no mundo da política.A questão decisiva é que ela tem de operar nessa direção porque está sendo constrangida pela mudança nas circunstâncias. Uma coisa é certa: se o governo deixar voltar a inflação, ele acaba.

Se o conflito com as centrais era inevitável, quanto da forma como ele ocorreu decorre de uma diferença de estilo entre Dilma e Lula?

É difícil ponderar. É muito difícil também dizer que isso não teve influência. Mas essa influência não foi decisiva.Agora, o que não está sendo devidamente percebido é que o mundo sindical brasileiro de hoje é uma potência. As pessoas ainda pensam o sindicalismo brasileiro com os olhos dos anos 80, 90.

No entanto, o sindicalismo sofreu forte derrota...

Não, os sindicatos foram apenas deslocados. É claro que não sairão do governo prazerosamente, vão resistir.A bancada sindical é expressiva e atravessa diferentes partidos. O sindicalismo, saindo do governo, terá que buscar o Congresso e as ruas.

Dá para supor que o governo Dilma vai enfrentar grandes mobilizações de massa como as que ocorreram no governo FHC, mas não sob Lula?

Muitos sindicalistas influentes estão comparando a política do governo Dilma com as reformas presumidamente neoliberais praticadas durante o ciclo Fernando Henrique.

É possível traçar alguma linha de FHC a Dilma?

O que está havendo, desde FHC, é uma enorme afirmação da ordem burguesa no Brasil, de racionalização do capitalismo brasileiro. Isso começou com FHC, continuou com Lula e tem com Dilma o seu momento mais forte. Inclusive por causa das novas circunstâncias.

É correto dizer que Dilma, em comparação com Lula, deve ampliar os conflitos?

Não, ela libera os conflitos do Estado e os devolve para a sociedade, onde vão ser processados democraticamente.

Em contrapartida, o aumento do espaço de atuação da sociedade civil leva a maior pressão sobre o governo.

Não é necessariamente ruim. O governo pode manobrar. É o espaço democrático. O que vive a França.

Nesse cenário, os partidos ganham mais espaço?

Sim, abriram-se as possibilidades. É uma conjuntura mais propícia do que a anterior, porque Lula exercia o monopólio da política. Só ele fazia política no Brasil.Mas os partidos estão com dificuldades de aproveitar a situação.

Há necessidade de uma reforma política?

Precisamos de uma política bem ordenada, e, para isso, a reforma é necessária. [Do contrário,] fica um Estado barroco diante de uma sociedade moderna.

FONTE; FOLHA DE S. PAULO

Estatal para gerir hospitais divide reitores

Dirigentes de federais temem ingerência de órgão em universidades

Demétrio Weber

BRASÍLIA. A criação de uma estatal para gerir hospitais universitários divide opiniões e enfrenta a resistência de reitores das universidades federais. Reunidos na semana passada, em Brasília, eles não chegaram a um consenso sobre a empresa pública criada por medida provisória em 31 de dezembro, no último dia do governo Lula.

Ao final, aprovaram documento que, sem criticar nem apoiar a estatal, cobra do governo medidas para solucionar a crise do setor. Em outra nota, os reitores se manifestaram contra o corte anunciado de R$1 bilhão no Ministério da Educação (MEC) e expressaram a "certeza" de que a presidente Dilma Rousseff não só poupará a pasta como ampliará os recursos disponíveis em 2011.

A nova Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) não começou a funcionar. Para que isso ocorra, o governo precisa editar decreto com o estatuto, o que deve ocorrer até abril. O MEC encaminhou uma proposta de estatuto à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O texto é criticado por reitores, que temem perder controle sobre os hospitais. A Andifes não se posicionou sobre o estatuto.

Hospitais acumulam mais de R$400 milhões em dívidas

Em nota, a Andifes diz que os reitores da UFRJ, Aloízio Teixeira, e da Universidade Federal de São João Del Rey, Helvécio Reys, são contra a medida provisória. O presidente da Comissão dos Hospitais Universitários das Universidades Federais, Natalino Salgado Filho, admite que não é a solução ideal, mas pode ser a saída, diante dos cortes orçamentários.

Segundo Natalino, os 46 hospitais universitários ligados às instituições federais têm hoje 1.500 leitos desativados, dívidas superiores a R$400 milhões e déficit de cerca de seis mil servidores. Além disso, empregam 26 mil funcionários terceirizados. O Tribunal de Contas da União (TCU) considera a terceirização ilegal.

- Estamos vivenciando duas ilegalidades: usar dinheiro do SUS (Sistema Único de Saúde) para pagar pessoal e repassar esses recursos às fundações de apoio, para fazer a terceirização - diz Natalino, reitor da Universidade Federal do Maranhão.

Segundo o reitor, o TCU sugeriu a criação de uma estatal para solucionar o impasse. A ideia é que os terceirizados sejam contratados pela nova empresa, regularizando a situação.

- Não podemos aceitar uma empresa que venha a ter ingerência e mandar dentro da universidade - diz Natalino.

FONTE: O GLOBO

Uma tesoura e duas medidas

Governo promete detalhar hoje corte de R$50 bilhões, mas guarda verbas para benesses

Cristiane Jungblut e Martha Beck

Ocorte recorde de R$50 bilhões no Orçamento da União de 2011 atingirá em cheio os ministérios que concentram investimentos, como Transportes e Cidades, mas não impedirá que o governo amplie gastos que dão popularidade: os sociais. A previsão é que amanhã - um dia depois de a área econômica apresentar o detalhamento da redução das despesas de cada pasta - seja anunciado um reajuste do programa Bolsa Família. A intenção do Palácio do Planalto é que o aumento seja divulgado durante a viagem da presidente Dilma Rousseff à Bahia.

O governo tem na manga outras benesses, como favorecer aliados que apoiaram a aprovação do mínimo de R$545 com cargos e enviar ao Congresso projetos que montem uma agenda positiva junto à sociedade.

Os chamados "ministérios campeões de emendas parlamentares" serão os mais atingidos pelos cortes. Lideram a lista os ministérios do Turismo, do Esporte, da Cultura e das Cidades - este o que concentra obras de saneamento e habitação. A redução virá da suspensão de R$18 bilhões de emendas parlamentares e de gastos de custeio.

No caso do Bolsa Família, o Congresso aprovou em dezembro, dentro do Orçamento da União, reserva de R$1 bilhão para o caso de o governo desejar aumentar o programa. Para 2011, a verba disponível para o benefício está fixada em R$13,4 bilhões. O governo já fez várias simulações sobre o novo valor a ser pago. Os cenários incluíam diferentes índices de inflação, o que poderia fazer a despesa variar de R$700 milhões a R$1 bilhão.

O detalhamento dos cortes será anunciado hoje pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Miriam Belchior. A intenção é demonstrar ao mercado que o ajuste é para valer e tem como objetivo ajudar no controle da inflação. Será divulgado às vésperas da reunião do Comitê de Política Econômica (Copom), que decidirá a nova taxa de juros.

Dentro dos R$50 bilhões, o governo já havia cortado de forma definitiva R$1,87 bilhão por meio de vetos feitos ao Orçamento quando a lei foi sancionada pela presidente. Os vetos já indicavam que nenhuma área seria poupada. O Ministério dos Transportes, por exemplo, já perdeu R$333,2 milhões.

Redução no ritmo dos investimentos

Integrantes da área econômica admitem redução no ritmo dos investimentos. A ideia em análise é postergar novos gastos. Despesas com obras que não começaram, por exemplo, deverão ser deixadas para depois.

O movimento de retardar novos gastos já começou, com o governo concentrando as despesas de janeiro e fevereiro nos chamados "restos a pagar" (pagamentos que ficaram de um ano para outro). Só em investimentos, foram pagos R$4 bilhões relativos a compromissos do governo anterior.

Dos R$40,06 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) previstos para 2011, R$590 mil tinham sido pagos até o último dia 22. Por enquanto, o governo vai se concentrar em pagamentos antigos, de obras em andamento. Na prática, o PAC já foi "cortado" no Congresso e não foi anunciada a recomposição do valor original. A verba ficou em R$40,06 bilhões, contra os R$43,5 bi originais.

A área social também será afetada pela tesoura da equipe econômica. O Ministério da Educação deverá ter corte de R$1 bilhão. O do Turismo, corte de 80%. A ordem foi cortar todas as emendas da área, que somaram R$2,8 bilhões, além de 30% da verba original prevista pelo governo, cerca de R$260 milhões. Ciência e Tecnologia terá redução de gastos de R$1,7 bilhão.

Representante do governo na Comissão Mista de Orçamento, o deputado Gilmar Machado (PT-MG) acredita que o corte é necessário e ressalta que obras atrasadas serão adiadas:

- Agora há aperto fiscal. Mas, mantido o ritmo de arrecadação de janeiro e primeira metade deste mês (melhor que a esperada), pode haver abrandamento no segundo semestre.

FONTE: O GLOBO

Esquerda petista critica ajuste e juros altos

Silvia Amorim

SÃO PAULO. O descontentamento de setores do PT e entidades historicamente ligadas ao partido com o início do governo da presidente Dilma Rousseff começa a sair dos bastidores e pautar o discurso da militância mais à esquerda. O foco de insatisfação é a área econômica, precisamente o corte de gastos para 2011 e a previsão de alta dos juros.

A Coordenação dos Movimentos Sociais, ligada à Central Única dos Trabalhadores, aprovou documento em que diz que as ações adotadas nos dois meses de governo "seguem num caminho diferente do apontado pelas urnas" e promete uma "jornada unificada de lutas" no primeiro semestre, em defesa de mudanças na política econômica.

Trechos do documento estavam até ontem no site da CUT. "As ações implantadas nesse início de mandato pela equipe econômica sob justificativas do controle da inflação e das contas públicas seguem num caminho diferente do apontado pelas urnas e reproduzem a pauta imposta pelos interesses do setor financeiro, sustentadas no Banco Central", diz o texto, que ataca "o aumento dos juros, o congelamento das contratações públicas, o contingenciamento de R$50 bilhões e o pouco diálogo no debate sobre o reajuste do salário mínimo".

Cerca de 80 dirigentes de entidades sindicais de 11 estados participaram do encontro. O presidente da CUT, Artur Henrique, classificou como retrocesso o corte de R$50 bilhões.

Setores do PT têm a mesma avaliação, principalmente nas alas mais à esquerda. Um dos fundadores do partido, Wladimir Pomar divulgou no site de uma das correntes do PT, a Articulação de Esquerda, artigo em que contesta as medidas para conter a inflação: "As medidas de contenção da inflação, através da elevação dos juros e do forte contingenciamento fiscal, podem ser ótimas se a política geral não se incomodar com a compressão do consumo e a continuidade da miséria."

FONTE: O GLOBO

Projetos no Senado privilegiam reformas

Desde o início da nova legislatura, 66 projetos foram apresentados. A maioria propõe mudanças nas legislações eleitorais e tributárias, reforçando a tendência de que as reformas serão prioridade na Casa

SÃO PAULO – Antes mesmo de completar o primeiro mês do ano legislativo, aberto no último dia 2, o Senado já recebeu 66 projetos de lei. Entre eles, chamam a atenção alguns que propõem mudanças nas legislações eleitorais e tributárias. Isso reforça a tendência da Casa de dar prioridade às reformas política e tributária neste início do governo da presidenta Dilma Rousseff.

Um projeto do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) propõe, por exemplo, alterar a forma de eleição dos suplentes de senadores. Pelo texto, os suplentes passam a ser os mais votados, em vez do nome indicado pela coligação partidária.

Na justificativa da proposta, Eunício critica a atual forma de escolha dos suplentes. O sistema atual permite a condução ao cargo de cidadãos que praticamente não disputam as eleições. Os candidatos à suplência em geral são desconhecidos do eleitor, em grande parte das vezes financiadores de campanha ou familiares do titular, que não mostram sua cara nas campanhas.

Na mesma linha segue o projeto do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que propõe o fim das coligações partidárias nas eleições para vereadores e deputados estaduais e distritais. Para ele, as coligações, quando aplicadas às eleições proporcionais, em nosso sistema eleitoral proporcional de listas abertas, com voto uninominal, acabam por servir à colonização de um partido por outro, em desfavor da efetiva representação popular nas casas legislativas. No entanto, uma proposta sobre esse tema, de autoria de Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), já tramita no Senado, inclusive já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça.

Ainda no bojo da reforma política está o projeto do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que pretende excluir do tempo de televisão de uma coligação, durante as campanhas eleitorais, a parte dos partidos que não tiverem candidatos concorrendo a um determinado cargo. Com isso, segundo Dias, se um partido não tiver candidatos a senador, por exemplo, o tempo ao qual ele teria direito não contará para sua coligação.

Neste início de legislatura, o Senado recebeu pelo menos 13 projetos que tratam de temas fiscal ou tributário a maioria propondo alterações no Imposto de Renda.

OPINIÕES

A partir de hoje o JC publica, diariamente, opiniões de personalidades pernambucanas sobre a reforma política. O primeiro é o presidente da OAB-PE, Henrique Mariano.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Labirinto da reforma política

Discussão sobre o tema põe na mesa emaranhado de propostas e corre risco de se perder em interesses imediatos, como a flexibilização da fidelidade partidária

Bertha Maakaroun

Distritão, distrital com maioria simples, distrital misto, sistema proporcional com lista fechada, proporcional com lista flexível. Nomes ininteligíveis para boa parte do eleitorado e até para grande número dos parlamentares estarão na mesa de negociações da reforma política, que volta a ser discutida no Congresso Nacional. Um debate complexo, que pode se diluir em meio aos interesses de políticos mais preocupados com a possibilidade de flexibilizar a fidelidade partidária e garantir a própria sobrevivência em práticas tradicionais. Há poucos formuladores, mas propostas não faltam. Muitas baseadas em sistemas marcados por distorções constatadas pela experiência internacional. Com a palavra, o Japão, que em 1994 abandonou o voto único não transferível — ou distritão — em decorrência do personalismo, do enfraquecimento dos partidos, do clientelismo e da corrupção.

Mais uma vez, no Congresso, as posições se dividem entre poucos formuladores interessados em discutir o tema. O baixo clero acompanha o debate de longe. A prevalecer o princípio da inércia, para esses, melhor que tudo fique como está. “Mais do que discutir reforma política, os parlamentares estão interessados e gastam 80% de seu tempo na liberação de emendas parlamentares, com uso da influência política nos ministérios, em vez de privilegiar o debate de interesse coletivo”, pontua o deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP).

O tema é árido e desgosta a maioria dos parlamentares. Depois de acompanhar em 2007 a derrota da proposta do sistema de lista fechada — à qual está alinhavado o financiamento público das campanhas — o deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO), então presidente da comissão especial que debateu por anos a reforma política, desabafa: “Vai ser muito difícil construir um consenso. O PSDB era distrital, agora tem proposta de distrital misto. O PMDB e o PP querem o distritão, mas o que motiva esse debate da reforma política é a janela para o retorno do troca-troca partidário”. Ou seja, a abertura para que políticos troquem de legenda entre as eleições.

Para o democrata, que ao lado dos petistas e do PCdoB defende o sistema de lista fechado, a proposta da janela provoca menos dissenso do que sugerem as declarações de parlamentares. “Poucos assumem, mas é o que mais importa para a maior parte”, acrescenta. O by pass na fidelidade partidária instituída a fórceps pelo Supremo Tribunal Federal (STF) será vitorioso ao fim do debate, garante Caiado: “Daí a pouco não haverá acordo com o distritão, nem com o distrital, nem com a lista fechada, nem com o financiamento público. Vai haver um destaque para passar apenas a emenda da janela”.

Opiniões divididas

A janela divide as declarações públicas de petistas, tucanos, peemedebistas, pepistas, verdes, entre outros que se acotovelam para defender ou condenar uma forma de permitir aos políticos escapar do “engessamento” a que estão sujeitos por força da judicialização da política. No entanto, não é nesse quesito que a polêmica reforma política se agudiza. “O tema é dificílimo. Defendo que não se crie ilusões de comissões, que não terão matéria-prima para trabalhar enquanto não houver, entre os oito maiores partidos políticos, algum nível de entendimento sobre a forma de eleger deputados e senadores”, afirma Ricardo Berzoini, em referência à comissão especial instalada no último dia 22 no Senado.

Se entre democratas a preferência pelo sistema de lista fechada divide opiniões com parlamentares que apoiam o voto distrital misto, no PSDB a proposta do voto distrital puro, a princípio defendida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ex-governador José Serra, evoluiu para um modelo misto, dada a dificuldade de aprovação na Câmara e no Senado, segundo o senador Aécio Neves (PSDB), que integra a comissão especial para o debate do tema na Casa.

Financiamento público

Em estudo comparativo quanto ao financiamento das campanhas verificado em 96 democracias do mundo, o pesquisador e cientista político Vitor de Moraes Peixoto demonstra que o Brasil está entre os 18 países do mundo que mais dão suporte público às campanhas. Ao lado do Brasil, estão: Argentina, México, Itália, Japão, Colômbia, Espanha, Portugal, Romênia e Suécia.

No outro extremo, há 28 países em que não existe nenhum nível de financiamento público aos partidos políticos e às campanhas. Entre eles estão a Finlândia, Venezuela, Bulgária e Estados Unidos.

Acesso à mídia

Especializado em financiamento de campanhas, o cientista político e pesquisador Mauro Macedo Campos demonstra que nas eleições presidenciais no Brasil do ano passado, o Estado deixou de arrecadar R$ 890 milhões, com a isenção fiscal conferida às empresas de mídia pela cessão do horário destinado à propaganda gratuita. Se os partidos tivessem de pagar pelo horário da propaganda política, teriam desembolsado algo em torno de R$ 6,2 bilhões.

Além do Brasil, apenas o Chile em todo o mundo dá aos partidos políticos o acesso inteiramente gratuito ao tempo de televisão e rádio. No caso brasileiro, as legendas também têm acesso gratuito à propaganda partidária.

Segundo Mauro Macedo Campos, há países que dão aos partidos o benefício da propaganda gratuita, também abrindo a possibilidade da compra desse espaço no mercado. Entre eles estão a Argentina, a Colômbia, o Uruguai, a França, o Canadá e a Alemanha.

Há também países em que o acesso à propaganda política é inteiramente pago, como ocorre nos Estados Unidos e na Inglaterra.

Eleições no mundo

Conheça os sistemas em vigor, como é o financiamento público e o acesso à mídia pelos partidos

Sistemas Eleitorais

Majoritário (Voto distrital)

É o mais simples entre os sistemas eleitorais. O território é dividido em circunscrições eleitorais (distritos). Cada partido lança um candidato por distrito. Aquele que obtém mais votos conquista a cadeira, independentemente do respaldo eleitoral obtido pelo partido/candidato segundo colocado na disputa. Entre os países que adotam o sistema majoritário para as eleições legislativas, há três critérios: maioria simples, dois turnos e voto alternativo.

Maioria Simples:
(Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Índia, Bangladesh, Malaui e Nepal.)

Os distritos têm, em geral, aproximadamente 70 mil eleitores. Ganha a cadeira quem tem mais votos.

Dois turnos
(França, Mali)

Se nenhum dos candidatos obtiver mais da metade dos votos no primeiro turno das eleições, há segundo turno.

Voto alternativo
(Austrália)

Os partidos podem apresentar um candidato por distrito. O eleito obtém necessariamente a maioria absoluta dos votos do distrito em um único turno. Isso é possível porque o voto só é considerado válido se o eleitor ordenar todos os candidatos segundo a sua preferência. É eleito o que conquista mais da metade dos votos em primeira preferência. Se isso não ocorrer, há transferência dos votos do candidato menos votado, que é eliminado. O processo de transferência só é interrompido quando um dos candidatos conquista a maioria absoluta.

Proporcionais

Os sistemas proporcionais buscam assegurar que o parlamento reflita a pluralidade de opiniões e garantir a correspondência matemática entre os votos obtidos por partidos e o tamanho de sua representação no Legislativo. Há duas variantes: o voto em lista e o voto único transferível.

Voto em lista

Procura garantir equivalência entre os votos obtidos por candidatos de um partido e as cadeiras conquistadas por esse partido no parlamento. Na distribuição, é calculada uma quota – ou quociente – que cada partido deve atingir para estar representado no Legislativo. Nesse sistema, a lista pode ser aberta, fechada ou flexível e, na Suíça, livre.

Aberta
(Brasil, Finlândia, Polônia e Chile)

Cada partido apresenta uma lista de candidatos não ordenada, e o eleitor vota em um dos nomes ou na legenda, no Brasil. Ao mesmo tempo em que o voto nominal – dado ao candidato – ajuda o partido a superar o quociente eleitoral, também beneficia o candidato, já que, depois de definido o número de cadeiras conquistadas pelo partido, são eleitos os mais votados da lista.

Fechada
(Argentina, Bulgária, Portugal, Moçambique, Espanha, Turquia, Uruguai, Colômbia, Costa Rica, África do Sul e Paraguai)

Os partidos decidem antes das eleições os candidatos que integrarão a lista e os ordena. O eleitor escolhe a lista do partido e não manifesta preferência por nenhum nome. São eleitos os primeiros da lista, de acordo com o número de cadeiras conquistado pelo partido.

Flexível:
(Bélgica, Holanda, Dinamarca, Grécia, Áustria, Noruega e Suécia)

O eleitor pode intervir no ordenamento dos candidatos da lista feito pelos partidos antes das eleições. Se concordar com a ordem, vota no partido. Caso contrário, indica a preferência por determinados candidatos ou reordena a lista segundo a sua preferência.

Voto único transferível
(Câmara Baixa da Irlanda)

Cada partido pode lançar o número de candidatos equivalente às cadeiras destinadas à representação daquele distrito. Os eleitores ordenam as suas preferências na cédula, independentemente do partido do candidato. Com isso, o eleitor tem o controle sobre o processo de transferência de seu voto. Na apuração, é calculado quociente eleitoral que deve ser atingido para que um candidato se eleja. O candidato que atinge em primeira preferência a quota é eleito e, a partir daí, são transferidos os votos excedentes.

Mistos

Apresentam aspectos da representação proporcional e da representação majoritária. A combinação mais frequente é a representação proporcional de lista com o sistema de maioria simples. Garante a representação de um certo número de parlamentares em distritos de um só parlamentar majoritário. Ao mesmo tempo, mantém a proporcionalidade da representação partidária.

De superposição
(Coreia do Sul, Taiwan e Tailândia, Rússia, Ucrânia, Lituânia e Japão)

Há duas fórmulas independentes. O eleitor dá dois votos: um no candidato que disputa no distrito e outro na lista partidária. Assim, parte dos parlamentares são eleitos por maioria simples em distritos de um só parlamentar. A outra parte é eleita pela representação proporcional.

De correção
(Alemanha, México, Itália, Nova Zelândia, Venezuela, Filipinas, Bolívia e Hungria)

Adotam duas fórmulas associadas. As cadeiras do Legislativo são distribuídas proporcionalmente aos votos dados na lista. Do total de cadeiras obtidas pelos partidos, são subtraídas as que o partido conquistou nos distritos com eleição majoritária de um candidato. A diferença é ocupada pelos primeiros candidatos da lista.

Fonte: Jairo Nicolau, “Sistema Eleitorais” (FGV) – CORREIO BRAZILIENSE

Distritão, a bola da vez

Em 2007, a proposta de emenda constitucional apresentada pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ) e pelo então líder do PP na Câmara, Mário Negromonte (BA), hoje ministro das Cidades, não esteve no centro do debate. O acordo frustrado afundou a aprovação do voto em lista fechada, encabeçado pelo PT. Agora, a ideia do distritão ganha adeptos. No PMDB, o vice-presidente da República, Michel Temer defende a proposta. Da mesma forma, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o líder na Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Os líderes do PR também aderiram ao modismo: o argumento é evitar a todo custo a lógica de que um parlamentar possa conquistar uma cadeira em determinado partido tendo recebido menos votos do que outro não eleito em outro partido. “A tendência natural é o apoio ao distritão”, afirma o líder do PR, Lincoln Portela (MG).

Problemas no Japão

O distritão acaba com a lógica do quociente eleitoral e do quociente partidário, presentes no sistema proporcional de lista aberta brasileiro, que busca uma correspondência entre os votos atribuídos à legenda e aos seus candidatos e a representação nos parlamentos. Mas o distritão não convence os especialistas. “Não há nada pior em vigor no mundo”, afirma o cientista político e professor do Iesp/Uerj Jairo Nicolau. “É um sistema em que todos concorrem contra todos, em que prevalece o hiperindividualismo. Os partidos só registram, não há qualquer coordenação do processo, as eleições se tornam competitivas e incertas, e os problemas de representação territorial se agravam.” O pesquisador assinala: no Japão, esse modelo — denominado voto único não transferível— não resistiu aos seus problemas.

Na avaliação de Jairo Nicolau, essa proposta, que exigirá quorum qualificado para ser aprovada na Câmara e no Senado, não prosperará. Nem o PT, nem os pequenos partidos — que desapareceriam — compram a ideia. De fato, no blocão parlamentar PR, PRB, PTC, PSL, PHS, PRP, PRTB e PT do B, só o primeiro defende o distritão. Por senso de sobrevivência, os pequenos reivindicam a manutenção do sistema proporcional. “As opções de sistemas eleitorais no mundo são conhecidas. O distritão já foi descartado. Há formas superiores”, afirma Nicolau.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

O Rio – continuação::João Cabral de Melo Neto

Ou
relação da viagem
que faz o Capibaribe
de sua nascente
à cidade do Recife

De Caxangá a Apipucos

Até aqui as últimas
ondas de cana não chegam.
Agora o vento sopra
em folhas de um outro verde.
Folhas muito mais finas
as brisas daqui penteiam.
São cabelos de moças
ou dos bacharéis em direito
que devem habitar
naqueles sobrados tão pitorescos
(pois os cabelos da gente
que apodrece na lama negra
geram folhas de mangue,
que não folhas duras e grosseiras).

De Apipucos à Madalena

Agora vou entrando
no Recife pitoresco,
sentimental, histórico,
de Apipucos e do Monteiro:
do Poço da Panela,
da Casa Forte e do Caldeireiro,
onde há poças de tempo
estagnadas sob as mangueiras;
de Sant'Ana de Dentro,
das muitas olarias,
rasas, se agachando do vento.
E mais sentimental,
histórico e pitoresco
vai ficando o caminho
a caminho da Madalena.

Um velho cais roído
e uma fila de oitizeiros
há na curva mais lenta
do caminho pela Jaqueira,
onde (não mais está)
um menino bastante guenzo
de tarde olhava o rio
como se filme de cinema;
via-me, rio, passar
com meu variado cortejo
de coisas vivas, mortas,
coisas de lixo e de despejo;
vi o mesmo boi morto
que Manuel viu numa cheia,
viu ilhas navegando,
arrancadas das ribanceiras.

Vi muitos arrabaldes
ao atravessar o Recife:
alguns na beira da água,
outros em deitadas colinas;
muitos no alto de cais
com casarões de escadas para o rio;
todos sempre ostentando
sua ulcerada alvenaria;
todos bem orgulhosos,
não digo de sua poesia,
sim, da história doméstica
que estuda para descobrir, nestes dias,
como se palitava
os dentes nesta freguesia.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia – Antonio Gramsci

No sentido mais imediato e determinado, não se pode ser filósofo – isto é, ter uma concepção do mundo criticamente coerente – sem a consciência da própria historicidade, da fase de desenvolvimento por ela representada e do fato de que ela está em contradição com outras concepções ou com elementos de outras concepções. A própria concepção do mundo responde a determinados problemas colocados pela realidade, que são bem determinados e “originais” em sua atualidade. Como é possível pensar o presente, e um presente bem determinado, com um pensamento elaborado em face de problemas de um passado frequentemente bastante remoto e superado? Se isto ocorrer, significa que somos “anacrônicos” em face da época que vivemos, que somos fósseis e não seres que vivem de modo moderno. Ou, pelo menos, que somos bizarramente “compósitos”. E ocorre, de fato, que grupos sociais que, em determinados aspectos, exprimem a mais desenvolvida modernidade,em outros manifestam-se atrasados com relação à sua posição social,sendo, portanto, incapazes de completa autonomia histórica.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, vol. 1, pág. 95. 4ª edição. Civilização Brasileira, 2006.

O novo Iuperj:: Merval Pereira

Depois de longa crise financeira que culminou com a transferência de todo o seu corpo docente para o Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da UERJ, em meados do ano passado, o Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), ligado à Universidade Cândido Mendes, está se reorganizando sob a direção do cientista político Geraldo Tadeu Monteiro.

Considerado patrimônio das ciências sociais, durante os últimos 45 anos foi fundamental para o desenvolvimento da sociologia e da ciência política do Brasil. Criado em 1964 como instituto de pesquisas, cinco anos depois se transformou em centro de pós-graduação e pesquisa.

O projeto do Novo Iuperj, explica Tadeu Monteiro, quer preservar o que era sua marca, a excelência acadêmica, representada no conceito 7 da Capes, mas modernizando-se e buscando maior impacto, abrindo-se para a sociedade. Um dos problemas de gestão do antigo Iuperj era sustentabilidade, uma vez que, em se tratando de um curso de pós-graduação, despesa sempre será maior que receita.

Foi preciso reestruturar salários e instituir o pagamento de mensalidades para que seja possível fechar a conta. Foi feito um processo seletivo para a escolha de novos docentes e, entre mais de 40 candidatos, foram selecionados 20 professores que começaram a trabalhar nos novos cursos de mestrado e doutorado, reconstituindo linhas de pesquisa.

Foram agregados ao Iuperj o Cesec, o Centro de Estudos das Américas, e o Centro de Estudos Afroasiáticos, assinado um acordo sobre a Revista Dados e criado um novo Regulamento para a pós-graduação. Também foi incorporado ao Iuperj o antigo Instituto de Humanidades da UCAM, com cursos de graduação em relações internacionais, ciências sociais, história, letras, etc.

Além da renovação do convênio com a Escola de Políticas Públicas e Governo, de Luiz Salomão, para dar continuidade à parceria, será criada a Escola Brasileira de Governo e Políticas Públicas San Tiago Dantas (EBGP), que, segundo Tadeu Monteiro, pretende se converter em uma grande escola de governo para aprimorar a qualidade da gestão das políticas púbicas no Brasil.

Em poucos dias serão lançados os editais das 4 novas turmas, duas de mestrado e duas de doutorado em ciência política e relações internacionais e sociologia. Em março mais de 20 cursos de pós-graduação serão abertos nas mais diferentes áreas das ciências sociais. A Biblioteca do Iuperj, com 33 mil volumes de livros especializados e mais de 3 mil periódicos especializados em ciências sociais (hoje é a segunda maior biblioteca de ciências sociais do Brasil), vai ser instalada numa loja no térreo do prédio da Praça Pio X e será tornada pública.
Tadeu Monteiro considera este "um momento crucial dessa trajetória", às vésperas do lançamento das novas turmas. Ele, que foi diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS), é especialista em análises eleitorais, autor de vários livros, como do Manual do Candidato às Eleições, publicado pela Gramma em 2010, e ajudará a dar continuidade aos estudos das eleições brasileiras, uma das principais especialidades do Iuperj, que tem um dos melhores bancos de dados das eleições brasileiras.

Acompanhando o debate sobre reforma política, ele diz que, embora o sistema político brasileiro comporte ajustes pontuais, não é passível de ampla reforma com medidas radicais que vão de encontro à nossa tradição política e cultural. Considera que, pelo menos em parte, o que acontece é jogo de cena puramente retórico de alguns políticos que querem "dar uma resposta" à sociedade que repudia a insensibilidade de uma classe política que só aparece nos jornais pelas disputas de cargos, pelas vantagens e pelo aumento de 63,8% nos salários.

Por outro lado, diz Tadeu Monteiro, há os "aprendizes de feiticeiro" que defendem certas medidas de "ouvir dizer", como a lista fechada ou o voto distrital misto. "Fala-se genericamente em fortalecer os partidos através da instituição da lista fechada e de acabar com a corrupção com a instituição do financiamento público de campanha". No entanto, lembra Tadeu Monteiro, "os nossos partidos estão longe de ter identidade programática (para não falar em "ideológica") e são, em sua maioria, dominados por oligarquias".

Como a lei partidária remete os mecanismos internos aos estatutos dos partidos, o que existe, na sua opinião, é centuado centralismo nas decisões partidárias, e em geral, as executivas decidem e as instâncias deliberativas homologam. Tadeu Monteiro ressalta que a lista fechada é adotada por poucos países no mundo e só teria sentido com partidos reformados, dotados de amplos mecanismos democráticos internos, como as primárias, que garantissem igualdade de acesso dos seus militantes às decisões partidárias e, particularmente, à colocação na lista partidária.

Para ele, o método proporcional de escolha que adotamos, utilizado praticamente em toda a América Latina, em Portugal, na Espanha, Itália e Suiça, entre outros países, "a despeito dos casos Enéas e Tiririca, funciona muito bem na maior parte dos casos, e permite fiel representação do eleitorado".

O "distritão", diz Tadeu Monteiro, é que provocaria distorções e, sobretudo, individualização das campanhas na medida em que o candidato só depende de si mesmo para se eleger, e não do resultado da lista do seu partido. Esse sistema é típico dos países de tradição anglo-saxônica do velho Commonwealth (Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e Índia) e funciona bem em contextos bipartidários com distritos de menor dimensão.

Os EUA são divididos em 435 distritos congressuais de aproximadamente 600 mil eleitores, que elegem um deputado cada, o que garante certa igualdade entre distritos. Colocar todos os candidatos no mesmo "distritão" vai subrepresentar o Interior do Estado, por exemplo, em favor da Capital, como aconteceria no Rio, onde a Grande Tijuca tem mais eleitores que Campos.

Para Tadeu Monteiro, em vez do financiamento público de campanha, deveria haver o estabelecimento, pela Justiça Eleitoral, de um teto de gastos para cada Estado e cargo. Outra reforma simples seria impedir doações de pessoas jurídicas a candidatos. O cidadão - pessoa física - pode e tem direito de financiar seu candidato, até o limite determinado por lei, mas não uma empresa, que não tem outro interesse que não comercial.

FONTE: O GLOBO

Informar é preciso:: Dora Kramer

Uma sugestão singela para as excelências senatoriais que depois de amanhã fazem a primeira reunião da comissão que discutirá a reforma política: que tal ouvir o que pensam os eleitores a respeito, conhecer seus anseios e a partir daí estruturar um sistema de comunicação capaz de integrar representantes e representados num esforço conjunto de aperfeiçoamento?

Como? É ingênua a proposta? Não, apenas lógica. Como falamos de sistema representativo, é preciso levar em conta os dois lados da história, a fim de que não estejamos mais uma vez tratando de mudanças que interessam apenas a um deles.

O eleitor pode não entender, e a maioria não entende mesmo, os jargões da política. Mas sabe bem, ou ao menos intui, o que lhe desagrada.

Um obstáculo evidente nessa história é a desigualdade de condições: enquanto os políticos dominam muito bem o assunto, a sociedade nem sequer sabe o significado de determinados termos e conceitos.

Quantos conseguem dizer o que é voto distrital? Quem domina os cálculos do sistema proporcional? E a chamada "janela" de infidelidade partidária, as pessoas por acaso sabem que na prática isso altera por determinado período sua vontade expressa nas urnas?

Pelo seguinte: se, como se ventila agora, durante os últimos seis meses antes da próxima eleição o parlamentar puder ir para onde quiser estará subtraindo em seis meses o tempo de validade do voto dado à época da eleição, quando estava no partido.

E o voto obrigatório, alvo de críticas de todos os lados, mas justificado com o argumento de que o "brasileiro" não está suficientemente educado e politizado para o voto facultativo?

Por acaso alguém informa que dos 232 países do mundo apenas 24 adotam o voto obrigatório, sendo 13 deles na América Latina?

E assim a desinformação grassa também em relação a temas como escolha por lista fechada, financiamento público de campanha - já existente nas verbas do fundo partidário e no horário "gratuito" no rádio e na televisão - e a distorção federativa da representação da Câmara.

E o que seria esse ponto de nome tão pomposo? Simples: por obra do regime ditatorial, o general Ernesto Geisel promoveu uma mudança no critério de formação das bancadas, estabelecendo um mínimo (8) e um máximo (70) de deputados por Estado.

A ideia era fortalecer a representação de Estados mais dependentes do governo federal. Pois a ditadura acabou e hoje há Estados sub-representados e outros super-representados. Exemplo: São Paulo tem um deputado para cada 585 mil habitantes, enquanto em Roraima um parlamentar representa 51 mil cidadãos. Nos Estados Unidos a representação é alterada conforme a variação populacional.

E a diferença entre presidencialismo e parlamentarismo, o Brasil sabe qual é? No plebiscito de 1993 venceu a desinformação, porque se convenceu a Nação de que o parlamentarismo significa apenas que deputados mandam e desmandam no País.

Aquela parte sobre a efetiva corresponsabilidade com o bom andamento do governo que pode cair mediante voto de desconfiança foi relegada ao limbo do desconhecimento.

Assim vamos de novo entrando na discussão sobre reforma política em situação de desequilíbrio total: os políticos sabendo demais e a população sabendo de menos.

Se os especialistas no tema se dedicassem a esmiuçar cada ponto, tudo muito explicado, detalhado com prós e contras, o cidadão então bem informado poderia fazer suas escolhas, cobrar e se manifestar, com conhecimento de causa, sobre o que acha certo ou errado.

Utópica a sugestão? Não, apenas lógica, mas sem a menor chance de ser aceita pela óbvia evidência de que à ampla maioria do Congresso não interessa saber o que pensa a sociedade muito menos contribuir para a educação política do público. Pois sabemos como é: na falta de informação prevalece a manipulação.

Inspiração. Carlos Ayres Britto, ministro do Supremo Tribunal Federal: "O Rio de Janeiro é Deus com sua melhor roupa de sair".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO