quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Contradições em torno do mínimo:: Cláudio Gonçalves Couto

O então candidato presidencial tucano, José Serra, propôs durante sua campanha um salário mínimo de R$ 600. Dizia ser este um valor possível para o país e incapaz de prejudicar a solidez das contas públicas. Ia ainda mais longe, afirmando que não se tratava de uma promessa de campanha, mas do anúncio de uma decisão de governo, a qual seria implementada tão logo tomasse posse. Agora, por ocasião da discussão do novo valor do salário mínimo no início do governo de sua então adversária, Dilma Rousseff, o PSDB cumpre seu papel de oposição e encampa no Congresso o compromisso da campanha, defendendo o mesmo valor de R$ 600.

O valor proposto pelo candidato de oposição era consideravelmente superior ao salário mínimo de então, de R$ 510 (representaria um aumento de 17,6%) e inclusive superava por larga margem o valor do piso estadual de R$ 560 vigente em São Paulo, até pouco antes governado pelo mesmo Serra. O novo governador tucano, Geraldo Alckmin, já no início de seu mandato e antes mesmo que o novo salário mínimo nacional fosse estipulado, seguiu o valor sugerido por Serra para o Brasil, fixando o mínimo estadual em R$ 600 na sua menor faixa (R$ 620 na maior delas). Poder-se-ia ver aí um sinal de coerência tucana, mas há uma inconsistência.

Disputa sobre o mínimo mostra oportunismo

Ela fica clara, primeiramente, quando comparamos o PIB per capita brasileiro com o do Estado de São Paulo. Utilizando dados do Ipea Data referentes a 2008 (a preços de 2000), o PIB per capita do país era de R$ 8,28 mil, enquanto o paulista era de R$ 12,66 mil; ou seja, 53% maior que o brasileiro. Se tomarmos esse valor como um indicador da riqueza relativa do país e do Estado, poderíamos esperar que numa unidade federativa que é cerca de 50% mais rica que a média do país, o salário mínimo vigente pudesse ser igualmente superior. Assim, poder-se-ia esperar que ao salário mínimo nacional de R$ 510 correspondesse um piso estadual paulista de R$ 780 - e não os R$ 560 de então. Mas se poderia objetar (com razão) que as coisas não funcionam exatamente desta maneira e que o valor do mínimo não deve ser diretamente proporcional à riqueza per capita de cada lugar.

Todavia, há uma segunda maneira de explicitar a inconsistência, pois é plausível esperar que um Estado tão mais rico que o resto do país como São Paulo ofereça a seus trabalhadores um mínimo significativamente superior ao estipulado nacionalmente - ainda que não de forma proporcional ao PIB per capita. Façamos então outra comparação. Em 2010, o salário mínimo definido pelo governo paulista de José Serra correspondia a 1,098 salário mínimo nacional. Mantendo essa proporção para a proposta de um piso nacional de R$ 600, feita pelo PSDB no Congresso, deveríamos ter agora um mínimo paulista de R$ 659 - bem maior do que o hoje concedido pelo governo do PSDB paulista. Por que então isto não foi feito?

Talvez porque a principal razão que explica a promessa de Serra durante a campanha
presidencial e a proposta oposicionista do PSDB congressual hoje é a mesma que, outrora, explicava a oposição sistemática do PT ao governo Fernando Henrique Cardoso: oportunismo. Durante a campanha esse oportunismo derivava das dificuldades de vencer uma candidata favorita sobretudo entre os mais pobres - principais beneficiários de qualquer elevação do salário mínimo real. O irônico é que esse oportunismo não tem se mostrado frutífero no Brasil. Por um lado, o PT foi seguidamente derrotado nas eleições presidenciais, vencendo-as apenas quando moderou sua postura (lembre-se da "Carta ao Povo Brasileiro"); por outro, a proposta de José Serra não se mostrou convincente ao grosso do eleitorado de baixa renda, que permaneceu fiel a Lula e sua candidata - dotados de credenciais bem mais consistentes no que concernia à elevação do mínimo e ganho de renda das classes baixas.

Mas o oportunismo não é uma exclusividade de oposicionistas, como bem demonstrou a atuação do PDT neste episódio - capitaneado pelo deputado Paulo Pereira da Silva e com o beneplácito do ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Num contexto em que a CUT, organicamente ligada ao PT, vê-se constrangida a não bater de frente com seu próprio governo, a Força Sindical - adversária histórica, aliada ocasional do petismo - percebeu uma brecha para ganhar espaço na disputa da base trabalhista. É pouco provável que os pedetistas e seus membros sindicais reiterem esta conduta na votação futura de outros temas de interesse do governo. Mesmo porque, embora alguma retaliação moderada a Lupi e correligionários seja provável, como forma de demonstrar contrariedade e autoridade, não é do interesse do governo estiolar em demasia essa relação. É um típico caso em que a nenhuma das partes interessa acirrar tensões, pois há muita coisa em jogo no futuro, principalmente porque o governo Dilma está apenas começando. As declarações de Paulinho da Força, de que é preferível perder lutando, indicam uma certa aceitação da derrota, mas sem maiores ressentimentos.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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