quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Dores do gigantismo:: Rosângela Bittar

Divididos, todos os partidos estão. Se pudessem e o fundo partidário os acompanhasse, sairiam por aí se desdobrando em siglas a qualquer divergência. O PMDB está rachado entre Câmara e Senado; o PSDB entre duas regiões; o DEM entre opções de aliança e criador e criatura; o PSB entre governadores nordestinos; os pequenos partidos, fracionados por preferência de líderes, por representantes, por privilégios. Mas a disputa de espaços de poder - insuficientes para tanta gente - dentro do PT, a mais forte legenda da aliança política do governo Dilma Rousseff, que vinha conseguindo manter a convivência das suas históricas divisões, provocou novas diásporas. São subdivisões, das divisões, das facções em que o partido se cindiu.

Há um fracionamento novo, dentro da tendência Construindo um Novo Brasil, no interior de uma representação estadual, a de São Paulo. Na última reunião do partido, véspera das comemorações do seu aniversário, semana passada, em Brasília, a guerra se explicitou a partir de uma forte e ríspida discussão em torno das eleições para escolha do petista que vai presidir a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, provavelmente ainda nesta semana.

Não é uma fragmentação de todo sem conteúdo, ou apenas motivada por preferências de nomes. Envolveu uma discordância radical em torno dos métodos de escolhas do partido, ou das escolhas sem critério que o vale tudo da conquista de espaço provoca.

Na eleição do novo presidente da Câmara, quando o depois vitorioso Marco Maia ainda disputava a candidatura com Cândido Vaccarezza, ambos da mesma corrente, partilhando ideias e ideais, aprofundou-se essa divisão do PT, antes velada, agora desabrida. Na bancada espalhou-se a informação, atribuída ao ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha de que o candidato a presidente da Câmara do campo majoritário era Vaccarezza. Maia reagiu, disse que também era candidato do mesmo campo, e que não havia sido consultado sobre esta importante definição. Uma entrevista de Vaccarezza à "Veja", em que faz restrições à ação dos sindicalistas, atiçou a rebelião do grupo do sindicalista Maia.

Entre os insatisfeitos perfilaram-se Arlindo Chinaglia, Ricardo Berzoini, Henrique Fontana, até que, ao fim da campanha, vésperas da votação, contaram-se os votos, Maia tinha mais, Vaccarezza retirou seu nome. Os mesmos personagens estão lutando o próximo round, a indicação do novo presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Ao PT apresentou-se como fato consumado que a facção Construindo um Novo Brasil, majoritária, apoia João Paulo Cunha para o cargo. Ricardo Berzoini informou que também é do CNB, também de São Paulo, e também é candidato. Uma batalha de vazamento de notinhas em jornais resultou na mais constrangedora sessão de debates das mazelas partidárias na reunião de aniversário do partido.

Berzoini, numa pré-contagem rigorosa de votos, pode reconhecer que não vence e até aceitar a presidência da Comissão de Finanças. Mas o estrago está feito e a cisão consolidada. O líder do governo está com João Paulo, o líder do PT com Berzoini; o grupo de petistas que deu peso à candidatura Maia está com Berzoini, mas João Paulo, como ex-presidente da Câmara, conquistou uma popularidade interna que ninguém mais tem.

As discussões da semana passada foram tão fortes que até o mensalão voltou à tona. Houve queixas de que o grupo de Berzoini estava atribuindo a condição de mensaleiros aos que apoiam João Paulo. Berzoini fez uma intervenção violenta. Disse que é CNB, ex-presidente do PT, está em seu terceiro mandato, tem o direito de disputar a CCJ. Por que João Paulo? Perguntou. E foi à forra: "Recrimino ficarem falando que quem apoia João Paulo é mensaleiro. Estou isento. Fui presidente do PT no Mensalão e defendi a todos. Defendi José Dirceu, João Paulo Cunha, José Genoino."

No discurso, apontou o cerne da questão: "O problema é de procedimento". A proposta é rever as regras internas do partido para redefinir como serão tomadas as decisões. Alguns participantes do debate veem, por trás da tensão ali presente, a falta não só de instâncias de decisão, como de uma liderança incontestável. "Quando Lula era presidente da República, ele mandava um recado à bancada e tudo se ajeitava. Saiu o Lula, não tem recado, é preciso fazer a discussão, não há ninguém autorizado a decidir sozinho", avaliou um integrante da cúpula.

Na cena estavam o ex-presidente do PT José Dirceu e o atual, José Eduardo Dutra, que tudo ouviram, atônitos. Dutra ficou de conversar com o CNB, com a bancada, e com quem mais se habilitar para definir novas regras de definições internas a constar do Estatuto.

A equação Gilberto Kassab-Democratas, em processo de decifração há meses com a demonstração prevista para os próximos 40 dias, embute elementos ainda pouco nítidos mas existem evidências que saltam agressivamente aos olhos:

1- Kassab faz parte de um grupo de seis políticos que estão articulados de alguma forma, com projeto político absolutamente solidário mesmo que o destino imediato de uns não seja o de todos. Nele estão Guilherme Afif Domingos, Jorge Bornhausen, Raimundo Colombo, Kátia Abreu e Marco Maciel.

2- O primeiro passo já definido é a criação de um novo partido, mas os subsequentes estão em aberto. As hipóteses de fusão, coligação ou aliança, pelo menos com o PSB, soam teatrais, para não dizer um ensaio da pior mágica política.

3- O ex-ministro, ex-senador, ex-prefeito, ex-governador José Serra, do PSDB, perdeu o posto de líder político natural desse grupo de liberais. Não há ainda ninguém em seu lugar, tudo dependerá do esperado desfecho.

A relação da presidente Dilma Rousseff com os partidos aliados e a gestão que fará da coalizão no governo terão parâmetros explicitados na forma como a presidente reagirá ao PDT. Se o partido for infiel ao projeto do governo na votação do salário mínimo, o ministro Carlos Lupi, do Trabalho, poderá amanhecer a quinta-feira fora da capitania que assumiu na cota do partido do qual é presidente licenciado, presidente de honra e líder maior. Ou não.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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