segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Esquerda, a filha enjeitada do PT de meia-idade

Nos 31 anos do partido, estudiosos debatem o vazio ideológico que ele deixou e o futuro das utopias socialistas

Gabriel Manzano

Houve muita festa, bolo com velinha e convidados ilustres, mas, se alguém na sala gritasse "fora FMI" ou "o mundo marcha para o socialismo", iria estragar o clima. O PT de meia idade que comemorou 31 anos na quinta-feira, em Brasília, é um senhor comportado - ideologicamente - que ao chegar ao governo trocou, como já fizeram tantos outros partidos-camaradas, as bandeiras da utopia socialista pela lógica da manutenção do poder. Ao subir a rampa do Planalto, em 2002, o petismo deixou para trás uma esquerda órfã, que foi se esvaziando, ficou desimportante e sem horizontes. E nenhum dos pequenos grupos radicais conseguiu reverter esse quadro.

O debate sobre esse vazio, num terreno onde antes pululavam grupos trotskistas, o velho Partidão e o PTB da era Vargas, leva a uma polêmica interminável. Há os que entendem que o sonho socialista morreu. Uma minoria acredita que dá para revivê-lo. E, para muitos outros, a esquerda vai muito bem, obrigado, só deixou de lado a briga por mais-valia ou uma sociedade sem classes e se concentrou no controle puro e simples da economia e da política pelo aparelho do Estado.

"A esquerda se esvaziou com o colapso do comunismo nos anos 90 e a guinada da China rumo ao mercado. Pode-se dizer que não há hoje um sistema alternativo ao capitalismo", resume Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Para ele, "o espaço encurtou e isso influiu no processo político do Brasil. O PT foi para o centro".

Sonho vivo. Mas a utopia socialista continua de pé para grupos à esquerda do PT, dos quais o PSOL é o mais expressivo, embora o PC do B ainda mantenha, misturado às suas aventuras esportivas, algumas bandeiras e forte militância estudantil. "O fato é que o PT peemedebizou-se", diz o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). "Hoje ele é um grande partido social liberal, de centro-esquerda, com práticas convencionais, frouxidão ideológica e seguidas concessões éticas". Alencar, ao lado de vários outros petistas, foi expulso da legenda em 2005, por votar contra a reforma da Previdência do governo Lula.

"Nós apostamos ainda na ressignificação do socialismo" , diz ele. "Não se trata de "rupturismo total", pois a conjuntura não é revolucionária, mas de uma reforma profunda, dentro das instituições. Reforma agrária, urbana, política, tributária e outras, sempre estimulando a organização e o protagonismo populares".

A polêmica passa pelos que tentam, sem sucesso, um debate sério da social-democracia - uma agenda que não atrai os políticos nem o eleitorado. E passa também pelos que veem no fortalecimento do aparelho do Estado a prova de que a esquerda está avançando. "O socialismo declinou, como proposta e como regime", admite o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, "mas sempre ressurge. No estatismo, na rejeição do mercado, da democracia representativa, do liberalismo, do individualismo e na defesa do partido único".

Alguma chance de a utopia socialista ressurgir? "Até onde se pode ver no horizonte, não", diz Aldo Fornazieri. O grande conflito do mundo, diz ele, não é mais entre patrões e operários, mas uma diferença civilizacional entre Ocidente e islamismo". No Brasil, ou lá fora, os paradigmas mudaram. O que existe agora, e o Egito acaba de dar um exemplo, são rebeliões para derrubar regimes autoritários.

Fornazieri faz uma certa ponte com Leôncio Rodrigues, ao admitir que "cresceu a percepção, pela esquerda, do Estado como mediador da ascensão social". Leôncio vê a esquerda crescer nas grandes bancadas do PT na Câmara e no Senado e na ocupação do aparelho de governo. "Aumentou a separação entre esquerda e socialismo", adverte. "Hoje a esquerda incorpora temas que nada têm com a classe operária, como proteção ambiental e defesa das minorias".

A dificuldade de outros grupos de esquerda para se firmar, segundo Leôncio, resulta da salada ideológica montada na origem do PT, que misturou marxismo com catolicismo progressista. "Ele era o partido dos operários e também do povo de Deus". Projetos com os quais o PT já não se comove, diz Alencar, para quem "ser de esquerda no Brasil de hoje é moer no áspero."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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