quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Forma e conteúdo:: Eliane Cantanhêde

Se Dilma Rousseff havia enviado sinais de que faria uma inflexão na política externa na área de direitos humanos, ela ontem deixou claríssimo que seu governo não apenas manterá como aprofundará a política Sul-Sul, dando de ombros para Estados Unidos e Europa e apertando os laços com os vizinhos da América do Sul.

Ela simplesmente não citou os EUA ao falar na abertura dos trabalhos do Congresso, nem mesmo para fazer uma gentileza diplomática com Barack Obama, que fugiu à regra para anunciar sua vinda de março ao Brasil justamente no discurso ao Parlamento. Seria adequado, até porque o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, chega ao Brasil na próxima segunda.

Na outra ponta, Dilma falou três vezes na América do Sul e defendeu a reforma da ONU, o multilateralismo e o "mundo multipolar" (sem os EUA mandando em tudo). Um discurso que poderia ter sido perfeitamente escrito pelo ex-chanceler Celso Amorim.

Em compensação, o governo tem sido bem mais cauteloso quando se trata da crise do Egito. Ou melhor, do mundo árabe. Enquanto os Estados Unidos já falam oficialmente em transição tranquila e o Reino Unido já classifica a pancadaria de ontem contra os manifestantes como "inaceitável" (um termo forte e raro em diplomacia), o Brasil continua em cima do muro.

Em nota, o governo defendeu ações e reações pacíficas. Ah, bom! Em rápida declaração ao deixar a Argentina, a própria Dilma disse torcer para que a saída seja "democrática e leve o povo a desfrutar do desenvolvimento". Ah, bom!

Se fosse no governo anterior, Lula já teria falado umas três metáforas impróprias e Amorim já estaria certamente articulando uma reunião internacional para salvar o mundo árabe de teocracias.

Conclusão: o foco da política externa não muda. O que muda, como dito aqui desde o início, são os atores. E, portanto, os estilos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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