terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Inflação sincronizada de commodities :: Yoshiaki Nakano

A disparada nos preços de commodities no mercado global desde meados do ano passado deverá persistir num futuro previsível e, com isso, a aceleração da inflação passou a ser uma das principais preocupações dos países emergentes. Com exceção do petróleo, tanto os alimentos como os metais preciosos já ultrapassaram os níveis recordes que haviam alcançado no início de 2008, antes do pânico gerado nos mercados com o colapso do Lehman Brothers.

Esta surpreendente recuperação e boom nos preços das commodities tem inegavelmente um forte componente provocado pelo excesso de liquidez gerado pelas políticas monetárias ultraexpansionistas do Federal Reserve (Fed, banco central americano) e do banco central europeu. Com o excesso de liquidez, as posições especulativas de investidores financeiros em commodities já vinham crescendo fortemente antes da crise financeira. Com a crise financeira e a súbita e forte contração de liquidez de crédito, os preços da commodities sofreram uma forte queda. Com a nova política monetária de "quantitative easing" - monetização da dívida pública - recursos a vontade a taxas de juros próximas a zero, num contexto de incerteza, investimentos em commodities transformaram-se numa alternativa atraente em termos de retorno. É por isso que commodities com características díspares, cujos preços não tinham nenhuma correlação, passaram a ter hoje uma correlação forte, tanto o boom como o colapso de preços, passaram a ser sincronizados. É verdade que esta especulação tem fundamento no forte aumento da demanda dos países emergentes, mas o aumento sincronizado de preços em mercados com características tão dispares (alimentos x petróleo) tem um componente de bolha", certamente um fenômeno recente que merece atenção, pois tornou este mercado pelo menos mais volátil.

Estes aumentos sincronizados de preços das commodities deverão persistir por alguns anos, pois tanto a política monetária expansionista do Fed, como o crescimento demanda, eventualmente mais moderada, dos emergentes também deverão persistir. De uma forma mais geral, as consequências desta pressão inflacionária serão negativas para a economia global, particularmente nos países emergentes, pois estão reagindo com aperto na política monetária ou creditícia. Isto significa que a taxa de crescimento dos países emergentes deverá ser revista para baixo nos próximos anos. Para os países desenvolvidos as consequências serão menos sentidas e poderá ser até positiva afastando o espectro da deflação.

Do ponto de vista teórico a reação correta de política monetária e as suas consequências dependem do grau de indexação dos salários e dos preços. Existem três situações básicas: a primeira situação e o pior cenário, é aquela em que os salários nominais aumentam em função da inflação de commodities (especialmente alimentos) e as empresas repassam estes aumentos para os preços. Neste caso, a política monetária, num primeiro momento, não reduz nem a demanda dos trabalhadores nem das empresas, o eventual excesso de demanda pode persistir, pois nem o salário real nem a margem de lucro sofrem queda. O risco é de aceleração persistente com uma espiral de salário e preço, o que exigirá novos e sucessivos apertos na política monetária e creditícia, até romper a indexação.

Este aparentemente é o cenário por trás da decisão do Banco Central do Brasil na sua última reunião de 18 e 19/1/2011. O Copom no seu comunicado identifica que a inflação foi "forte e negativamente influenciada pela dinâmica dos preços de alimentos" e que esses "desenvolvimentos tendem a ser transmitidos ao cenário prospectivo, entre outros mecanismos, via inércia". Este cenário de indexação de salários e preços, a inércia, pode prosperar dada a persistência no descompasso entre as taxas de crescimento da oferta e demanda", "… a estreita margem de ociosidade dos fatores de produção, especialmente, de mão de obra. Em tais circunstâncias um risco importante reside na possibilidade de concessão de aumentos nominais de salários incompatíveis com o crescimento da produtividade".

As consequências desta pressão serão negativas para a economia global, particularmente nos países emergentes.

Se este diagnóstico do Banco Central estiver correto, estamos enfrentando não só pressão inflacionária devido ao aumento de preços de commodities, como pela primeira vez na nossa história, o pleno emprego no mercado de trabalho.

Uma segunda situação é aquela em que os salários não estão indexados e, portanto sofrem queda real no seu poder aquisitivo, com o aumento de preços, resultando numa queda no consumo, eliminando, eventualmente, o excesso de demanda. Neste caso, não serão necessárias medidas de aperto na política monetária, pois a elevação do nível de preços reduz a demanda, ajustando-se a oferta menor a preços mais elevados. Evidentemente, o desemprego aumentaria.

Uma terceira situação é aquela em que os salários estão indexados, mas as empresas não tem condições de repassar os aumentos de salários em resposta aos aumentos de preços de commodities. Neste caso, a demanda das famílias se mantém, mas com a queda na margem de lucros, as empresas reduzem as suas demandas e certamente aumentaria o desemprego. Assim, não serão também necessárias medidas restritivas de política monetária em resposta aos aumentos de preços das commodities.

Desta forma, só na primeira situação, em que fatores de produção estão empregados e a demanda agregada está persistentemente crescendo mais do que a oferta, o aperto na política monetária é necessário até que a queda da demanda e elevação da taxa de desemprego comece a romper a indexação dos salários aos preços das commodities e dos preços aos salários.

Yoshiaki Nakano - ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV/EESP, escreve toda segunda terça-feira do mês.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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