quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Oposição nega saída honrosa a ditador egípcio e exige renúncia


Após os maiores protestos já realizados no Egito e uma mensagem do presidente Barack Obama, pressionando pela transição pacífica, o ditador Hosni Mubarak anunciou que não vai concorrer a seu sexto mandato, em setembro. Mas garantiu que não renuncia, como exige a oposição: "Este é meu país, onde vivi, lutei e defendi sua terra. Vou morrer neste território", disse ele. O Nobel da paz Mohamed ElBaradei deu um ultimato ate depois de amanhã para que ele saia. O pronunciamento de Mubarak desagradou e foi muito vaiado por manifestantes, que sacudiam sapatos no ar, prometendo nova marcha até o palácio presidencial, no que está sendo chamado de "sexta-feira da despedida". A família do ditador já deixou o país e está instalada em Londres.

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Fernando Duarte

Foram necessários oito dias de protestos, uma megagreve geral que mobilizou mais de 200 mil pessoas somente no centro do Cairo e, finalmente, uma mensagem direta do presidente americano Barack Obama para que o ditador do Egito, Hosni Mubarak, anunciasse formalmente que não vai buscar seu sexto mandato consecutivo nas próximas eleições presidenciais. Diante da resistência do povo egípcio em acabar com os dias de protestos que varreram várias cidades do país, a Casa Branca despachou um enviado ao Cairo para aconselhar Mubarak a sair de cena e abrir caminho para a democracia. Aparentemente convencido, o egípcio foi à TV fazer um pronunciamento - acompanhado por um telão por manifestantes que se recusavam a deixar a Praça Tahrir - e defendeu estabilidade para permitir a transferência de poder, mas advertindo que não deixará o Egito.

A estratégia irritou opositores e, num sinal de que não vão recuar, manifestantes já convocam a próxima grande mobilização popular: uma marcha em direção ao palácio presidencial na chamada "Sexta-feira da Despedida".

- O Hosni Mubarak que fala a vocês está orgulhoso das conquistas durante todos esses anos servindo o Egito e seu povo. Esse é meu país, onde vivi, lutei e defendi sua terra, soberania e interesses. Vou morrer neste território - afirmou o presidente.

Nos corredores da diplomacia internacional, fontes americanas asseguravam que o anúncio foi feito somente após a mensagem enviada por Obama através do ex-embaixador dos EUA no Cairo, Frank Wisner, amigo pessoal de Mubarak. Do lado de fora, no entanto, manifestantes agitando bandeiras do Egito vaiavam e sacudiam sapatos no ar, prometendo que não deixariam as ruas até o afastamento definitivo do presidente.

Mubarak deu, ainda, outro recado controverso: prometeu mandar a temida polícia de volta às ruas para assegurar estabilidade e identificar os responsáveis pela desordem. E, refletindo a insatisfação popular, a resposta da oposição foi rápida.

- Trata-se de uma manobra dele para tentar ficar no poder - disparou o ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) Mohamed ElBaradei, em entrevista à rede CNN.

Mais cedo, ElBaradei já havia dado um ultimato a Mubarak - alimentando rumores de que estaria negociando com militares de média patente os rumos do Egito pós-ditadura.

- O presidente tem até sexta-feira para deixar o poder e o país, para libertar o povo. Não creio que ele queira ver mais sangue derramado - desafiou o oposicionista.

Apesar de todas as dificuldades criadas pelo regime, como a suspensão dos transportes e da infraestrutura de comunicações, nada parecia intimidar os egípcios, que aderiram em massa, à maior manifestação dos últimos oito dias. Segundo cálculos informais do Exército, pelo menos 200 mil pessoas marcharam pela capital, rechaçando com um imenso coro a recente oferta do governo de dialogar com facções da oposição.

Crianças e mulheres aderem a protestos

Mesmo em outro dia sem internet e com outro toque de recolher, manifestantes desde o início da manhã já se aglomeravam nos arredores da Praça Tahrir. Além da presença ostensiva do Exército, a vigilância foi reforçada por milhares de voluntários, que tinham na camisa etiquetas, escritas à mão, com a inscrição "seguranças do povo". Juntos, montaram filas de revista, em que além de procurar por objetos suspeitos e saudar estrangeiros como o invariável "Welcome to Egypt", distribuíam panfletos reforçando o caráter pacífico dos protestos.

Se isso significava uma demora de pelo menos uma hora para chegar à praça, ao menos serviu de incentivo para que egípcios de várias idades e origens se sentissem seguros para participar. Para observadores ocidentais a visão de grupos distintos, caminhando em direções diferentes, não raramente cantando slogans distintos, poderia parecer confusa. A maior coordenação ocorreu em momentos de prece, quando linhas e linhas de muçulmanos se ajoelhavam no chão. Para um povo que durante décadas teve agrupamentos públicos proibidos e severamente reprimidos era a oportunidade de um desabafo, expresso em cartazes e no sorriso de crianças sentadas nos ombros dos pais e abanando bandeirinhas egípcias.

- Não tive medo de trazer meus filhos hoje, pois confio no desejo do povo de pedir democracia de forma pacífica. Os jovens e as crianças precisam aprender a soltar a voz que minha geração durante tantos anos teve presa na garganta - afirmou Ali Farouk, ao lado de dois meninos que repetiam o grito de "Fora Mubarak".

O Exército cumpriu a promessa de não intervir, e os manifestantes também encontraram maneiras originais para expressar repúdio: além de enforcamentos simbólicos de bonecos do presidente, um homem subiu no alto de um dos postes para dar repetidas sapatadas num paletó e numa fotografia de Mubarak. Houve até quem desenhasse o penteado e o bigode de Adolf Hitler sobre fotos do ditador.

Se a falta de maior estrutura para comícios fez com que líderes políticos evitassem a praça ontem, lideranças religiosas aproveitaram a oportunidade para desfilar junto ao povo. A presença do imã moderado Safwat Hagazi, por exemplo, causou histeria, mas em nenhum momento tirou o sorriso com que o homem conhecido pelos egípcios como ""O Doutor"", conversou com o público.

- Estamos aqui para relembrar que somos todos egípcios, não importando se muçulmanos ou cristãos. Todos estamos do lado da democracia - declarou.

Hagazi também não se esquivou de perguntas sobre os temores do Ocidente quanto a uma eventual ascensão do Islã político com a queda de Mubarak. Além de dizer que o Egito carece de uma liderança carismática de apelo nacional, como o aiatolá Ruhollah Khomeini no Irã revolucionário de 1979, ele criticou "a obsessão dos americanos":

- Os EUA e o Ocidente precisam entender que a ditadura não vai manter a estabilidade. Hoje o que temos é falso: Mubarak é um agente da Casa Branca, e os EUA deveriam apoiar o povo egípcio, que apenas deseja o mesmo já experimentado pelos americanos: liberdade e democracia.

FONTE: O GLOBO

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