sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Revolução 2.0:: Merval Pereira

No início da crise que atinge o Egito, o presidente Hosni Mubarak disse ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que ele não conhecia "a psicologia" do povo egípcio, e por isso não entendia que sua saída do poder poderia levar o caos ao país. Quinze dias depois, tudo indica que a permanência de Mubarak no poder, como ele anunciou ontem, é que poderá levar o Egito ao caos.

A chave para entender o que pode acontecer a curto prazo no Egito está no comportamento do Exército, que até o momento teve movimentos de apoio ao ditador Hosni Mubarak, mas de maneira geral tem mantido a Praça Tahrir como um local liberado para os protestos, que agora tendem a ficar mais radicalizados diante da frustração com a decisão de Mubarak de permanecer à frente do governo até setembro.

Nada indica que ele tenha condições políticas para tal, a não ser que os militares aceitem reprimir os manifestantes em todo o país com uma violência que os marcará para sempre.

Embora Mubarak tenha claramente rejeitado no seu pronunciamento as pressões americanas pela sua saída, é improvável que ele se mantenha no poder apenas à custa da repressão política.

Ele perdeu a legitimidade para ficar à frente do poder e ameaça levar consigo a legitimidade dos militares, além de ter perdido o apoio incondicional dos Estados Unidos.

Cidadãos acampados na Praça Tahrir, no Cairo, já não escondem a cara para falar mal diretamente de Mubarak em depoimentos à imprensa estrangeira, e a tônica é de que ele já não os representa mais, já não merece seu respeito.

O gesto ofensivo de mostrar o sapato e a palavra de ordem "nós ficamos, ele sai" resumem bem o estado de espírito dos manifestantes.

Já não há mais praticamente setores da sociedade que apoiem a permanência de Hosni Mubarak no governo, e a prova disso são as diversas greves que estouraram ontem pelo país, numa demonstração de que mesmo quem nos primeiros dias queria a volta da normalidade, para que os negócios continuassem sem ser prejudicados, hoje já considera que a presença de Mubarak no poder se tornou o principal obstáculo à volta da normalidade ao Egito.

Ficou evidente durante todo o dia de ontem que as pressões dos Estados Unidos chegaram ao nível militar e do aparelho de segurança, com o diretor-geral da CIA tendo dito no Congresso que era mais do que provável que Mubarak anunciasse ainda ontem sua renúncia, o que acabou não acontecendo.

Não há indicações seguras sobre que tipo de apoio ainda possui Mubarak para resistir às pressões que vêm das ruas do Egito e dos Estados Unidos, mas o que fica cada vez mais claro é que a frustração e o rancor, que dominam as manifestações em diversos locais do Egito, podem transformar cidadãos pacíficos em ativistas violentos, o que daria à situação uma nova e preocupante moldura.

Há entre os analistas o temor de que Hosni Mubarak tenha decidido radicalizar sua posição justamente para provocar atitudes violentas por parte dos manifestantes, o que justificaria uma intervenção militar a seu favor, para controlar a situação no país.

O que mais aparece nos depoimentos e entrevistas que cidadãos comuns dão às televisões estrangeiras, diretamente da Praça Tahrir, é a disposição de resistir "até a morte".

Wael Ghonim, o chefe de marketing do Google no Oriente Médio e na África, que criou a página "Todos somos Khaled Said" - em referência ao sacrifício do feirante no interior do país que desencadeou essa onda de revolta que já entra no seu 16º dia - deu entrevistas ontem dizendo que não há dúvida de que o Egito está em meio a uma revolução, que ele chama de "Revolução 2.0" por causa da influência da internet na mobilização dos manifestantes.

Ghonim declara que está disposto a morrer para alcançar o objetivo de ter no Egito "mais liberdade", e considera-se um alvo dos serviços policiais que ainda apoiam o ditador Hosni Mubarak.

O que aumentou a frustração dos manifestantes diante da ducha de água fria que foi o pronunciamento à noite de Mubarak afirmando que pretende ficar no poder até setembro, quando haveria a eleição que selaria a transição política no país, foi que as informações enviadas durante todo o dia indicavam o contrário.

Wael Ghonim, por exemplo, a certa altura do dia enviou um tweet para seus milhares de seguidores dizendo: "Missão cumprida".

Diante de milhares de manifestantes reunidos na Praça Tahrir, o chefe do Exército, Hassan al Rowen, havia dito que "todas as demandas da população vão ser atendidas".

A versão oficial, após a reação frustrada e raivosa da multidão, é de que o ditador Hosni Mubarak, embora continue sendo o presidente, já não tem mais poderes reais, que foram transferidos para o vice-presidente Omar Suleiman, que hoje é o presidente de fato.

Para efeitos oficiais, esse arranjo é aceitável, inclusive porque os Estados Unidos trabalhavam com a hipótese de não humilhar Mubarak na sua saída.

Mas, para a multidão reunida na Praça Tahrir, esses arranjos políticos já não satisfazem. Para fazer as reformas, talvez seja possível esse arranjo, mas será preciso dar aos cidadãos amotinados alguma indicação de que a sua Revolução 2.0 não se frustrará.

É pouco provável que a tentativa de permanência de Hosni Mubarak na Presidência resista à fúria das ruas.

FONTE: O GLOBO

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