sábado, 26 de março de 2011

Cem dias e cem noites:: Wilson Figueiredo

A julgar pela boa impressão geral, os cem dias de expectativa popular em torno de novos governos estão sendo suficientes para o brasileiro médio firmar impressão favorável à presidente Dilma Rousseff. Só agora o eleitor está conhecendo a presidente, que tem, cada vez menos, a ver com a candidata. E ainda sobra o suficiente para dar o que pensar ao ex-presidente Lula, que não contava com efeito favorável por esse lado em que ela se tem dado melhor do que a encomenda (e ele nem tanto).

Durante a campanha eleitoral foi impossível distinguir onde terminaria o efeito Lula em cascata, e se firmaria, por parte de Dilma Rousseff, um novo estilo de lidar com as pessoas e as situações. Lula inibia a personalidade oculta da candidata. Depois da eleição e antes da posse, o ex-presidente certamente estranhou, mas fez de conta que não lhe dizia respeito. Eram ainda, ou pareciam, recursos de campanha que se dissipariam com o tempo. Por parte de Dilma, o respeito, desde logo, se voltou para os cidadãos com prioridade – esta, sim – republicana.

A candidatura que pesava sobre a candidata não sobrecarrega a presidente eleita. Ao contrário. O período de carência, a se encerrar em duas semanas, deixa saldo superior à expectativa de um mandato constrangido por outro. A ter de optar entre a Dilma candidata e a Dilma presidente, não há dúvida que o cidadão tem razões de sobra para entender o fato como fenômeno político a ser levado em conta, daqui por diante, sob outra ótica.

Em sua origem, os cem dias de carência têm sido suficientes, onde quer que ocorram, para governantes que chegam ao poder por via eleitoral. Não é mais exclusividade americana.

O presidente Roosevelt foi o primeiro a reservar cem dias do seu primeiro mandato para equacionar em 1933 o governo que lhe valeria quatro eleições sucessivas a partir de uma economia e uma sociedade abaladas pela crise de 1929,com tudo o que se passou sob a recessão e o desemprego. Desde então, entendem-se suficientes os cem dias para um novo governo sair da prancheta e passar à ação. O caráter de prazo de carência é menos severo entre nós, mas não impede os meios de comunicação de disputarem as informações sobre ministros e medidas marcantes no começo de todos os governos. A questão passa a ser como terminam. Ou quando são importunados pela fúria continuísta, que faz plantão onde se admite a reeleição. Pode ser que um dia Lula, que tratou como paródia a única sucessão de que não participou como candidato, veja de modo diferente o que ainda não acabou de se passar.

Por aqui, o presidente Jânio Quadros, cuja carência era outra, cumprindo o que prometera na campanha eleitoral, entrou de sola e, em sete meses (pouco mais do dobro dos cem dias), ateou fogo ao circo, queimouse e o que estava implícito se explicitou.

Já a presidente Dilma Rousseff, nos mesmos cem dias, tem sido gentil com o eleitorado e, sem arrancos retóricos, encaminhou a bom termo as mais delicadas situações que as urnas lhe confiaram como um buquê de espinhos. Encontrou o modo natural de sair da sombra do seu padrinho e, com o devido cuidado para não o melindrar, restaurou as boas maneiras no exercício do poder que o eleitor confia aos eleitos. Tais normas são universais, não precisam de aprovação do Congresso e fazem parte do que se entende por civilização.

Depois de terminada a campanha – e interessado direto em demonstrar que a democracia, ao contrário do que dizia Churchill (com o humor que tanta falta faz ao ex-presidente) é mesmo o pior de todos os meios de governar, com exceção dos demais – Lula se contentou com a primeira parte do raciocínio, e deixou claro quando, em pleno exercício dos poderes presidenciais, mandou os ministros estraçalharem a campanha. E, ainda na condição de presidente, não hesitou em desempenhar o papel de cabo eleitoral.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

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