domingo, 13 de março de 2011

Endividamento de famílias aumenta 46% na Era Lula

As famílias passaram a destinar 46% a mais da sua renda para pagar dívidas com bancos ao fim dos oito anos de governo Lula. Os cálculos são da LCA Consultores com base em dados do Banco Central. Em janeiro de 2003, o brasileiro comprometia 14,6% do ganho mensal para quitar empréstimos em bancos. Com a explosão do crédito na Era Lula, o percentual saltou para 21,4%. Em janeiro deste ano, atingiu 22,2%.

O ciclo vicioso das dívidas

Brasileiro já destina 22% da renda para cobrir endividamento

Wagner Gomes e Karina Lignelli

A fartura de crédito que marcou o governo Lula - e ajudou na ascensão da classe C - começa a exibir seu lado nada glamouroso. O comprometimento da renda do brasileiro com o pagamento de dívidas aumentou 6,9 pontos percentuais (46,6%) entre 2003 e 2010, segundo cálculos da LCA Consultores com base em dados do Banco Central (BC). De acordo com o BC, em janeiro de 2003, o brasileiro precisava destinar 14,6% do seu ganho familiar mensal para a quitação de débitos. Oito anos depois, em dezembro de 2010, esse percentual havia passado para 21,4%. Houve novo salto em janeiro deste ano (o dado mais recente divulgado pelo BC), quando o indicador atingiu 22,2%. Especialistas dizem que "o limite de segurança" para evitar um ciclo vicioso de dívidas é de 25% da renda.

Os dados do BC levam em consideração apenas as dívidas dos consumidores com os bancos. São dívidas com crédito pessoal, consignado (com desconto em folha de pagamento), financiamento de veículos e crédito habitacional. Não estão incluídas as pendências com cheque especial e cartão de crédito, que embutem taxas de juros superiores a 10% ao mês e costumam fazer os maiores estragos no orçamento.

- O crédito este ano vai ficar menos abundante e mais caro, o que significa que a capacidade de pagamento de dívidas pelas famílias deve piorar. Não temos uma trajetória explosiva de comprometimento da renda com dívida, mas é preciso atenção com essa luz amarela. O quadro para 2011 é menos benigno - afirma o economista Douglas Uemura, da LCA Consultores.

A estabilidade da economia e a oferta abundante de crédito nos últimos anos levou o brasileiro a experimentar um pouco o estilo de vida de consumidores de Primeiro Mundo. Nos EUA, segundo o Federal Reserve (o banco central americano), as dívidas comem 17% da renda. É menos do que no Brasil, mas é preciso considerar a diferença de renda entre os trabalhadores dos dois países. Enquanto nos EUA a média chega a US$4,4 mil por mês, no Brasil o valor é de cerca de R$1,5 mil (US$882).

De acordo com a Associação Comercial de São Paulo, o valor médio da dívida na capital paulista subiu 46,6% entre 2003 e 2010, passando de R$1.500 para R$2.200.

- Comprometer 23% ou 24% da renda é preocupante - diz Luiz Rabi, economista-chefe da Serasa Experian.

Rabi adverte que o cenário anterior de juros baixos e financiamentos a perder de vista passa por rápida mudança. É reflexo das últimas medidas anunciadas pelo Ministério da Fazenda, que, depois de estimular o crédito, agora tenta esfriar um pouco a velocidade da economia e tirar força da inflação. O prazo médio para financiamento de veículos, por exemplo, passou de 44 meses em novembro para 41 meses em janeiro, segundo dados da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). Já o prazo oferecido para outros bens, como eletroeletrônicos e móveis, caiu de 16 para 12 meses - mesmo patamar de 2008 para 2009, marcada pela crise financeira.

Nesse cenário, o que só era endividamento pode se transformar em inadimplência. De acordo com o levantamento do Banco Central, em janeiro de 2003, as dívidas com atrasos superiores a 90 dias representavam 7,7% do total de crédito então disponível, de R$88,5 bilhões. Em janeiro passado, esse percentual era menor (5,7%), mas incidia sobre uma base mais encorpada (R$559,6 bilhões).

Na agência do Serviço Central de Proteção ao Crédito (vinculado à Associação Comercial), no Centro de São Paulo, as histórias de quem se endividou e tenta limpar o nome são semelhantes. Em 2006, quando era atendente em uma concessionária de veículos, Patrícia Alessandra dos Santos decidiu recorrer a um empréstimo para comprar roupas, sapatos e material escolar para os cinco filhos. Mas saiu do banco com mais: além do consignado, o gerente concedeu limite maior no cheque especial e cartão de crédito.

- Gastei além do que devia e começou a ficar difícil arcar com as contas. E o salário não acompanha - contou.

O que Patrícia não esperava era perder o emprego em 2009 e ficar cerca de um ano fora do mercado de trabalho. Sem dinheiro, as dívidas chegaram a R$6 mil. Hoje, empregada numa empresa de telemarketing, tem renda familiar de R$1.800. Conseguiu quitar dois terços do débito e negocia o restante com o banco em prestações em torno de R$50.

O motorista Marcos Antônio de Souza enfrentou situação parecida. Casado, com filhos, pagando pensão alimentícia, prestações de um carro, faturas do cartão de crédito e carnês de lojas, também perdeu o emprego e ficou oito meses parado. Resultado:

- Juntando tudo, devia uns R$23 mil - contou.

Há um ano, conseguiu um novo emprego como motorista, com renda em torno de R$1,3 mil, e chegou a pagar algumas dívidas menores. Agora, negocia.

- O banco precisa reduzir os juros.

Os sinais de que esse processo de endividamento não perdeu força aparecem em pesquisas divulgadas nas últimas semanas. No comércio, o total de endividados subiu nos dois primeiros meses de 2011, segundo a Confederação Nacional de Comércio (CNC). Um levantamento com 18 mil famílias em todo o país mostrou que o total de endividados passou de 59,4% em janeiro para 65,3% em fevereiro. No mesmo período, o percentual de famílias com dívidas em atraso passou de 22,1% para 23,4%. Destes, 7,7% não terão como pagar o que devem.

- À medida que a economia dá sinais de desaceleração com o crescimento mais fraco da indústria, a inadimplência deve aumentar - disse Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da CNC e ex-diretor do BC.

FONTE: O GLOBO

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