quinta-feira, 31 de março de 2011

Metas do BC:: Míriam Leitão

O Banco Central desistiu de buscar o centro da meta de inflação este ano e vai tentar se equilibrar na busca de dois objetivos: aceitar um pouco mais de inflação em 2011, com uma trajetória declinante em 2012, para preservar uma alta de 4% do PIB este ano. Isso é que está implícito no Relatório de Inflação, documento no qual, segundo Luiz Roberto Cunha, o BC reconhece todos os riscos inflacionários, mas os minimiza.

O BC reviu para baixo a projeção de alta do PIB deste ano, de 4,5%, no último relatório, para 4%, agora. Para o Orçamento, prevê 5%. E cada ponto a mais de crescimento do PIB significa uma previsão maior de arrecadação. Só aí já há um problema fiscal: o governo gastará como se fosse crescer 5% e o BC está avisando que vai crescer 4% e, mesmo assim, com ele aceitando terminar o ano com uma inflação de 5,6%.

A questão é se ficará neste 5,6%. Há vários riscos - e até boas notícias - que têm impacto sobre a inflação. Na parte ruim está o risco de indexação. O Banco Central diz com todas as letras: "os riscos associados aos mecanismos de indexação tornam-se importantes em 2011." De fato. No ano passado, havia a vantagem dos IGPs, que corrigem aluguéis e têm impactos em alguns preços administrados, terem ficado negativo em 2009. Assim, ajudaram em 2010. Mas o ano passado terminou com IGP em 10%. Os aluguéis subirão nesta faixa ou acima. Algumas empresas elétricas estão recebendo autorização para reajuste alto, como a Ampla, no Rio, que elevou seus preços em 11%. Como, neste cenário e com estes riscos, o BC pode concluir que os preços administrados ajudarão a conter as pressões inflacionárias?

O Banco Central diz que as medidas de contenção da oferta de crédito e redução da liquidez - que os economistas chamam de macroprudenciais - já estão surtindo efeito de diminuir o financiamento ao consumo e a pressão da demanda. As primeiras medidas foram tomadas em dezembro, mas o BC registra que em janeiro o financiamento imobiliário cresceu 50% sobre janeiro do ano passado. O crédito à pessoa física cresceu 19%. "A moderação da expansão do mercado de crédito é elemento importante para que se concretize o cenário" de convergência da inflação. Ele inclui aí nesta moderação do crédito a diminuição dos subsídios. Só que o BNDES vai receber mais R$55 bilhões de empréstimos para somar ao que tem de funding natural, do FAT e do retorno de créditos concedidos, e assim continuar financiando com subsídios as empresas.

Uma boa notícia registrada no Relatório de Inflação é que a recuperação econômica global vai acontecer mais rapidamente do que se imaginava e tem menor possibilidade de reversão. Será assimétrica, ou seja, terá ritmos diferentes dependendo do país, mas está acontecendo mais cedo. Nos Estados Unidos, a grande locomotiva mundial, é mais forte. Essa é também a avaliação do economista José Roberto Mendonça de Barros. A aposta que ele faz é que a economia americana pode crescer 4% este ano. Acha que já há sinais fortes de que através dos investimentos na energia verde, na inovação, tecnologia da informação, os Estados Unidos estão fortalecendo sua economia. Houve uma recuperação da bolsa, o que restaurou parte do patrimônio perdido das famílias. Mendonça de Barros acha que quando a economia americana crescer mais forte, os juros americanos vão subir. Isso pode produzir um efeito que é ao mesmo tempo desejado e temido na economia brasileira: o dólar se valorizar.

- Os Estados Unidos crescendo e com juros mais altos vão aspirar dinheiro do mundo inteiro. Ao mesmo tempo, apesar de estar havendo entrada forte de capital no Brasil, os investidores estão meio preocupados com a América Latina num ano em que há eleições importantes como na Argentina e Peru - disse Mendonça de Barros.

Se houver menos entrada de dólar por estes motivos e pelas medidas tomadas pelo BC, como a de aumentar o IOF sobre empréstimos externos, os preços dos produtos importados deixarão de ter o efeito de redução da taxa de inflação.

Um dos fatores de alta da inflação é a aceleração dos preços das commodities que, pelo índice do BC, aumentou 60% de agosto a fevereiro. Ao contrário de outros momentos, não é apenas uma alta sazonal, mas uma aceleração que tem permanecido. Nos últimos meses, caiu um pouco, mas Luiz Roberto Cunha acha que há um equívoco na frase do relatório: "mais recentemente a dinâmica de preços das commodities oferece sinais de moderação, apesar de desenvolvimentos desfavoráveis no campo geopolítico, como a crise no Norte da África e no Oriente Médio."

- Não é "apesar". Na verdade, os preços cederam porque houve o problema no Norte da África e no Oriente Médio, mas a tendência tem sido de alta. É um erro de avaliação. As commodities caíram porque aconteceram esses problemas, mas eles em si aumentam a incerteza do cenário - disse Luiz Roberto Cunha.

Isso parece um detalhe, mas é um ponto fundamental. Se as commodities caíram "apesar" da turbulência, é porque a tendência é de queda mesmo. Se elas caíram por causa dos problemas, voltarão a subir.

O Banco Central admite no documento que a inflação no terceiro trimestre ficará acima de 7%, ou seja, vai furar o teto da meta. Acredita que a maior probabilidade é que volte a cair no quarto trimestre, ainda que considere que há 20% de risco de que continue acima do teto. O BC não omite os riscos. Mas os subestima. Ou então, escolheu correr esse risco de inflação mais alta, porque os custos de se buscar mais o centro da meta "seriam demasiado altos" na taxa de crescimento do PIB.

FONTE: O GLOBO

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