sexta-feira, 25 de março de 2011

Na Era Lula, o BNDES privilegiou grandes grupos

BNDES para maiores

Banco triplica na Era Lula e retoma ação de desenvolvimento. Mas apoio a grandes grupos é criticado

Henrique Gomes Batista

Quase três vezes maior que em 2002, o BNDES chegou ao fim da Era Lula com um perfil completamente diferente do que tinha durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Seu balanço de 2010, divulgado esta semana, confirma que se o apoio à privatização foi a marca do banco na gestão tucana, na era petista o BNDES retomou seu foco de agente de fomento, porém ficou marcado pela ajuda a grandes grupos, como Petrobras, JBS/Friboi, Braskem, AmBev, Vale e as empresas de Eike Batista. Mudou também o perfil dos segmentos atendidos. Se antes o grande "cliente" do BNDES eram as montadoras de automóveis, nos últimos oito anos empresas do setor de alimentos e de química e petroquímica ganham espaço e a Petrobras dominou, com folga, as liberações em 2009 e 2010: foram mais de R$50 bilhões.

Essa atuação gera críticas de alguns economistas, que veem o banco "escolhendo" grandes grupos que ganham com os juros subsidiados do crédito do BNDES. Outros, porém, veem como positiva a maior presença do banco e alegam que o BNDES deu mais fôlego para a economia brasileira crescer.

O crescimento das operações foi vigoroso. Em valores atualizados pela inflação (IPCA), o BNDES liberou R$709,2 bilhões nos últimos oito anos. No ano passado, foram R$168,4 bilhões, quase três vezes os R$59,86 bilhões de 2002. Dados divulgados ontem pelo banco mostram que os desembolsos dos dois primeiros meses de 2011 chegaram a R$17,2 bilhões, 7% a mais que no mesmo período de 2010.

Economista vê "capitalismo chinês"

O lucro também avançou. Se em 2002 ele era contado em centenas de milhões de reais (R$880 milhões), em 2010 ele quase alcançou R$10 bilhões. Mas a maior parte desse lucro tem sido gerado nas participações acionárias do banco. Segundo o ex-presidente da instituição Demian Fiocca, essa é uma das marcas do "BNDES petista":

- O BNDES auxiliou na redução do spread bancário brasileiro (diferença entre juros cobrados e os pagos pelos bancos) e começou a atuar de forma estruturada em project finance (financiamento especial em que a garantia do empréstimo são as receitas futuras). Houve uma ampliação de investimentos que permitiram ao país crescer mais. Antes, os economistas diziam que o crescimento potencial do Brasil era de 3%, 3,5% ao ano. Agora há a previsão de crescer na casa dos 5% ao ano e ninguém se assusta.

Mas esse crescimento do banco foi obtido com polêmicas capitalizações e aumentos de capital do banco por parte do Tesouro Nacional, que ampliam a dívida bruta do país.

- O que aconteceu com o BNDES é um exemplo do governo Lula, que beneficiou os ricos e os pobres, esquecendo-se da classe média. Os pobres tinham programas sociais e as pequenas empresas, o Cartão BNDES. As grandes empresas, acesso aos juros subsidiados do BNDES. As famílias de classe média e as médias empresas tinham que arcar com juros pesadíssimos - afirmou o professor de economia da USP Fabio Kanzuc. - É uma opção de escolher grandes grupos, de intervenção, é uma espécie de capitalismo chinês, que escolhe algumas empresas e empresários, alguns dos quais amigos do governo.

Mesmo quem participou do BNDES no governo Lula critica algumas medidas. Carlos Lessa, primeiro presidente da instituição na Era Lula, afirma que não apoiaria os financiamentos do banco para que empresas brasileiras comprem ativos no exterior:

- Uma coisa é apoiar a exportação, outra é financiar a compra de empresas no exterior, gerando empregos e riquezas em outros países. Além disso, o banco deveria ter atuado com mais zelo em algumas vendas de empresas brasileiras. O BNDES tinha acabado de apoiar a AmBev a comprar uma empresa na Argentina e, logo depois, seu controle foi vendido para os belgas. O BNDES não fez nada para impedir, mesmo tendo realizado duas mil operações com a empresa em dez anos.

Mas ele acredita que o banco melhorou sob a gestão petista. Segundo Lessa, antes de Lula assumir o governo, o BNDES estava caminhando para se transformar de um banco de fomento em um banco de investimento.

- O BNDES foi o grande industrializador do Brasil e retomamos esse caminho. A experiência do banco nos dá um grau de conhecimento da economia brasileira que não pode ser desperdiçado. E o banco tem uma capacidade de estruturar projetos e negócios que foi a mais utilizada pelo governo ao lançar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

O economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rogério César de Souza, afirma que o banco funciona como um porto seguro para as empresas que ainda temem o financiamento externo. Mas ele acha que serão necessárias novas fontes de financiamento para a indústria:

- Até agora, não houve restrição de financiamento, quem veio com um bom projeto pegou dinheiro. E as pequenas empresas, com o Cartão BNDES, conseguiram acessar o banco, algo inimaginável antes.

O BNDES de Dilma Rousseff deve ser muito parecido com o que foi na gestão Lula com relação ao direcionamento de recursos, mas seu tamanho, aos poucos, tende a diminuir. O governo tem estudado medidas para incentivar o financiamento privado de longo prazo. Além disso, o BNDES deverá passar para uma subsidiária parte relevante de suas atividades: o apoio às exportações. Sonho acalentado há anos, o Eximbank tende a sair do papel com a nova versão da Política Industrial, que está sendo gestada em Brasília.

O presidente Luciano Coutinho tem afirmado que o momento do BNDES não é de emprestar mais, mas de emprestar melhor. Ele argumenta que a atuação anticíclica do banco, fundamental para manter investimentos durante a crise global de 2008/2009, já não é necessária. E repete que o BNDES tende a ficar um pouco menor em 2011. Mas ele já havia feito essa previsão no ano anterior, o que acabou não se confirmando.

Um dos maiores beneficiários do BNDES, o grupo JBS registrou em 2010 o pagamento de uma multa de R$520 milhões ao banco, o que o levou a amargar um prejuízo de R$264 milhões no ano passado. Em 2009, a empresa havia registrado lucro de R$220,1 milhões. A multa é referente à quebra do acordo entre o frigorífico e o banco em 2009, quando foram emitidos US$2 bilhões em debêntures. Esses papéis teriam de ser que convertidos em ações até o final de 2010. A família Batista, dona da JBS, decidiu renegociar o acordo com o BNDES e não abrir mais o capital da empresa na bolsa americana, transferindo a conversão das debêntures para o mercado brasileiro. Agora, com o novo acordo, as debêntures terão prazo de cinco anos para ser convertidas, sob pena de multa de 8,5% por ano. Ontem as ações ordinárias (ON, com direito a voto) da JBS caíram 3,62% ontem, para R$5,86.

Colaborou Lino Rodrigues

FONTE: O GLOBO

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