quarta-feira, 2 de março de 2011

O Rio – continuação::João Cabral de Melo Neto

Ou
relação da viagem
que faz o Capibaribe
de sua nascente
à cidade do Recife

Dos Coelhos ao cais de Santa Rita

Mas deixo essa cidade:
dela mais tarde contarei.
Vou naquele caminho
que pelo hospital dos Coelhos,
por cais de que as vazantes
exibem gengivas negras,
leva àquele Recife
de fundação holandesa.
Nele passam as pontes
de robustez portuguesa,
anúncios luminosos
com muitas palavras inglesas;
passa ainda a cadeia,
passa o Palácio do Governo,
ambos robustos, sólidos,
plantados no chão mais seco.

Rio lento de várzea,
vou agora ainda mais lento,
que agora minhas águas
de tanta lama me pesam.
Vou agora tão lento,
porque é pesado o que carrego:
vou carregado de ilhas
recolhidas enquanto desço;
de ilhas de terra preta,
imagem do homem que encontrei
no meu comprido trajeto
(também a dor desse homem
me impõe essa passada doença,
arrastada, de lama,
e assim cuidadosa e atenta).

Vão desfilando cais
com seus sobrados ossudos.
Passam muitos sobrados
com seus telhados agudos.
Passam, muito mais baixos,
os armazéns de açúcar do Brum.
Passam muitas barcaças
para Itapissuma, Igaraçu.
No cais de Santa Rita,
enquanto vou norte-sul,
surge o mar, afinal,
como enorme montanha azul.
No cais, Joaquim Cardozo
morou e aprendeu a luz
das costas do Nordeste,
mineral de tanto azul.

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