sexta-feira, 11 de março de 2011

Pragmatismo e interesse nacional:: Maria Cristina Fernandes

Dez anos atrás ninguém tinha ouvido falar neles. Barack Obama era professor de direito constitucional na Universidade de Chicago e Dilma Rousseff, secretária de Minas e Energia do governo Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul. A ascensão meteórica de ambos na política fez deles os primeiros negro e mulher eleitos à Presidência de seus países.

Por mais diferenças que pudessem ter suas portas de acesso à política, George W. Bush e Luiz Inácio Lula da Silva já circulavam nos circuitos do poder na década que antecedeu sua eleição. Bush licenciou-se da direção de uma empresa de petróleo para trabalhar na campanha presidencial do pai, 12 anos antes da sua. E Lula já disputava eleições presidenciais havia 13 anos quando foi eleito.

A hospedagem do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em Camp David durante o governo Bill Clinton não rendeu negócios vantajosos ao Brasil. A saudação feita por George W. Bush em espanhol a Lula num inusual encontro antes da posse deste - "Sr. presidente, há muitas pessoas aqui que acham que não devemos fazer negócios, mas estamos aqui para provar o contrário" - também não evitou que as relações degringolassem para o poço mais fundo desde a década de 80 quando o país aprovou a Lei de Informática, decretou a moratória e tornou público seu programa de enriquecimento de urânio.

A descontração que marcou os primeiros contatos entre Obama e "o cara" tampouco foi suficiente para que os Estados Unidos voltassem atrás no apoio ao governo golpista de Honduras ou na determinação de ampliar suas bases militares na Colômbia.
Mas a coincidência na carreira política de dois presidentes recém-chegados ao circuitos do poder, já virou parte da aposta de que a visita de Obama comece a reverter o declínio das relações diplomáticas entre os dois países. Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas e autor de "Kissinger e o Brasil" (Zahar) põe todas as suas fichas nessa possibilidade.

Mais do que acordos concretos, diz, o que a visita pode é dar o tom da reaproximação e sinalizar, principalmente para a burocracia americana, o comprometimento do chefe de Estado com o status da relação.

Foi Dilma quem deu o primeiro passo ao escolher, assim como Lula em 2002, um jornal americano ("Washington Post") para sua primeira entrevista depois de eleita. Ao condenar o apedrejamento de Sakineh e criticar a abstenção brasileira na resolução de Direitos Humanos das Nações Unidas que condenou o Irã, Dilma mandou o primeiro recado.

O governo americano respondeu confirmando a presença da secretária de Estado, Hillary Clinton, na sua posse. Com a escolha de Antonio Patriota, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, a presidente brasileira deu outro passo adiante. O próprio Patriota já se encarregou de explicar por que Amorim é considerado mais de esquerda - "Nunca paguei o preço por opiniões que defendesse, como ele pagou ao ser destituído da Embrafilme" (Carta Capital, 15/02).

Foi no momento seguinte, com a declaração de Hillary sobre as pretensões brasileiras no Conselho de Segurança, que Spektor viu explicitadas as intenções americanas. Relembra que Fernando Henrique pediu o apoio de Bush à pretensão brasileira e recebeu um redondo não. Lula voltou à carga com o mesmo Bush e colheu de Colin Powell a declaração de que os Estados Unidos não se oporiam. Duas semanas atrás, ao receber Patriota em Washington, Hillary disse que o país está comprometido com o diálogo construtivo em relação ao tema. O que parece um passo a mais teve, na diplomacia, o efeito de um salto triplo.

Spektor atribui a crise vivida entre os dois países no final do governo Lula à limitação dos canais de comunicação à chancelaria. Diz que outros países emergentes já aprenderam a influenciar a política americana a seu favor com lobby junto a congressistas, setores do governo, fóruns privados e associações. Na ausência desses canais, diz, qualquer fricção contamina. Exemplifica o Irã como um episódio em que o país agiu de boa-fé e foi mal interpretado, impedindo que o acesso de Brasília a Teerã - mercadoria ausente em Washington - pudesse ser valorado.

A incipiência de canais extraoficiais na relação entre os dois países fez prosperar resistências nos Estados Unidos à diplomacia do Brasil que, entre os quatro BRICs, é aquela que, segundo Spektor, mais tem votado em desalinho. Os preparativos da viagem de Obama têm demonstrado ao pesquisador da FGV que a visão de que um Brasil mais poderoso é problema para os Estados Unidos ainda existe e é forte, mas pode estar sendo sobrepujada.

As resistências ao estreitamento das relações não se resumem ao Departamento de Estado. Os anos Lula também viram crescer no Brasil as desconfianças em relação aos americanos, muitas das quais acabariam confirmadas pelos vazamentos do Wikileaks. Uma relação mais fluida não implica na renúncia do interesse nacional, mas pode facilitar uma atuação mais pragmática na defesa desses interesses.

Na mensagem enviada ao Congresso no início do ano o presidente americano foi explícito na determinação de adotar salvaguardas para proteger o emprego no país e aumentar a competitividade das exportações como objetivo de dobrá-las em quatro anos. Se a política monetária expansionista dos Estados Unidos já é considerada danosa à balança comercial brasileira, a mensagem pode ser lida como uma declaração de guerra. Mas na mesma fala o presidente americano reafirmou seu compromisso em renovar a matriz energética do país, área em que o Brasil é um parceiro natural, e em universalizar o acesso à banda larga, compromisso que coincide com o plano nacional.

Se a ordem é de mais pragmatismo, o governo Dilma Rousseff terá muitas oportunidades de testar os limites do novo tom de sua política externa. A começar pela ênfase irrestrita na defesa dos direitos humanos. O discurso em defesa de deliberações das Nações Unidas "sem seletividade ou politização" abrigaria uma condenação à prisão de Guantanamo?

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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