segunda-feira, 7 de março de 2011

Terceirização ilegal ameaça hospitais universitários

Com dívidas e falta de pessoal, rede fechou 1.500 leitos nos últimos anos

Adauri Antunes Barbosa, Carolina Benevides e Catarina Alencastro

Um longo processo de terceirização de funcionários, considerado ilegal pelo Tribunal de Contas da União (TCU), ameaça hoje o funcionamento de boa parte dos 46 hospitais universitários federais, todos ligados ao Ministério da Educação (MEC). Os hospitais têm hoje 70.373 profissionais, dos quais 26.500 são terceirizados, segundo estudo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O MEC vem sendo questionado sucessivamente pelo TCU. Em levantamento de 2009, o MEC reconhecia que 59,03% do total eram servidores federais concursados e contratados por regime jurídico único; os demais trabalhavam pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), sendo terceirizados, autônomos ou cedidos por outros órgãos.

Responsáveis por atendimento de alta e média complexidade e por fazer transplantes, as unidades têm sofrido com falta de pessoal e gastos com os terceirizados. O problema já atinge quem precisa dos serviços: 1.500 leitos, diz a Andifes, estão desativados. Segundo o MEC, em 2009, havia 10.277 leitos ativos e 1.188 fechados.

- O maior problema da rede é de recursos humanos, crise que se arrasta há duas décadas. Os hospitais, que são escolas, não conseguem formar quadros e contratam profissionais de modo ilegal, repassando verba do SUS às fundações, que deveria ser para manutenção e compra de insumos - diz Natalino Salgado Filho, presidente da Comissão de Hospitais Universitários da Andifes e reitor da Universidade Federal do Maranhão.

Para solucionar o problema, o TCU havia determinado no acórdão 1520/2006 que o pessoal terceirizado fosse substituído até dezembro de 2010, dando quatro anos para a mudança. Mas, quase no apagar das luzes do governo Lula, foi publicada no Diário Oficial da União a medida provisória que cria a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A., vinculada ao MEC e parte do conjunto de medidas do Programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF), que vai liberar este ano R$200 milhões para as unidades. A empresa vai permitir que os funcionários sejam contratados pela CLT, condicionada à aprovação em concurso público, mas a medida divide opiniões.

- A MP é uma solução jurídica e institucional mais sustentável se tiver em cada universidade um conselho responsável por preservar a autonomia na gestão. Nosso problema é grave: para reabrir 1.500 leitos, precisaríamos de dez mil funcionários, sendo que o déficit é maior na área de saúde - diz Natalino Salgado.

O Hospital São Paulo (HSP), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que lidera o ranking de hospitais universitários mais eficientes do país, tem cinco mil funcionários, dos quais apenas dois mil concursados e três mil contratados pela CLT, o que desagrada ao TCU. A contratação pela CLT foi a maneira encontrada pelo HSP para repor os funcionários que se aposentavam ou morriam, já que não há concursos gerais desde 2005.

O diretor superintendente do HSP, José Roberto Ferraro, diz que, com a autonomia das universidades, cada um dos 46 hospitais lidou com o problema de falta de pessoal do modo que achou mais adequado. Como o HSP decidiu contratar pela CLT, preenchendo as vagas que surgiram, diz, nenhum serviço foi interrompido.

No Fundão, déficit de 914 profissionais

O Hospital Universitário de Brasília (HUB) enfrenta dívida de R$6,5 milhões - em boa parte com fornecedores. Hoje, só atende dois grupos de pacientes na ala emergencial: crianças e grávidas. Adultos que precisam de atendimento de urgência não podem recorrer ao centro.

Nas últimas décadas, só foram realizados dois concursos: em 2002, quando foram admitidos cem novos funcionários, e em 2006, quando menos de 30 pessoas entraram. Hoje, quase metade do quadro de servidores do hospital é terceirizada, o que, segundo o diretor do HUB, Gustavo Romero, tem sido o centro dos problemas financeiros:

- A gente não tem recursos para trocar os equipamentos obsoletos, principalmente os mais caros. A gente vai se equilibrando como pode. Sempre digo que é meio miraculosa a maneira como o HUB sobrevive.

Com capacidade para trabalhar com 307 leitos de internação, o HUB só tem, no momento, 228 funcionando. Segundo o diretor do HUB, há 740 concursados. Outros 623 trabalham com contratos de prestação de serviço.

No hospital da Universidade Federal do Maranhão, 60% do quadro são contratados pela Fundação Josué Montelo. O hospital nunca fez concurso desde que a UFMA assumiu sua gestão em 1991, e corre o risco de fechar as portas caso a MP não seja aprovada criando regras claras para a substituição dos contratados de maneira gradual.

O diretor, Vinicius Nina, lembra que até 2013 não haverá mais ninguém do quadro original do hospital:

- Muitos dos serviços que prestamos estão no limite.

A reposição dos contratados por concurso é uma determinação do TCU que o hospital tentou cumprir em 2010, quando programou concurso para 1.225 vagas. Mas foi impedido, já que dependia da aprovação do Ministério do Planejamento. Com 576 leitos, o HU é o único hospital público no Maranhão de alta complexidade e considerado o terceiro no ranking dos hospitais universitários no país, destacando-se em cirurgia do coração e transplantes de córnea e rins. Tem as únicas dez UTIs pediátricas do estado.

Em 2010, foram realizadas 6.689 consultas e 7.055 cirurgias. Reitor da Universidade do Maranhão, Natalino Salgado diz que o governo não reconhece que essa e as outras 45 unidades da rede funcionam "dentro da ilegalidade":

- Esses hospitais têm dívida de R$400 milhões com fornecedores e com processos trabalhistas.

No Rio, há dez hospitais universitários federais. No maior, o Clementino Fraga Filho, o Hospital do Fundão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), trabalham 2.249 efetivos e 914 terceirizados. O déficit de pessoal é de 914 pessoas. Dos 500 leitos, 135 estão desativados. Segundo a assessoria de imprensa, há carência de médicos e enfermeiros para que emergência, terapia intensiva e anestesiologia possam crescer, além de setores que hoje não têm condições parciais ou totais de operação, como as unidades de transplante de medula óssea e intensiva neurocirúrgica e hemoterapia.

No Hospital Gaffrée e Guinle, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), a falta de profissionais prejudica o atendimento. Única responsável por tratar crianças com HIV no ambulatório do hospital, a imunologista Norma Rubini conta:

- Quando saio de férias, entrego mais de uma receita aos responsáveis e deixo meus telefones. Não é o ideal, mas o último concurso foi em 2003, e médicos também se aposentam e morrem. Temos menos a cada dia.

Colaborou: Raimundo Garrone

FONTE: O GLOBO

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