sexta-feira, 4 de março de 2011

A tesoura que principia a reforma ministerial::Maria Cristina Fernandes

Foi quase uma reforma ministerial o que se principiou nestes 60 dias de governo. A presidente Dilma Rousseff começou por desidratar os titulares que chancelou a contragosto. Ao cortar a totalidade das emendas do Turismo, por exemplo, a presidente retira do ministro Pedro Novais, indicado pelo PMDB do Maranhão, o apoio parlamentar de que precisa para se manter na pasta - razão única de uma indicação quase abortada nos motéis de São Luís.

A depender do engenho que demonstrem na condução de magros orçamentos, os ministros mais radicalmente podados constituem quase um índex de uma futura reforma. Apenas o detalhamento dos cortes vai permitir saber o que restará de emendas na Esplanada. Mas não é difícil imaginar o frágil equilíbrio político de uma pasta como a de Cidades, cortada em 40% de seu orçamento, e comandada por Mário Negromonte (PP), outro escolhido por exclusão, numa conjuntura crescentemente marcada pela proximidade das eleições municipais.

Nos anos Luiz Inácio Lula da Silva, ambas as pastas viraram filão de deputados que nelas descobriram um meio mais rápido para semear pontes e praças. A propaganda repetida à exaustão é de que o dinheiro público é gasto de maneira mais eficiente se alocado pela burocracia. Os gabinetes do Ministério do Planejamento e do Congresso são igualmente refrigerados, mas para conseguir o seu, o parlamentar, a cada quatro anos, tem que empenhar a alma nos rincões em busca de voto. O dinheiro do contribuinte ainda paga muito pedágio para transformar promessa eleitoral em obra, mas ilude-se quem acredita que sai barato custear uma democracia.

A safra 2012 do mercado eleitoral começará a ser semeada no segundo semestre. É a partir daí que se poderá saber que ministros resistirão ao cabo de guerra puxado de um lado pela restrição orçamentária e do outro, pelo calendário eleitoral.

A julgar pela primeira tesourada do governo, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT), é, realmente, uma estrela em ascensão no petismo. Pela velocidade com que saiu do quarto escalão no primeiro governo Lula para o comando de um dos poucos ministérios cujas emendas parlamentares foram preservadas pelo governo, corre como se o céu fosse seu limite. No mês passado, ganhou a eleição para o Conselho Nacional de Saúde, instância radicalmente politizada que reúne usuários, trabalhadores e gestores do SUS e fonte de grandes embates do ex-ministro José Temporão.

Em sentido inverso, os cortes orçamentários são apenas parte da explicação de por que a estrela de Carlos Lupi (PDT) já brilhou mais. Além de sua pasta estar sob suspeita de desvio de recursos, o ministro do Trabalho é alvo da artilharia petista que busca reconquistar a pasta para seu braço sindical, a CUT.

O ministro do Trabalho chegou ao posto graças ao pacto pós-mensalão que obrigou Lula a buscar sustentação ampliando suas bases sociais de apoio. Foi apenas na reeleição de 2006 que a Força Sindical embarcou na onda lulista obrigando a CUT a dividir o quinhão. De lá pra cá, a Força cresceu mais do que o PDT.

Enquanto a central foi arrebanhando sindicatos criados sob o estímulo da contribuição compulsória e já ombreia a CUT em ambos os quesitos, o PDT ficou com 26 deputados. É a oitava bancada da Câmara e, além de PT e PMDB, perde, entre os governistas, para PP, PR e PSB. Está à beira de virar um nanico. Apesar de todo o espaço ganho por sua central no aparato estatal ao longo do segundo mandato lulista, o presidente da Força, o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), teve, em 2011, 267 mil votos, 20 mil a menos do que em 2006 e quase a metade do que pretendia.

Se a Força inchou sob as asas do governo, arrisca-se a se desidratar se deixada ao relento. Não parece ter nada a ganhar rompendo com o governo. Da mesma maneira, seu quinhão no Ministério do Trabalho é útil a Dilma para conter o apetite redivivo dos sindicalistas do PT no governo. Daí porque a presidente morde o PDT num dia e assopra no outro. A coabitação entre Força e CUT obrigará a uma vigilância mútua até que a beligerância respingue na imagem do governo.

Com essa luta fratricida, as centrais já não oferecem resistência à política econômica do governo. O ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, vetor da política em curso, começou a construir seu caminho de volta ao poder cortejando os sindicalistas da CUT. Hoje, enquanto a Força não para de bater no mínimo, no ajuste fiscal e no Copom, a CUT mantém-se em completa aderência.
Com o governo começando a ser reformado por dentro à luz de uma política econômica até agora sem opositores robustos, é na composição dos bancos estatais que a disputa ganha cores reais. Depois de enfiar goela abaixo da presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Coelho, a compra de metade de um banco podre (PanAmericano) que depois seria repassado ao BTG Pactual, o governo agora resiste à disposição da executiva em deixar o cargo. Funcionária de carreira da instituição, Maria Fernanda não foi operada por seu sindicalismo de origem, mas pelas autoridades financeiras do governo a que serve. As mesmas que agora dizem buscar uma solução técnica para o cargo. Porque a política mesmo fica por conta dos sindicalistas e das emendinhas dos deputados.

Depois de espalhar aos quatro ventos que não seguiria o destino do seu antecessor - o de ser sustentado por empresários - o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva há de cuidar para não manchar uma biografia de relevantes serviços prestados à nação. É natural que queira capitalizar o instituto com o qual pretende redimir os oprimidos da ordem internacional. Mas ao iniciar sua carreira de palestrante em grandes empresas na condição ímpar de ex-presidente que fez o sucessor, Lula precisará convencer seus clientes de que não deixou no Planalto mais do que boas lembranças. E de que, assim como seu antecessor, não tem, no poder, amigos a influenciar.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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