terça-feira, 19 de abril de 2011

Caminhos da reforma :: Aspásia Camargo

Há muito se fala, e agora mais do que nunca, em reforma política como a solução para todos os nossos problemas e mazelas. O Brasil sofreu no último século um número absurdo de reformas em seu sistema partidário e eleitoral, e ano após ano as novidades na legislação mais fragilizam do que aperfeiçoam as práticas políticas nacionais. Portanto, antes de propor experimentos controvertidos no corpo frágil de nossas instituições instáveis, que demandam continuidade e tempo para serem bem depuradas, é preciso reformar a estrutura arcaica e oligárquica dos próprios partidos políticos. A reforma política número um é a partidária.

As mudanças podem e devem começar dentro de casa, afinal, os partidos são pessoas jurídicas de direito privado, com algumas restrições da lei orgânica mas, de fato, se autorregulam. Modernizar as suas práticas depende apenas de vontade política de suas lideranças e filiados, prescindindo votações controvertidas no Congresso ou de mudanças constitucionais. Seria a autorreforma de que tanto precisamos. É por esta razão que é tão significativa a vontade de democratizar o Partido Verde, de tradição libertária, mas, como todos os outros partidos, sujeito às deformações da competição política.

Temos um grande numero de partidos no páreo eleitoral, e a taxa de renovação do Legislativo está acima dos 50%. No entanto, as estruturas partidárias resistem a se adaptar à nossa democracia de massas, composta por 138 milhões de exigentes eleitores ansiosos por uma participação política de melhor qualidade. A função dos partidos é representar parcelas da sociedade, oferecendo bons candidatos para sua escolha, mas, na prática, eles funcionam apenas como máquinas controladoras e indiferentes, prestando poucos serviços à população que os elegeu. Predominam dentro dos partidos as velhas práticas da República Velha, dominadas por chefias pessoais e por estruturas internas atrasadas e fechadas, sempre temerosas do pluralismo e que não se comunicam com seus eleitores.

A corrente defensora do voto distrital de tipo majoritário baseia-se na constatação alarmante de que o eleitor, no sistema proporcional, não se lembra nem do partido nem do candidato em quem votou nas últimas eleições, faltando-lhe meios e motivação para cobrar o cumprimento de suas promessas. Isto porque os partidos desconhecem seus próprios filiados, recrutam-nos em pequeno número, de forma muitas vezes nepotista e fisiológica, dando-lhes tão pouca atenção quanto aos seus anônimos eleitores. Os candidatos, por sua vez, são escolhidos em convenções a bico de pena, muito rápidas, submetidas ao filtro severo de um Colégio Eleitoral, que encarna os interesses do partido. E quais são os interesses do partido? Cumprir uma ideologia ou um programa? Representar os interesses do eleitor em determinado território? Não, o que conta é ganhar as eleições e garantir a continuidade direção partidária.

Estamos agora em temporada de caça, o período pré-eleitoral que se estende até inicio de setembro, prazo final previsto para as filiações de candidatos às eleições de 2012. Em tempos assim, o que predomina é o cão farejador do partido, que identifica o puxador de votos. Todos sonham com um Tiririca que eleja consigo alguns caronas. Para completar a nominata, é necessário também atrair os candidatos do varejo que, somados, ajudam a eleger "os favoritos" do partido. Nesses tortos processos, muitas lideranças deixam de ser alavancadas pelo simples fato de não serem amigos dos caciques. O pretexto da "cancela fechada" nas convenções partidárias, que exige o rígido controle dos nomes dos filiados para não deixar "o inimigo" tomar de assalto a legenda. Leia-se: alguém de fora do grupo que mobiliza recursos não identificados. O perigo é real, mas a solução é antidemocrática. Para que tudo isso funcione, é preciso, sim, controlar as listas de filiados, às vezes desconhecidas do próprio partido. Tais listas mudam a cada eleição e só o chefe maior ou seus operadores as controlam.

O tempo de televisão, distribuído sob severo centralismo, prejudicando o crescimento dos partidos, só faz robustecer o grande balcão, onde as siglas correm o risco efetivo de se transformarem em legenda de aluguel . Acabar com as tais coligações é a prioridade mais consensual e reconhecida da reforma eleitoral ora em curso. Por que ninguém fala dela? A hora é de arrumar a casa.

Aspásia Camargo é deputada estadual (PV-RJ).

FONTE: O GLOBO

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