sexta-feira, 29 de abril de 2011

Carrapicho, comichão e aggiornamento :: Maria Cristina Fernandes

A presidente Dilma Rousseff costuma ler o que fala. É uma das diferenças que cultiva em relação ao antecessor. Esta semana, além de lida, a retórica presidencial abrigou um termo estranho aos discursos de Luiz Inácio Lula da Silva: aggiornamento.

Dilma repetiu o termo em italiano numa única frase ao falar ao Conselhão sobre o Fórum de Gestão e Competitividade: "Com ele, nós iremos contribuir para que haja uma melhoria, um aggiornamento, um verdadeiro aggiornamento do Estado brasileiro às exigências que a conjuntura econômica, tanto no curto e no médio prazo, exigem do país".

Na década de 1960, o termo traduziu a modernização da igreja pelo Concílio Vaticano II. Décadas depois, ruído o muro de Berlim, as reformas liberais abusariam do aggiornamento para adornar o discurso contra o Estado gigante e lento.

No seu mais recente e decantado texto, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi buscá-lo para pôr o dedo na ferida do seu partido: "O maior equívoco das oposições, especialmente do PSDB, foi o de haver posto à margem as mensagens de modernização, de aggiornamento do país".

Retórica aproxima e política econômica conflita Dilma e FHC

No esboço de uma política econômica menos concentrada nos juros do que na oferta de crédito, Dilma tem se afastado mais da herança fernandista do que Lula. E, a despeito disso, a popularidade de Dilma indica um avanço da presidente sobre a tradicional classe média tucana que sempre resistiu a Lula.

A retórica assemelhada de Dilma e Fernando Henrique pode ser uma explicação para isso, mas não encerra o significado desse movimento que ora aproxima, ora distancia os principais adversários da política nacional.

A aproximação dá uma pista para a crise do PSDB. Já o distanciamento traz embutido o veneno que ameaça a hegemonia do PT.

Dilma se aproxima da herança tucana quando anuncia a privatização dos aeroportos, gestada e barrada no governo Lula. Também é na rota de aproximação que surge o empresário Jorge Gerdau Johannpeter para cuidar do Fórum de Gestão e Competitividade, missão para a qual já tinha havido convite - e recusa - nos anos lulistas.

Gerdau é o patrono do Movimento Brasil Competitivo onde nasceu não apenas o choque de gestão do governo Aécio Neves em Minas como muitas das iniciativas pela eficiência da máquina pública adotadas por governos estaduais de diversas colorações.

As funções de Gerdau no governo começaram pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), velho covil pemedebista que atravessou incólume o governo Lula. Ao escolher a Funasa para a primeira missão do empresário, Dilma parece não temer a capacidade de reação do PMDB.

O que já houve de mais próximo das funções que Gerdau vai exercer é o ministério da Reforma do Estado, ocupado por Luiz Carlos Bresser Pereira durante todo o primeiro governo FHC. O ex-ministro tucano acaba de anunciar sua saída do PSDB. Pode não ser a solução, mas rima.

Dilma avança sobre o discurso tucano no momento em que o governo paulista, encarnação da retórica da eficiência, ruma para rever a remuneração por meta de desempenho na educação.

Foi com os tucanos do Palácio dos Bandeirantes que teve início a política de bônus para professores cujos alunos demonstrassem bom desempenho nas provas unificadas. A iniciativa não reverteu numa melhoria continuada das notas dos estudantes.

Especialista no tema, o sociólogo Rudá Ricci diz que o modelo está em crise porque além de confundir educação com preparação para testes, não foi capaz de identificar a origem das dificuldades de quem ficou para trás.

Ricci cita o livro em que a assessora do governo George W. Bush responsável pela implantação da premiação de professores na educação americana, Diane Ravitch, diz que fez tudo errado.

A política, continuada por Obama, levou a fraudes no sistema de avaliação. Focados numa pontuação utópica, muitos professores acabaram rebaixando os padrões para atingi-la.

Citando dados mundiais das instituições de ensino por estudante, Ricci diz que o gasto público com educação ainda está muito aquém da média mundial. Os países da OCDE gastam seis vezes mais com um aluno do ensino médio; os EUA, cinco vezes com aqueles dos primeiros anos do ensino fundamental; e o Chile duas vezes o que se gasta no Brasil com a criança da pré-escola.

Ricci reconhece que o governo petista ainda resiste à premiação de professores, mas vê convergência com os tucanos no uso que se faz hoje de testes como o Ideb.

A revisão dos bônus da educação não é o único movimento do principal governo tucano em direção às políticas sociais do PT. Na Saúde, o governador Geraldo Alckmin decidiu que não mais expandiria as Ames, unidades ambulatoriais criadas por José Serra e Gilberto Kassab, e rumaria para aderir às UPAs federais e ao Samu.

Com a maior base parlamentar da história e atraindo os governos do maior partido de oposição, Dilma estaria criando, no entendimento de Ricci, um colchão para os tombos de seu governo.

Onde a presidente corre mais risco de tropeçar é na política anti-inflacionária, precisamente aquela em que mais se distancia do legado tucano. A tese é que, desarticulada, a oposição teria mais dificuldades para reagir quando, para não tropeçar na inflação, Dilma tiver que fazer escolhas e desagradar sua ampla base aliada.

No encontro da semana - gratuito - com metalúrgicos, Lula deu a entender que não confia na tática de extermínio da oposição por ele preconizada nos palanques do ano passado: "Oposição é que nem carrapicho. Cresce sem ninguém plantar".

Lula diz que está com comichão para voltar a fazer caravana. Além de falar em português, conhece melhor que Dilma e Fernando Henrique essa plateia que ascendeu pelo consumo e passou pelos bancos escolares no vazio da meritocracia. Seu tempo passou, mas para que Lula se mantenha nos limites da animação de auditório basta que Dilma faça as escolhas certas e a oposição não alcance a turma do Prouni.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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