quinta-feira, 28 de abril de 2011

A conta-gotas :: Merval Pereira

Para a esquerda mais radical, à qual se filiava Dilma Rousseff antes de chegar à Presidência da República, privatizar os aeroportos é a mesma coisa que privatizar as Forças Armadas. Antigamente, quando havia golpes na América Latina, o primeiro local que os revoltosos ocupavam eram os aeroportos. Hoje, o objetivo de qualquer golpista, de direita ou esquerda, é o controle dos meios de comunicação, especialmente a internet.

Esse pensamento anacrônico está na raiz da dificuldade que o governo brasileiro tem para privatizar a gestão dos aeroportos, que está saindo a conta-gotas, diante da ameaça real de não estarmos preparados para a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas dois anos depois.

Temos ainda que aguardar os decretos oficiais para saber até que ponto o governo cedeu ao anunciar que estimularia parcerias com empresas privadas nos cinco principais aeroportos do país. Mas, mesmo com o setor privado sendo chamado a colaborar, estudo recente do Ipea, órgão ligado ao governo, admite que o processo burocrático até o momento da licitação impediria, pelos critérios vigentes, que as obras ficassem prontas a tempo da Copa em 2014.

Pelo estudo do Ipea, as obras de ampliação de nove dos 12 aeroportos das cidades que sediarão os jogos da Copa não deverão ser concluídas até o início da competição.

Outro relatório, do Ministério do Esporte, já tratado aqui na coluna, revela que, do total de 25 empreendimentos em aeroportos, nada menos que 22 estão com atraso em relação ao primeiro cronograma, e pelo menos oito desses representam algum risco para a Copa.

O plano proposto pela Infraero para reduzir os problemas dos aeroportos tem prazos que não são factíveis.

Em Belo Horizonte, por exemplo, a previsão para o fim das obras em Confins, outubro de 2013, tem possibilidade de só se concretizar em março de 2014.

O plano da Infraero para tentar atingir os objetivos iniciais prevê a redução do tempo das obras em cinco meses em média, o que certamente implicará redução de qualidade.

Em Manaus, Brasília, Porto Alegre e Viracopos (SP), as mudanças nos terminais de passageiros ainda estão em planejamento ou em projetos ainda sem licitação, e é possível que tanto o de Viracopos quanto o de Manaus só fiquem prontos depois da Copa.

Mesmo com as obras previstas, alguns dos nossos principais aeroportos estarão funcionando além de suas capacidades: Confins estará com 153% de saturação; Brasília e Fortaleza, com 118%; Guarulhos, em São Paulo, e Cuiabá, com 111%; e Porto Alegre, com 110%.

Apesar de todos os fatos apontados pelos próprios órgãos governamentais, o governo continua querendo resolver os problemas na base do discurso político.

Assumindo pela primeira vez uma dependência que era temida desde a campanha presidencial, Dilma Rousseff recorreu à ajuda do ex-presidente Lula para rebater as críticas do PSDB veiculadas na propaganda partidária por rádio e TV recentemente, com críticas ao atraso das obras para os dois grandes eventos esportivos.

A presidente usará o tempo partidário do PT no rádio e na TV para responder às críticas, escudada pelo ex-presidente, que, afinal, é o responsável pelo atraso das providências para a realização dos dois eventos internacionais, mais até do que o foi para que Brasil e Rio fossem escolhidos para sediá-los.

Do ponto de vista estritamente pessoal, o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, que ainda nem assumiu o cargo de Autoridade Olímpica oficialmente, mas já está envolvido nos preparativos das Olimpíadas de 2016 no Rio, considera que a discussão sobre a infraestrutura para a realização da Copa chega em bom momento, para chamar atenção de problemas que afetarão não só a realização do evento de futebol, mas podem também atrapalhar os Jogos Olímpicos dois anos depois.

Assim como o prefeito Eduardo Paes, numa frase que talvez tenha sido menos feliz do que sua intenção, disse que não se preocupava com a pista de atletismo em que as provas serão disputadas, mas sim com o que ficará para a cidade de melhoramento urbano depois das Olimpíadas, também se poderia dizer, numa simplificação, que Meirelles pensa tirar proveito das dificuldades para a Copa de 2014 a fim de avançar nos preparativos das Olimpíadas de dois anos depois.

A discussão sobre se os estádios de futebol estarão prontos a tempo da Copa das Confederações, em 2013, ou mesmo para a Copa do Mundo nada diz a ele como torcedor de futebol, que não é, mas o preocupa como cidadão brasileiro que não gostaria de ver o país falhar na organização do evento esportivo mais importante do mundo, que estará literalmente voltado para nós.

Mas a situação dos aeroportos, por exemplo, é um assunto que o toca de perto, e não apenas como cidadão e executivo que se vê às voltas com atrasos constantes de voos. Foi com alívio que recebeu o anúncio de que o governo, finalmente, decidiu aceitar a parceria com a iniciativa privada para a reforma dos aeroportos, e objetivamente ele aguarda a decisão sobre o Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio.

Meirelles, depois que saiu do Banco Central, que presidiu por oito anos, foi procurado por diversos grupos financeiros interessados em seus serviços, mas continua ainda ligado à atividade pública e não conseguiu recusar o convite da presidente Dilma para assumir o comando da organização das Olimpíadas, que considera, junto com a Copa, uma oportunidade única para explicitar o novo momento que o país vive.

Mas dificilmente estará à frente da Autoridade Olímpica no momento da realização dos Jogos. Quando (e se) sentir que as coisas entraram nos eixos, ele pode querer retornar à atividade privada, e a permanência à frente da organização das Olimpíadas pode servir como uma espécie de quarentena para Meirelles, que não poderia retornar ao mercado financeiro imediatamente após deixar a presidência do BC.

FONTE: O GLOBO

Nenhum comentário:

Postar um comentário