quarta-feira, 27 de abril de 2011

Diferentes papéis para velhos atores:: Raquel Ulhôa

Dilma Rousseff estava na China quando Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, no Brasil, trocavam farpas pela imprensa. Eles voltaram a ocupar lugar central no debate político recentemente, à frente das discussões sobre as estratégias eleitorais de seus respectivos partidos, PT e PSDB.

Lula assumiu o comando das discussões sobre alianças do PT para 2012 pouco mais de três meses após deixar a Presidência da República. FHC, reabilitado por um PSDB em crise, escreveu artigo no qual recomendou à oposição priorizar a nova classe média em vez de disputar os mais pobres com o PT. Lula criticou, FHC reagiu e até levantou a hipótese de uma terceira disputa eleitoral entre eles.

A intensa atividade partidária dos ex-presidentes é criticada por analistas políticos. O Brasil vive situação inédita. Assim como FHC e Lula, os outros três ex-presidentes vivos - José Sarney (PMDB), Itamar Franco (PPS) e Fernando Collor (PTB) -, estão atuantes e ocupam papéis destacados no Senado, com ou sem influência política.

"Um ex-presidente deveria se recolher e criar o seu memorial. É o ponto máximo da carreira política, não deveria ser banalizado", afirma o historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos. Para ele, o que explica a ação tão efetiva dos ex-presidentes é a falta de novas lideranças e ideias originais no país.

Dilma tem que dividir holofotes com antecessores

Presidente da República de 1985 a 90, Sarney preside o Senado pela terceira vez. Após desgaste sofrido na gestão passada no comando da Casa, neste mandato ele tenta patrocinar uma reforma política e mudar a tramitação de medidas provisórias. Mais recentemente, defendeu novo referendo sobre a comercialização de armas.

Collor, que assumiu a presidência em 1990 e renunciou em 92, após abertura de processo de impeachment, foi eleito senador em 2006, após derrota em 2002 na eleição para governador de Alagoas. No Senado, preside a prestigiada Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) e usa o cargo para se posicionar sobre fatos como a crise no Egito e na Líbia e a nota da OEA pela suspensão das obras da hidrelétrica de Belo Monte.

Sucessor de Collor no Palácio do Planalto, Itamar Franco, após deixar a Presidência da República em 94, foi eleito governador de Minas Gerais em 1998. Ficou sem mandato eletivo até conquistar o Senado em 2010. Único senador do PPS, Itamar tem sido atuante na oposição, além de contestar a falta de espaço dos partidos pequenos.

"É a fase áurea, mais retumbante dos ex-presidentes que vi até hoje. Faço análise política há 30 anos e nunca vi um ciclo tão intensamente participativo. Estamos vivendo uma fase de ressurreição de ex-presidentes", diz o jornalista e consultor político Gaudêncio Torquato. Para ele, os ex-presidentes deveriam ter comportamento "menos ostensivo".

Luciano Dias e Marco Villa não defendem que os ex-presidentes vistam o pijama. Mas acham que, após chegar ao ápice da carreira política, deveriam se preservar, para desempenhar funções de "natureza mais elevada, humanitária ou de coordenação política". Para Dias, a sucessão de eleições realizadas no Brasil - o que ele chama de sistema político hipereleitoral - leva ex-presidentes a se envolverem em diferentes disputas, e, por falta de tempo, dificulta a formação de novas lideranças.

"Faltam espírito republicano, de pensar com o cérebro e não com o fígado ou o bolso. Infelizmente, a democracia brasileira ainda não chegou ao estágio de termos ex-presidentes como uma espécie de reserva moral", afirma Villa.

O fato de ex-ocupantes do Planalto atuarem na política "sem travas ou freios" pode não ser a melhor postura ética, mas faz parte da cultura política brasileira, segundo Otaciano Nogueira, professor aposentado de ciência política na Universidade de Brasília (UNB). Para ele, um ex-presidente tem direito de dar opinião como qualquer cidadão, mas espera-se dele "um pouco mais de serenidade, que não fale bobagem e não se intrometa muito no governo".

A forte presença dos ex-presidentes no cenário político revela falta de novas lideranças e ideias originais no país. Lula e FHC são os maiores ícones do PT e do PSDB. Com o vazio das cúpulas partidárias, os ex-presidentes assumem o centro da discussão política.

A desigualdade social no Brasil e a pouca tradição democrática do país são destacadas por Marcos Nobre, professor de filosofia da Unicamp, como explicação para que a produção de quadros políticos de alto nível esteja ainda "engatinhando". Por isso, diz ele, acadêmicos e líderes sindicais viram presidentes e continuam a ser importantes após deixarem o cargo.

"Não é fácil encontrar quadros capazes de fazer análise política, dar direção ideológica, comunicar com o conjunto da população. Se o país melhorar (em todos os sentidos, inclusive na sua cultura política democrática), ex-presidentes poderão talvez ser apenas ex-presidentes", afirma Nobre.

Dilma tem apoio de três dos cinco ex-presidentes. Mesmo assim, dividir os holofotes pode incomodar, como observa o cientista político Luciano Dias, da CAC Consultoria. Para ele, a "sagacidade" e a "sobrevivência" do presidencialismo americano podem ser atribuídos ao fato de o presidente ser o "centro incontestável" da vida política.

"O efeito [da exposição dos ex-presidentes no centro do debate político] é a banalização do cargo, porque o presidente de plantão começa a ter concorrentes que também foram presidentes. Diminui a visibilidade, porque ele não é mais o centro do sistema político. Dilma já tem o problema de ser cria do Lula. E, além de ser cria do Lula, ela ainda tem que lidar com o fato de que Lula segue ativo na vida partidária."

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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