quinta-feira, 7 de abril de 2011

Dilema:: Merval Pereira

Estão nas próprias explicações do ministro da Fazenda, Guido Mantega, para não adotar medidas mais drásticas para conter a valorização do real, as razões do seu descrédito junto ao mercado financeiro, que prevê para hoje o dólar abaixo de R$1,60.

Disse Mantega que prefere errar para menos do que para mais, para não provocar efeitos colaterais que prejudiquem o crescimento da economia.

O governo está em uma sinuca de bico, na explicação do próprio ministro: se restringisse muito a tomada de crédito no exterior, poderia afetar investimentos; quer diminuir o consumo, mas sem reduzir o investimento.

A sensação generalizada, depois de uma tarde nervosa em que se especulou de tudo, até mesmo de controle de entrada de capitais após a liberação envergonhada do FMI, foi que "a montanha pariu um rato", na definição de um operador do mercado.

Ninguém acredita que a ampliação da cobrança para 6% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre os empréstimos de bancos e empresas brasileiras no exterior com prazos menores do que 720 dias (dois anos) vá surtir efeito para segurar a entrada de dólares no país.

Ainda mais depois da melhoria da nota de risco do país pela agência Fitch. A situação do governo foi definida mais claramente pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que falou em um desafio de vencer a inflação sem promover recessão.

Também Coutinho, visto pelo mercado como o Plano B do governo para a sucessão de Mantega, quer uma "calibragem coordenada" dos instrumentos econômicos para "reduzir o ritmo de aumento da demanda sem prejudicar o ciclo de investimentos e o desenvolvimento da economia brasileira".

O dilema do governo está todo sintetizado nesta frase: não se quer reduzir a demanda, mas o ritmo de seu aumento.

A própria presidente Dilma Rousseff negou que exista inflação de demanda, e fica o governo nesse jogo de palavras sem tomar as decisões que inspirem confiança.

O Banco Central, que era visto na gestão anterior como uma âncora que poderia ser usada a qualquer momento em que outros setores do governo se vissem tentados a afrouxar as amarras para ganhar maior velocidade de crescimento, hoje parece estar mais alinhado com as metas políticas do governo do que seria de se desejar para uma gestão que se diz autônoma.

O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, discordou, num primeiro momento, da presidente, afirmando que é necessário reduzir a pressão por consumo para conter a inflação. Logo em seguida, porém, o seu BC deu mostras de que aceita a tese de um pouco mais de inflação.

O mercado financeiro sentiu cheiro de queimado quando essas medidas e comentários foram seguidos da decisão do Banco Central de, na prática, aceitar um pouco mais de inflação este ano para conseguir manter um ritmo de crescimento do PIB em torno de 4%.

Ao revisar a previsão de IPCA para 5,6%, num movimento crescente que leva a crer que poderá atingir as proximidades do topo da meta, que é de 6,5%, o governo revela ao mercado que está disposto a arriscar o controle da inflação para não arriscar sua popularidade.

Não é à toa que o ministro-chefe do Gabinete Civil, Antonio Palocci, está em disputa nos bastidores com o ministro Mantega. Ele sabe que a popularidade só é garantida com o controle da inflação, que impede que o salário seja desgastado.

O clima de reindexação que está instalado, com uma série de preços passando a ter um piso de 6%, é uma ameaça séria ao controle da inflação.

Há também no mercado a certeza de que os cortes de gastos públicos do governo central não representam a realidade, e o primeiro trimestre de 2011 já mostra gastos maiores que os do mesmo período anterior do ano passado.

Também os gastos com verbas secretas do governo cresceram 8%, trazendo um sinal trocado num governo que vende a austeridade como sinal de boa gestão.

A questão econômica gera oportunidades políticas, que ficaram muito claras ontem em dois movimentos. No Senado, no discurso que marcou a posição da oposição diante do governo Dilma e projetou ações futuras, o senador Aécio Neves direcionou suas baterias para a defesa dos estados e dos municípios, acusando o governo federal de centralizar a arrecadação dos impostos, promovendo uma distorção da Federação.

Não foi à toa que o senador mineiro escolheu esse tema como o principal na parte de seu discurso em que lançou os projetos oposicionistas de longo prazo.

Na mesma ocasião se realizava em Brasília uma reunião nacional dos prefeitos para pressionar o governo a voltar atrás na decisão de não honrar os "restos a pagar" deixados pelo governo Lula, que chegam a R$120 bilhões desde 2007.

Segundo os prefeitos, cerca de metade desse montante é devida aos municípios, que estão impossibilitados de prosseguir obras já começadas ou honrar compromissos, justamente no ano anterior à disputa eleitoral de 2012.

Há indicações de que a presidente Dilma Rousseff cederá ao forte lobby municipalista, o que reduzirá ainda mais o alcance do corte de gastos públicos anunciado e já desacreditado pelo mercado financeiro.

FONTE: O GLOBO

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