domingo, 3 de abril de 2011

Dilma descumpre promessas mas distende o clima e ganha apoios

Presidente dedica esforços a corrigir herança de Lula: inflação alta e gastos sem controle

Eleita na onda da popularidade de Lula, a presidente Dilma Rousseff chegará aos cem dias de governo com o desafio de resolver dois problemas da herança de seu antecessor: inflação em alta e gastos excessivos. Para isso, já descumpriu promessas de campanha, como a de não privatizar e não fazer ajuste fiscal - em fevereiro, anunciou corte de R$ 50 bi no Orçamento. Dilma mudou o estilo no Planalto, com um perfil mais técnico de administrar, mas ainda repete erros como o de lotear cargos entre aliados. Mostrou força na negociação do salário mínimo e ampliou apoios no Congresso, além de distender o clima com a oposição, como se viu nos dois encontros que já teve com o ex-presidente Fernando Henrique. Na política externa, até agora, a guinada foi ainda mais visível.

Campanha vai ficando para trás, nos erros e nos acertos
Dilma descumpre promessas, mas tenta resolver problemas deixados por Lula

Diana Fernandes e Gerson Camarotti

Ocapital político ainda intacto, a folgada maioria parlamentar e um estilo firme na condução da máquina deram à presidente Dilma Rousseff, nesses primeiros cem dias a serem completados no próximo domingo, a segurança para tentar fazer um governo diferente, com marca própria. Mas não muito diferente. Repetiu vícios de seus antecessores no Palácio do Planalto ao fazer nomeações de políticos para cargos técnicos e passou por cima de promessas feitas no calor da campanha eleitoral, como a de que não faria um ajuste fiscal. Por outro lado, surpreendeu ao promover a distensão política e ampliar apoios no Congresso, ao mesmo tempo em que enfrentou e desmontou lobbies de parlamentares e sindicalistas, como o do salário mínimo maior.

Na economia, mesmo com o fantasma da inflação rondando e o dólar ainda derretendo, o clima geral é de confiança, com as restrições de praxe. Há avaliação positiva de que a presidente, nesses primeiros três meses de governo, deu provas de que se concentra em resolver problemas que se agravaram na reta final do governo Lula e que ajudaram na sua eleição: para reduzir gastos públicos elevados e conter a inflação, fez um corte forte no Orçamento, de R$50 bilhões.

Na política externa, fez gestos e ações que indicam correção de rumo, especialmente no que diz respeito aos direitos humanos e ao Irã, aproximando-se mais dos Estados Unidos. No campo social, ainda não lançou seu grandioso programa de erradicação da miséria - meta que ela própria já admitiu que terá dificuldade para cumprir até 2014 -, mas promoveu medidas setoriais.

Estilo mais discreto tem ajudado

Seu comportamento mais discreto e o perfil técnico, passando longe dos palanques que o antecessor tanto adorava, respaldam o discurso da oposição no início de governo, que tem sido favorável, com poucas ressalvas. Sinais visíveis desta distensão foram os dois encontros que teve com o ex-presidente Fernando Henrique depois de eleita, um deles no almoço para o presidente americano, Barack Obama. Para analistas políticos, contradições entre as promessas de campanha e a prática do governo são frequentes entre os mandatários brasileiros.

- Na campanha, ela não disse que faria concessão nos aeroportos, não queria levar o carimbo de privatista. Também negou ajuste fiscal. Agora, o corte atinge até concursos públicos, medida que era atribuída, na campanha eleitoral, ao tucano José Serra. O discurso de campanha é bem diferente do exercício de governo - diz o cientista político David Fleischer, da UnB. - Nesses primeiros cem dias, Dilma leva vantagem em relação aos antecessores. Fazer uma comparação com o início do governo Lula é desleal. A situação econômica agora é muito mais tranquila. Além disso, Dilma tem uma base governista bem mais ampla, contra uma oposição menor e desorganizada. O grande desafio será lidar com os aliados, inclusive PT e PMDB.

Para o PT, apesar das insatisfações de setores do partido que ainda brigam por cargos no segundo escalão, o balanço é positivo. O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), diz que a presidente correspondeu à expectativa gerencial e surpreendeu no lado político ao mostrar "jogo de cintura". Ele rebate críticas às medidas negadas na campanha e adotadas agora, como o ajuste fiscal vigoroso.

- O que o governo fez foi uma consolidação fiscal. Os ajustes tradicionais são aqueles em que passam uma régua linear. O nosso tem cortes, mas ao mesmo tempo a ampliação do Bolsa Família. O cancelamento de concursos, por exemplo, é uma medida temporária - defende o petista.

A oposição reconhece diferenças positivas no governo Dilma em relação à gestão de Lula, mas também aponta falhas. O presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), ressalta que a boa avaliação de Dilma é consequência da mudança de postura em relação ao discurso de campanha.

- Neste primeiro momento, Dilma age com objetivo de conquistar eleitores que não votaram nela: esse movimento ocorre com mudanças na política externa, no controle de despesas e gastos, e na defesa da imprensa livre. Tenta corrigir os pontos vulneráveis da campanha e do governo Lula - diz Guerra, pondo em dúvida medidas do governo para conter a inflação.

A crítica à condução da política econômica também é reforçada pelo presidente do DEM, senador José Agripino Maia (RN):

- Os primeiros meses foram de acertos e desacertos. Fica claro que a gastança do período eleitoral recrudesceu a inflação, os cortes orçamentários aconteceram, inclusive no investimento, e a tabela do Imposto de Renda foi corrigida num modesto 4,5%, só obtido à custa de novo aumento da carga tributária.

Aliados de Dilma minimizam. O governador Jaques Wagner (PT-BA), por exemplo, destaca a determinação dela de adotar medidas responsáveis, ainda que impopulares, como o salário mínimo de R$545, e não de R$560. E considera as diferenças pontuais em relação ao ex-presidente Lula:

- Nesse início, Dilma colheu mais pontos positivos que negativos. A dúvida que havia tem virado certeza: ela mostra capacidade gerencial e política. De fato, existem questões pontuais em que há diferença quanto ao governo Lula, mas isso mostra que Dilma tem personalidade própria. As diferenças ficam claras, até porque Lula veio do mundo do palanque, enquanto Dilma veio do mundo da gestão.

FONTE: O GLOBO

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