quarta-feira, 6 de abril de 2011

Dilma, ou a banalidade da paz:: Elio Gaspari

Dilma Rousseff completará seus primeiros cem dias de governo com um notável e inédito desempenho. Ela trouxe uma sensação de paz ao país. Depois de uma campanha eleitoral tisnada pela ferocidade e de um tempo dominado pelas paixões em torno de Lula, veio a calma. Pela primeira vez em muitas décadas, tem-se a impressão de que o Brasil é governado por uma pessoa que chega cedo ao serviço, cuida do expediente e vai para casa sem que precise propagar evangelhos ou alimentar tensões.

Essa singularidade deve-se a algumas características pessoais de Dilma Rousseff, mas também às de seus antecessores. Antes dela, o Brasil teve na Presidência três dos maiores ególatras de sua história. Lula é um ególatra compulsivo, autoglorifica-se para ter sossego. A egolatria de Fernando Henrique Cardoso é um subproduto benigno de sua vaidade. No caso de Fernando Collor, tratou-se de puro delírio.

Em benefício dos três, reconheça-se que chegaram ao Planalto com a obrigação de mudar sensivelmente a vida do país. Nenhum deles podia, simplesmente, tocar o barco. Quando José Sarney tentou, fracassou.

Um bom exemplo da opção preferencial do governo pela paz deu-se no caso da revolta dos peões do PAC.

O Planalto chegou atrasado mas, em poucos dias, enquadrou a agenda policial das empreiteiras e expôs a letargia das centrais sindicais. Para isso não precisou nem sequer do ministro do Trabalho, que estava em órbita.

O governo vive a lua de mel típica dos primeiros meses de mandato. Esbanja popularidade, consome mitologias e promessas. Durante o apagão nordestino de fevereiro, Dilma foi festejada porque determinou que o ministro de Minas e Energia determinasse a apuração do ocorrido. Durante a catástrofe da enchente do Rio, fez apenas uma aparição burocrática, teatral.

A doutora prometia uma equipe de colaboradores selecionados pela capacidade. Conta outra. Em Furnas, trocou o indicado do deputado Eduardo Cunha pelo protegido do eletrizante Fernando Sarney.

Defenestrou Maria Fernanda Coelho da Caixa Econômica para abrigar Geddel Vieira Lima. Hospedeira da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, nomeou um deputado obscuro para a pasta do Turismo. Tão obscuro que ainda não o chamou para despachar.

Se isso fosse pouco, na primeira grande mudança de seu madarinato, detonou o presidente da Vale, uma empresa neoestatal controlada por interesses privados (ou uma empresa privada controlada por interesses neoestatais). Ainda está nas suas mãos a entrega de uma cadeira de senador ao comissário José Eduardo Dutra por meio da outorga de um ministério ao titular do mandato por Sergipe. Esse tipo de gratificação dos suplentes é uma das modalidades mais vulgares da corrupção política nacional.

Dilma manda a energia das crises para longe do Planalto. Lula transformaria cada uma dessas tristezas num tema de debate sem pé nem cabeça. Para o bem e para o mal, a maior novidade foi a saída de Lula do proscênio.

Fernando Henrique Cardoso fez o parto da estabilidade da moeda e Lula impôs ao governo um vetor social. Graças a eles, Dilma não precisa enfrentar velhas dificuldades. Essa era a hora em que se precisava de alguém que chegasse ao palácio para cuidar do expediente. Parece banal, mas é a paz.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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