sábado, 16 de abril de 2011

ENTREVISTA - Ophir Cavalcante: “Sem pressão popular não haverá mudanças”


Ophir- Presidente da OAB
Sérgio Montenegro Filho

É preciso aproveitar o momento de cidadania vivido pelo País e estimular a sociedade a lutar por mais participação direta. A tese é do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Ophir Cavalcante. Especialista em direito trabalhista, procurador do Estado do Pará e professor da Universidade Federal Paraense, ele encampou de vez a briga pela reforma política no Congresso Nacional. Nesta entrevista ao JC, Ophir Cavalcante critica os atuais partidos políticos e adverte que deputados e senadores não aprovarão o projeto se não forem pressionados pela sociedade civil. Em 2010, Cavalcante assumiu a presidência nacional da OAB e passou a se dedicar à elaboração de uma proposta de reforma política, que a entidade submeterá aos movimentos sociais e, posteriormente, ao Legislativo.

JC – O senhor cobrou, na audiência pública da comissão, que as mudanças no sistema eleitoral sejam efetivadas ainda neste ano pelo Congresso Nacional. Depois de tantos anos se arrastando no Legislativo, o senhor acredita que a reforma política pode ser votada de uma forma rápida? Não seria o caso de se aprofundar mais as discussões?

OPHIR CAVALCANTE – Essa discussão já vem sendo travada há dez anos. E a Câmara e o Senado não podem mais frustrar a população. A presidente Dilma Rousseff, ao assumir, fez um discurso em que foi aplaudida de pé, em que defendeu as reformas política e tributária. Os presidentes do Senado e da Câmara tiveram o mesmo discurso. Ambas as casas criaram comissões para estudar a reforma política. E a grande maioria dos políticos diz que o sistema é ruim e precisa mudar. Com todo esse apelo, e a sociedade pressionando, não há outra alternativa, na visão da OAB, que não seja fazer a reforma política. Precisamos de um novo modelo porque o atual está esgotado.

JC – O senhor chegou a questionar a existência de duas comissões para tratar o mesmo assunto, uma na Câmara e outra no senado. Isso não gera dúvidas sobre a real disposição do Congresso Nacional de realizar efetivamente a reforma política?

OPHIR CAVALCANTE – Sem dúvida. E eu questionei isso lá. Se os parlamentares têm real interesse de resolver isso, não podem continuar no faz-de-conta, em promessas vãs. O Senado cria uma comissão para analisar a pauta em 45 dias, e a Câmara, com um prazo de 180 dias e uma pauta diferente, discutindo com a sociedade civil. Apesar desses movimentos, na prática a reforma parece não acontecer. Mas a OAB não acredita que os parlamentares desta nova legislatura vão incorrer no mesmo erro, na mesma promessa vã feita há dez anos, de fazer a reforma política.

JC – A maioria dos congressistas defende o status quo. Entende que as mudanças em uma reforma política prejudicariam suas chances de permanência no poder. Essa resistência é capaz de derrotar a reforma em votação no plenário. Como se vai quebrá-la?

OPHIR CAVALCANTE – Só vai sair reforma se a sociedade se engajar e houver pressão. É muito difícil sair essa reforma porque apesar do discurso de que todos querem, o dia a dia não nos faz crer que possa haver reforma a partir da vontade dos parlamentares.

JC – Até mesmo o movimento social se dividiu em relação à reforma. Hoje, parte das entidades está na Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Política, enquanto outra parte integra a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma. Essa divisão não reduz a pressão popular sobre o Legislativo?

OPHIR CAVALCANTE – É uma questão em que se precisa avançar, encontrar um ponto de consenso e trabalhar em conjunto. Senão, vamos incorrer no mesmo erro dos parlamentares ao fazer duas comissões.

JC – Como o senhor definiria o atual modelo eleitoral no Brasil?

OPHIR CAVALCANTE – Um modelo injusto, que privilegia o poder econômico e o poder político. É necessário que se reveja isso para garantir que novas pessoas interessadas possam participar. Mas qualquer modelo que se apregoa não vigorará se não houver uma reforma na lei orgânica dos partidos políticos, que hoje são, na verdade, clubes de amigos, clubes de caciques, com donos. Enquanto houver uma ditadura partidária, e não uma democracia dentro dos partidos, nenhuma reforma vai vingar no País. Porque praticamos uma democracia em que os partidos fazem a interlocução entre a sociedade e o parlamento. Não é uma democracia onde se admitam candidaturas avulsas, tudo passa pelos partidos. Mas como esses partidos são clubes fechados, de amigos – onde o diretório municipal é desfeito quando contraria a vontade do diretório estadual ou do diretório nacional – é preciso um novo modelo.

JC – A OAB chegou a enviar aos presidentes da Câmara e do Senado, meses atrás, um esboço de reforma política. Na época, porém, não houve tanto impacto como agora. O que mudou desde então?

OPHIR CAVALCANTE – O momento político. A sociedade, a partir do Ficha Limpa, que foi o início das reforma política, descobriu que pode contribuir, pressionar exigir dos parlamentares uma política mais séria, ética, comprometida com os valores republicanos e a democracia.

JC – Quanto daquele projeto elaborado pela OAB será reapresentado à comissão especial, a título de sugestão?

OPHIR CAVALCANTE – Estamos discutindo a questão internamente. Tínhamos uma proposta baseada na democracia participativa, do professor Fábio Konder Comparato, e esse modelo é o grande eixo das nossas proposições. Mas a OAB está atualizando e simplificando esse modelo para levar a discussão primeiro aos movimentos sociais, depois ao Congresso Nacional.

JC – Algumas entidades que integram o movimento pela reforma divergem sobre a ordem de importância dos temas. Para o senhor, o que demanda mais urgência na reforma política?

 OPHIR CAVALCANTE - Primeiro uma redemocratização dos partidos políticos. Vemos nos Estados Unidos e outras grandes democracias do mundo os referendos e plebiscitos. No Brasil, tivemos poucos e a duras penas, como o das armas e o do sistema de governo. Há temas importantes em tramitação no Senado e na Câmara que precisam da participação popular para ser decididos. A gente precisa incentivar esses mecanismos, o povo precisa conhecer melhor seu poder, que é o da participação direta.

JC – Na primeira audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, houve cobranças por uma maior participação popular. O senhor considera possível se criar essa cultura, com plebiscitos e referendos no Brasil? Mesmo com o eleitor acostumado a ser representado de forma indireta, pelo Legislativo?

OPHIR CAVALCANTE – Porque o povo nunca experimentou outro modelo. Precisamos mudar isso.

JC – Há a questão da falta de transparência dos partidos políticos, que teoricamente devem funcionar também como representantes da participação popular no poder. Isso não se deve ao excesso de siglas registradas no País?

OPHIR CAVALCANTE – Sem dúvida. Por isso que a OAB defende, por exemplo, o fim das coligações proporcionais. Isso acabaria com o aluguel de partidos e ainda baratearia o custo das campanhas.

JC – Dois aspectos são vistos como mais delicados no debate da reforma política: a questão do voto distrital misto e as listas pré-ordenadas de candidatos. É possível implantar tais dispositivos num país que há tanto tempo convive com os currais eleitorais?

OPHIR CAVALCANTE – Possível é. Basta ter vontade política para fazer. Se criou alguns tabus em relação à divisão por distritos. Alguns apontam argumentos importantes, como o de que um distrito em São Paulo seria diferente de um em Roraima, em termos de participação. Mas é possível sim. Até porque a representação é proporcional a cada Estado, à sua população. Agora, há questões locais que terão que ser superadas. Há municípios que são inimigos, têm rixas, rivalidades. Um quer ser mais desenvolvido que o outro, e não vão querer estar no mesmo distrito. Mas isso é uma questão cultural que precisa ser resolvida.

JC – Da mesma forma, pairam dúvidas da sociedade civil sobre o financiamento público das campanhas. Há quem diga que seria injusto tirar dinheiro de setores carentes como saúde e educação para bancar campanhas eleitorais. E o que dizer dos questionamentos de que, mesmo com dinheiro público, alguns candidatos de maior poder econômico poderiam continuar lançando mão do conhecido caixa dois?

OPHIR CAVALCANTE – Há pesquisas que mostram que um voto, com o financiamento público das campanhas, custa sete reais, enquanto no financiamento privado, custa 120 reais. E a que custo esse voto é dado? Muitas vezes paga o preço da corrupção, caixa dois, envolvimento de empresas, ainda que legalmente, para depois cobrar através de dispensa de licitações, ou de licitações dirigidas. E o atual modelo impede que novas vocações sejam implementadas na política brasileira. O que se quer é dar mais transparência e representatividade, sem contar que hoje o número de candidaturas impede que se faça uma efetiva fiscalização das contas. Se faz por amostragem, mas não há estrutura para tanto. Se nós reduzirmos isso para fiscalizar os partidos, fica mais fácil.

JC – Quanto ao discurso de que o financiamento público tiraria verbas de saúde e educação?

OPHIR CAVALCANTE – Isso é o discurso do “quanto pior, melhor”. Como chamamos entre os advogados, “ad terroris”, feito para amedrontar. Na verdade, há outras fontes de recursos. Eu até falei isso no Parlamento: me diga se é justo uma assembleia legislativa receber um orçamento quase igual ao que recebe um tribunal de Justiça. Acontece em muitos Estados da Federação. Há lugares que estão recebendo muito mais orçamento que outros, e não precisa tirar da saúde e da educação não. Esse é um dinheiro imexível.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

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