sexta-feira, 22 de abril de 2011

Força ao Congresso:: Merval Pereira

O senador Aécio Neves, como relator de uma proposta de emenda constitucional do presidente do Senado, José Sarney, que altera a apreciação das medidas provisórias pelo Congresso, vai apresentar semana que vem, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, um parecer que, na prática, subordina as medidas provisórias - que se transformaram em um instrumento do hiperpresidencialismo - à decisão do Congresso.

A ideia central da proposta é que as medidas provisórias somente terão força de lei depois de serem consideradas admitidas pelo Congresso Nacional, dentro dos critérios de relevância e urgência hoje existentes.

Caso contrário, a matéria passaria automaticamente a tramitar como projeto de lei em regime de urgência constitucional.

A admissibilidade será apreciada por comissão mista permanente de deputados e senadores, em processo sumário, com recurso para o plenário do Congresso ou, nos períodos de recesso, pela Comissão Representativa.

Essa alteração leva, também, à extinção da comissão mista ad hoc encarregada de dar parecer sobre as medidas provisórias, algo que, segundo o relatório de Aécio Neves, a experiência já mostrou ser preciso, uma vez que esses colegiados nunca funcionaram a contento, sequer formalmente.

Outra alteração dá às medidas provisórias tratamento similar aos projetos de lei, que, se rejeitados em uma Casa legislativa, não vão à outra. Assim, não votar uma medida provisória no prazo estipulado significaria rejeitá-la. O que o relator propõe é que a tramitação das medidas provisórias em cada Casa do Congresso seja autônoma, representando um ciclo completo.

Mantém-se a previsão do sobrestamento da pauta, caso a Câmara dos Deputados não vote a matéria em 45 dias e o Senado, em 35.

Como forma de permitir maior flexibilidade para Câmara e Senado, no entanto, o sobrestamento da pauta não se aplicaria a matérias que também estejam em regime de urgência constitucional.

O parecer do senador Aécio Neves incorpora o espírito de uma proposta do senador Paulo Bauer que impõe restrições ao alcance das medidas provisórias, vedando que elas legislem sobre criação ou transformação de cargos, empregos ou funções públicas e criação ou transformação de ministérios e órgãos e entidades públicas.

Essas matérias, no entender do senador Aécio, podem ser apreciadas através de projeto de lei, nada havendo nelas que demande o processo excepcionalíssimo das medidas provisórias.

Tanto a proposta inicial de Sarney, que muda a tramitação das MPs dando mais prazo e liberdade de atuação ao Congresso no exame delas, quanto o relatório de Aécio alteram uma situação em que a maioria parlamentar cede o poder ao presidente em troca de benefícios clientelistas.

Além dos critérios de urgência e relevância, que não são obedecidos na edição das MPs, a aprovação era tão automática que o governo cansou de enviar ao Congresso medidas provisórias que traziam embutidos assuntos diferentes, sem que fosse respeitado o inciso II do artigo 7 da Lei Complementar nº 95, de 1998, que proíbe que uma lei contenha matéria estranha a seu objeto.

O governo fez isso durante muito tempo, até que as "pegadinhas", como ficaram conhecidas, foram descobertas pela oposição.

Uma medida provisória tratando de um tema irrelevante - e que, portanto, não poderia ser objeto de uma medida provisória - embutia decisão importante, como, por exemplo, a prorrogação do prazo para as empresas que aderiram ao Refis.

A edição de MPs passou a ser uma forma de impor fatos consumados ao Congresso, pois elas geram efeitos imediatos e irreversíveis.

E passaram também a ser um instrumento de atuação política do Executivo para paralisar o Legislativo nos momentos de maior crise política, conforme constatou o cientista político Sérgio Abranches em um estudo já referido aqui na coluna.

A média de sessões trancadas de 2002 a 2006, por exemplo, foi de 64%, mas atingiu seu auge (71%) entre 2004 e 2006, com o surgimento do caso Waldomiro Diniz e do mensalão.

Tanto na proposta de Sarney quanto no relatório de Aécio Neves está destacado que o procedimento de tramitação de medidas provisórias atual possibilita que o Poder Executivo legisle sem participação do Congresso.

Com as alterações propostas, o Legislativo só aprovará o que quiser, passando a ser responsável pelas medidas provisórias que entrem em vigor.

Embora tenha mostrado seu parecer a alguns deputados e senadores há dias - antes, portanto, do episódio da Lei Seca em que se envolveu no Rio -, a defesa da autonomia do Congresso pode render a Aécio Neves noticiário político mais favorável do que aquele, de conotação policial.

Sobre a coluna intitulada "Acesso à informação", o leitor Farlei Martins Riccio, que edita o site "Direito Administrativo em Debate" e faz pesquisa sobre o tema da transparência pública para tese de doutorado na PUC-Rio, informa que, embora o governo Barack Obama tenha determinado uma ampliação da política de "governo aberto" ("open government") logo que tomou posse, na semana passada, por força das negociações para aprovar o orçamento, o programa de transparência do governo americano - incluindo o "Data.gov" e o "USAspending.gov" - sofreu cortes orçamentários de 75%. Já outros programas e serviços foram cortados, em média, em 10% em relação ao orçamento anterior.

Em cifras, o programa tinha uma previsão de US$34 milhões e passou a contar com apenas US$8 milhões. O corte foi tão drástico que a Sunlight Foundation, organização independente de vigilância da transparência governamental, lançou uma campanha chamada "Save the Data" com o fim de mobilizar a opinião pública para a importância do programa e as consequências do corte orçamentário.

FONTE: O GLOBO

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