domingo, 10 de abril de 2011

'Inflaçãozinha' boa para quem?

Empresários e trabalhadores passam a conviver com altas de preços de até 20%

Fabiana Ribeiro e Aguinaldo Novo

O Banco Central jogou a toalha e admitiu que este ano não conseguirá trazer a inflação para o centro da meta do governo, de 4,5%. A arrecadação de impostos, movida pelo consumo em alta, não para de crescer. E, com mais dinheiro, o governo faz mais gastos. Os trabalhadores estão tendo ganhos reais (acima da inflação) de salários. Os empresários estão repassando aumentos de custos. E, por fim, apesar das medidas restritivas desde o fim do ano passado, o crédito não para de crescer. O resultado todo mundo conhece e está constatando na ponta do lápis: uma inflação que não para de subir. E já ameaça furar o teto da meta, de 6,5% este ano. Mas, será que é só uma "inflaçãozinha"? Alguém ganha com ela?

Apoiadas num mercado de trabalho aquecido, com maior formalização do emprego (carteira assinada) e crédito farto - na faixa de 40% do Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produtos no país) - as famílias continuam comprando.

- A confiança e o otimismo dos brasileiros se fortalecem num cenário em que quase todas as categorias profissionais recebem aumentos reais. Isso dá mais fôlego ao consumo. E cria uma ilusão de que as pessoas estão com um rendimento maior. Uma ilusão. Com mais dinheiro, apesar da inflação maior, gastam e gastam - disse Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central.

Mas não é só a questão dos salários. As indústrias estão remarcando. Somente no mês passado, o preço das resinas plásticas, por exemplo, teve correção de 20%. O produto é essencial na fabricação de muitos produtos, de eletrodomésticos a carros. Nessa conta, entram também o aço e o alumínio (alta média de 10% no mercado doméstico) e as embalagens de papelão ondulado (com previsão de reajuste entre 7% e 10% até maio).

- A pressão está insuportável - conta o presidente de uma empresa do setor de eletroeletrônicos.

O executivo, que pede para não ter o nome revelado, diz que levou o assunto ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, e voltou da viagem a Brasília com a resposta de que "o governo está atento a isso". Alguns setores já iniciaram negociações com o varejo para o repasse dessa elevação de custos, mas a maioria diz que a forte concorrência com os produtos importados deve inibir esse processo - pelo menos, neste primeiro momento.

"A inflação é o custo da festa"

Já Genival de Souza, diretor da rede Prezunic, com cerca de 30 lojas no Rio, admite que os repasses da indústria este ano já oscilam entre 5% e 15% - uma alta que, apesar da renda maior dos trabalhadores, não tem como ser totalmente repassada ao consumidor.

- Precisamos segurar preços, apertar margens. Impossível repassar todos os nossos custos - disse ele.

- Em algum momento, esse repasse terá de acontecer. Ou acontece isso ou as empresas vão perder lucratividade - afirma o gerente-executivo da Unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco.

Frente a frente com reajustes acima da inflação, o consumidor reclama. Mas paga. Exemplo: produtos para as unhas, como esmaltes. No último ano, o preço do grupo subiu 11,96% - bem acima da variação média dos preços de 6,30% em 12 meses. Pode parecer pouco, dado que o preço de um esmalte fica na faixa dos R$3. Mas o produto faz parte de uma indústria que faturou R$27,5 bilhões em 2010, 12,6% mais do que em 2009. E a expectativa é de um 2011 melhor, com um faturamento de R$31,12 bilhões.

Os alimentos já encareceram 8,75% nos últimos 12 meses. Altas que fizeram as vendas do setor de supermercados crescer 13,9% em 2010, alcançando R$200,1 bilhões.

- A festa do crescimento tem um custo. Não existe almoço de graça. Não dá para a economia crescer, a renda subir, o crédito ampliar e a inflação ficar parada. A inflação é o custo da festa - afirmou o professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha, especialista em inflação.

Reclamar dos preços é uma coisa. Deixar de consumir um bem ou serviço é outra, sugere André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV). Diz isso porque os emergentes da classe média aderiram a novos hábitos e, com renda e crédito, podem pagar por eles. Academias, centros de beleza, viagens e serviços médicos deixaram de ser exclusivos de uma faixa da população. Um aumentinho - R$5, que na verdade podem ser 25% - não vai tirar uma cliente do salão de beleza.

- Se cabe no orçamento, o brasileiro absorve o custo a mais no fim do mês - diz Braz.

- O Brasil ainda tem um demanda reprimida por bens e serviços. E, por isso, agora que realiza seus sonhos de consumo, prefere se endividar a dizer não às tentações do varejo - completou Carlos Thadeu.

Então, é justamente no setor de serviços que as empresas estão garfando mais o bolso dos brasileiros - seria o ápice da complacência com a "inflaçãozinha". Há médicos que subiram o valor de sua consulta em 20%, sem sentir queda na procura. Em salões, como o Fios e Arte, houve alta de 10% a 15% dos serviços. O Studio Betina Guelmann, centro de dança, reajustou as mensalidades em 17%, mas mesmo assim mantém fielmente suas 180 alunas. No salão Fashion Mix, o reajuste de 15% nos serviços não afastou a clientela.

- Precisei fazer um reajuste de 15% no preço dos serviços, pois aumentei o número de funcionários, fiz uma obra no salão para aumentar o bem estar das crianças. Mesmo com esse aumento, este primeiro trimestre de 2011 foi o melhor em seis anos de Fashion Mix - conta Joana Wolf, dona do salão infantil.

Não é pequena a lista de reajustes do orçamento da consumidora Cristiane Dart. Academia, curso de francês, serviços de beleza, gastos com vestuário, alimentação... Apesar das altas, ela não alterou significativamente seus hábitos. Tanto que não abandona os serviços de sua manicure Gracinda, que a conhece desde os cinco anos de idade.

- Mesmo com aumentos, sou fiel à minha manicure. É uma relação de anos. Mas também não saio do francês, não deixo a academia - diz.

Num ambiente em que os aumentos são repassados e os consumidores aceitam, a indexação vai se espalhando pela economia. Segundo Carlos Thadeu, 30% da economia brasileira já estão indexados, ou sejam, tem correção automática. E Cunha lembra que o reajuste da tabela do Imposto de Renda e o do salário mínimo também são formas de indexação.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que por causa da baixa competitividade do mercado doméstico, existe "já há algum tempo um estado latente" de reindexação.

- O problema é o governo negligenciar esse problema, minimizar seus riscos. Deveria, por exemplo, buscar uma meta de inflação menor. Enfim, os instrumentos para combater a indexação não estão sendo usados.

Em relatório a clientes, Laura Haralyi, do Itaú Unibanco, diz que os últimos índices de custo de vida divulgados confirmam uma "percepção de deterioração do perfil da inflação".

"O aumento da difusão e a alta das expectativas de inflação dos consumidores (observadas nas pesquisas da CNI e FGV) reforçam a percepção de maior inércia inflacionária para os próximos meses e o risco de aumento da indexação de preços", afirma ela.

FONTE: O GLOBO

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