segunda-feira, 18 de abril de 2011

Mensalão não foi invencionice, afirma autor da denúncia no STF

Responsável pela denúncia do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza diz que a reabilitação política de envolvidos “não pode sugerir que tudo passou de invencionice”.

Ele afirma haver elementos suficientes para condenar os 38 réus e critica a demora da PF (cinco anos) em investigar o caso.

Entrevista da 2ª - Antonio Fernando de Souza: Investigação do mensalão precisa ser mais célere

Ex-procurador-geral diz haver elementos suficientes para condenar os 38 réus citados na denúncia, porque "parte relevante dos valores teve origem em recursos públicos"

Márcio Falcão

BRASÍLIA – Responsável pela denúncia do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza critica a demora da Polícia Federal em investigar os desdobramentos do caso.

Em fevereiro, cinco anos após o início das investigações, a PF concluiu relatório sobre a origem do dinheiro do esquema.

O documento faz parte de um inquérito aberto em 2007 e está em análise pelo Ministério Público Federal, que pode pedir novas investigações. "O tempo [cinco anos] foi muito longo. A investigação deve ser mais célere."

Advogando desde que se aposentou do Ministério Público, em 2009, ele afirma que há elementos suficientes para condenar os 38 réus que ainda permanecem na denúncia. O motivo: "parte relevante dos valores teve origem em recursos públicos".

Em entrevista à Folha, ele rechaça a ideia de que o mensalão possa ser esvaziado com a volta de personagens ao cenário político.

O ex-presidente Lula chegou a prometer que iria desmontar a "farsa do mensalão". "Esta reabilitação política não pode sugerir que tudo passou de uma invencionice", disse o ex-procurador.

A seguir, trechos da entrevista concedida em Brasília.

Folha - Como o senhor recebeu esse relatório da PF do inquérito paralelo ao mensalão?

Antonio Fernando - Embora o relatório não se refira à ação penal do mensalão que está no Supremo, mas a um inquérito [paralelo] aberto em 2007, foi positivo porque confirma o que foi descrito na denúncia quanto às fontes dos recursos. Só me preocupa que a investigação tenha demorado tanto.

Qual o efeito dessa demora?

O trabalho de investigação deve ser mais célere. Cinco anos atrás, houve críticas porque a denúncia foi oferecida antes do relatório final da CPI dos Correios, mas o Ministério Público compartilhava as provas obtidas pela CPI e o relatório era dispensável. Criticou-se a PF, que não tinha apresentado relatório, mas pedido novas diligências. Se dependêssemos desse relatório, é possível que estivéssemos esperando até hoje. A investigação tem que ser conduzida para esclarecer fatos com a maior brevidade, não pode ficar pesando indefinidamente sobre os ombros das pessoas.

O sr. acha que pode ter ocorrido alguma ingerência na PF?

Não tenho informação a respeito, mas tudo funciona em termos de prioridade. Aparece outro fato que ganha o interesse e a polícia, talvez por falta de pessoal ou de estrutura, não mantém o mesmo ritmo de atuação. Mas, nesse caso específico, o tempo [5 anos] foi muito longo. Nesse mesmo tempo, houve o oferecimento e recebimento da denúncia que resultou na ação penal e foi realizada praticamente toda a instrução, com elevado número de denunciados, para se chegar à conclusão de um inquérito em que os pilares da investigação já estavam estabelecidos.

Como o sr. avalia a reabilitação política de alguns personagens do mensalão, como o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que comanda a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara?

Não sei se o termo certo seria reabilitação porque houve apenas o recebimento da denúncia, não houve condenação ainda. Essa questão da reabilitação está no plano político. Do ponto de vista jurisdicional, continuam submetidos a julgamento. Agora, esta "reabilitação política" não pode sugerir que tudo passou de uma invencionice. Estou plenamente qualificado a dizer que tal suposição é incorreta.

Mas esse retorno de alguns réus não pode representar a tentativa de esvaziamento da denúncia?

Os ministros julgarão com base nos elementos do processo. É claro que, ao julgar, podem condenar ou absolver. Apesar de ter deixado a Procuradoria-Geral da República há quase dois anos, o que posso dizer, com base no trabalho que fiz, é que já no momento inicial havia elementos suficientes para justificar condenação a respeito de muitas das imputações.

Como foi ter que investigar o ex-presidente Lula?

A denúncia apresentada ao STF decorreu da apreciação de todo o material probatório existente até aquele momento. Não havia preocupação de excluir ou de incluir o presidente ou qualquer outra autoridade. Só foram denunciadas as pessoas contra as quais havia prova. Em relação a ele, não havia provas. Não foi uma exclusão. As provas não conduziam a ele.

O sr. se arrepende de ter denunciado 40 réus mesmo com risco de prolongar as investigações?

A denúncia foi elaborada durante muito tempo e com muito cuidado. Um trabalho artesanal de examinar as provas, os fatos penalmente relevantes, as pessoas que os tinham praticado, e colocar no papel um texto consistente. Não houve preocupação quanto ao número das pessoas, mas com a prova. Alguns fatos eram periféricos, mas relevantes, e a denúncia perderia coerência se fizesse referência apenas às pessoas com foro perante o STF.

Em sua avaliação, há risco de prescrição dos crimes?

Pelo que lembro, não há qualquer das imputações que esteja na undécima hora do prazo prescricional. Na hipótese de condenação, e concretizada a pena, não é impossível que uma ou outra seja atingida pela prescrição. Não creio, contudo, que se não houver julgamento imediato vá ocorrer a prescrição de todos os delitos.

Para o sr. não há dúvida de que houve emprego de dinheiro público no mensalão?

A investigação apontou neste sentido e a denúncia descreve que recursos públicos foram utilizados. Se eu tivesse dúvida, não teria apresentado a denúncia. Pelo menos parte relevante dos valores teve origem em recursos públicos.

Que desfecho o sr. espera?

O recebimento da denúncia pelo Supremo mostrou que a peça se apoiava em prova consistente. Agora, o juízo é mais aprofundado do que o anterior, na medida em que também se afere à culpabilidade dos denunciados. Considero que, já no momento do oferecimento, todos os denunciados têm um elevado grau de responsabilidade. Mas esse juízo quem vai fazer é o Supremo.

Qual a lição desse caso?

Independentemente do resultado do julgamento, fica a afirmação de que coisas públicas devem ser usadas apenas com finalidade pública, para atender à sociedade. A Justiça tem importante função educativa.

Frases

"Se dependêssemos desse relatório [da PF], é possível que estivéssemos esperando até hoje. A investigação tem que ser conduzida para esclarecer fatos com a maior brevidade, não pode ficar pesando indefinidamente sobre os ombros das pessoas"

"Essa questão da reabilitação [de alguns personagens do esquema] está no plano político. Do ponto de vista jurisdicional, continuam submetidos a julgamento. Agora, essa "reabilitação política" não pode sugerir que tudo passou de uma invencionice"

"O recebimento da denúncia pelo Supremo mostrou que a peça se apoiava em prova consistente"

"Agora, o juízo é mais aprofundado do que o anterior, na medida em que também se afere à culpabilidade dos denunciados. Considero que, já no momento do oferecimento, todos os denunciados têm um elevado grau de responsabilidade. Mas esse juízo quem vai fazer é o Supremo"

"Posso dizer, com base no trabalho que fiz, é que já no momento inicial havia elementos suficientes para justificar condenação a respeito de muitas das imputações"

RAIO-X

ANTONIO FERNANDO DE SOUZA

IDADE

62 anos

FORMAÇÃO

Bacharel em direito pela Universidade Federal do Paraná

ATUAÇÃO

Foi procurador da República, representante do Ministério Público Federal no STF (Supremo Tribunal Federal), no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Atuou como procurador-geral da República entre 2005 e 2009. Atualmente, advoga na área cível

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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