sábado, 30 de abril de 2011

O Brasil avança, mas lentamente

Censo mostra país mais velho e feminino; e menos branco

O Brasil revelado pelo Censo 2010 é um país com mais renda, infraestrutura e educação, mas em ritmo lento de melhoria. Entre os maiores problemas, o saneamento básico: só 55,5% dos domicílios têm acesso à rede de esgoto. A taxa era de 47,3% em 2000 e 35,3% em 1991 - o avanço nesse setor ocorreu, portanto, num ritmo menor que nos anos 90. Para especialistas, no quadro atual de investimentos, só em 2070 o Brasil poderá sonhar com 100% de acesso a esgoto. Num país mais urbano, mais feminino e mais velho, o maior crescimento é o de cidades de médio porte, como Rio das Ostras, cuja população aumentou 180%. Pela primeira vez, brancos não são maioria.

Longe de tirar o pé da lama

Censo mostra que metade do país ainda não tem esgoto; avanço foi mais lento que nos anos 90

Lucas Ferreira e Ana Bezerra dos Santos vivem numa casa sem água e nem esgoto no Recife. A luz, clandestina, chegou este ano

Cássia Almeida, Selma Schmidt e Letícia Lins

O IBGE começou ontem a mostrar um novo retrato da sociedade brasileira, trazido pelo Censo 2010. Os mais de 190 milhões de habitantes têm hoje mais acesso à água, ao saneamento e à coleta de lixo do que há dez anos, mas o ritmo de melhora ainda é aquém do desejado. Pior: entre 2000 e 2010, período que engloba toda a era Lula, o ritmo de avanço no acesso ao saneamento básico foi ainda mais lento do que na década anterior.

Quase metade dos domicílios está fora da rede geral de coleta de esgoto: apenas 55,5% dos lares são ligados à rede. Quando se inclui a fossa séptica, esse percentual sobe para 67,1%. Há dez anos, o acesso à rede coletora de esgoto era de 47,3%. Em 1991, a parcela alcançava 35,3%.

- O esforço inicial na década de 90 foi para as grandes metrópoles, o que atinge mais residências. Na última década, o esforço foi mais para cidades médias. Isso explica um pouco essa velocidade menor nos anos 2000 - afirmou o economista Claudio Dedecca, professor da Unicamp.

Debaixo da ponte, sem esgoto nem luz

Os novos números do IBGE revelam a desigualdade entre as regiões, que é latente no Brasil. Enquanto no Sudeste a rede de esgoto atinge 81% dos lares, no Norte não chega a 13,9%. No Nordeste, também fica muito aquém da média nacional: 33,9%.

Lucas Mesquita Ferreira e Ana Bezerra dos Santos estão entre os 33,9% que não têm acesso à rede coletora de esgoto e aos 25,9% dos pernambucanos que não têm água encanada. Ele também não tinha luz até o início deste ano. O casal mora num casebre improvisado sob uma ponte, onde usa água do rio, em Recife. A casa improvisada não tinha banheiro, e eles chegavam a descartar os dejetos em sacos plásticos jogados no rio. Mas este ano construíram um barraco que serve de banheiro. Os dejetos são jogados no rio que corta a cidade:

- No começo do ano, não tínhamos luz, mas fizemos uma ligação clandestina - conta Ferreira, que é biscateiro. A mulher, Ana Bezerra, está desempregada.

A falta de saneamento pode ser observada até em áreas nobres de Recife, como a praia de Boa Viagem. Ao lado de prédios luxuosos, um esgoto a céu aberto recebe os dejetos da favela Entra a pulso, de onde segue para os rios da cidade. Quando a maré sobe ou chove, a água do canal de dejetos invade os imóveis da comunidade. O aposentado Manoel José da Silva, 69, vive há 45 anos no local e até hoje não se habitua com a imundície. A sujeita sobe pelo esgoto do seu banheiro e invade o resto da casa.

Outra moradora da comunidade, Ruth Joaquim da Silva, 44, afirma que por falta de saneamento, sua casa já foi invadida esse ano quatro vezes com a água dos dejetos da valeta que recebe os despejos da localidade. Ela tem em casa dezenas de tijolos para levantar os móveis a qualquer chuva e a geladeira vive suspensa em caráter permanente. Afirma que quando chove, o esgoto a céu aberto transborda, e invade o interior de sua casa, onde as paredes exibem marcas de meio metro deixada por dejetos.

Projeção da presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), Cassilda Teixeira, levando em conta o crescimento da população brasileira e da rede de esgoto, mostra que só se chegará à universalização do saneamento em 2070.

- Mas é possível conseguir a universalização do saneamento em 2020. Temos recursos, tecnologia e pessoal qualificado. Portugal e Espanha conseguiram nos anos 90 - afirma a engenheira.

Para o coordenador de População e Indicadores Sociais do IBGE, Luiz Antonio Pinto de Oliveira, a universalização de rede coletora é uma meta praticamente impossível de se alcançar. Ele exemplifica com as cidades pequenas e a zona rural:

- Não é viável instalar uma rede coletora em cidades de 2 mil habitantes, por exemplo. Há outras formas de tratamento, como as fossas sépticas, mais adequadas a esses núcleos.

Engenheiro sanitarista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Léo Heller diz que a tendência é que o ritmo do avanço do saneamento aumente na próxima década, "diante do marco legal que já foi fixado, pelo plano nacional de saneamento lançado no ano passado" e, segundo ele, não deve haver sobressaltos nos investimentos daqui para frente":

- Devemos ter uma inflexão nessa curva de crescimento. Mas não era esperado um salto muito grande na última década. Os investimentos maiores começaram a acontecer de 2005 para cá e demoram a aparecer nas estatísticas. Passamos um período grande com baixo investimento e crescimento populacional. Mas, sem dúvida, é um índice baixo para o Brasil. Deveria se exigir mais de um país que quer ser desenvolvido.

O acesso à água também melhorou na década, mas devagar. Saímos de uma cobertura de 77,8% dos domicílios para 82,9%. A dificuldade de avançar quando a cobertura fica maior explicam um pouco esse resultado, dizem especialistas. Ainda na avaliação da presidente da Abes, se não for mudada a forma de contratação, a universalização da água no Brasil só será atingida em 30 anos.

No Rio, vala negra em ponto turístico

Para alcançar a "Laje Michael Jackson", onde o astro pop gravou parte de um clipe em 1996, no alto do Morro Dona Marta, em Botafogo, Zona Sul do Rio, o turista não tem alternativa: precisa passar em frente a um valão, onde corre a céu aberto parte do esgoto da comunidade. Mesmo no Estado do Rio, onde 76,6% dos domicílios contam com rede coletora de esgoto, ainda há muito o que fazer. Apesar de inferior à Região Sudeste, a melhoria das condições de saneamento no Rio chegou a 14 pontos percentuais em dez anos, o dobro da média brasileira. Em 2000, eram 62,6% ligados à rede. Mas o paraibano José Ramos, de 41 anos, que mora no Morro Dona Marta, perto da "Laje Michael Jackson" quer mais:

- Ter um valão em frente a um monumento é feio, tira a beleza do lugar. Fizeram a urbanização, mas não concluíram o esgoto. - diz José Ramos - A comunidade tem atraído muito turista, principalmente com a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora).

FONTE: O GLOBO

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