segunda-feira, 11 de abril de 2011

Os sapos :: Manuel Bandeira

Enfunando os papos, Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.


Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".


O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.


Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.


O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.


Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.


Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."


Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".


Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.


Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".


Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".


Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;


Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é


Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...




Manuel Bandeira in "Estrela da Vida Inteira"

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