quarta-feira, 27 de abril de 2011

Promessas de campanha :: Merval Pereira

A tentativa de transformar a gestão pública em algo mais transparente e acessível ao escrutínio do cidadão comum está no cerne de várias propostas em discussão hoje no país, desde a nova lei de acesso a documentos públicos - que deve ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff no próximo dia 3 de maio, Dia internacional da liberdade de imprensa - até a criação do Conselho de Gestão e Competitividade, ligado diretamente à Presidência da República, coordenado pelo empresário Jorge Gerdau.

A eficiência de cada setor governamental será medida pelo estabelecimento de metas a serem cumpridas, como se cada ministério assinasse com a Presidência da República um "contrato de gestão".

Segunda-feira estive na Escola de Políticas Públicas da UCAM falando sobre essas e outras iniciativas que estão sendo tomadas para superar as deficiências de nosso sistema de governança, numa palestra cujo tema era "Déficits da Democracia Brasileira: Transparência no Setor Público e Impunidade dos Crimes de Corrupção".

Citei o livro "Corrupção e democracia no Brasil, a luta pela responsabilização", de Timothy J. Power, diretor do Centro Latino-Americano da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e Matthew M. Taylor, professor da USP, lançado pela editora da Universidade Notre Dame dos Estados Unidos. Os autores afirmam que a corrupção no Brasil é sistêmica e alimentada pela impunidade, afetando a eficácia da gestão pública.

Mesmo que o brasileiro ainda considere a democracia como o melhor sistema político, como mostram diversas pesquisas, a confiança nas instituições está em declínio nas últimas décadas, pois elas não são capazes de identificar os culpados ou de puni-los.

Apesar de tudo, na avaliação dos autores, o país tem tido uma evolução nessa questão desde a redemocratização, com vários sistemas anticorrupção tendo sido criados, como a Controladoria-Geral da União (CGU) ou pela atuação da Polícia Federal e do Ministério Público, cujas funções foram ampliadas na Constituição de 1988. Ressaltei apenas que em muitas ocasiões esses órgãos politizaram suas ações, mas o saldo é claramente positivo.

Também a atuação da sociedade civil, através de várias ONGs, e as denúncias através da imprensa livre têm tornado o combate à corrupção mais visível para a sociedade.

A impunidade, no entanto, continua sendo tão danosa às instituições quanto a corrupção em si mesma, pois corrói a confiança na classe política e no sistema democrático.

Iniciativa para tentar superar essas deficiências está sendo apresentada esses dias em Brasília por Oded Grajew, ex-assessor especial do presidente Lula, um dos criadores do Fórum Social e coordenador da ONG Rede Nossa São Paulo.

A proposta prevê o estabelecimento de um Programa de Metas para todo o País, baseada na ideia de metas de gestão, tornando-a mais eficiente e responsável.

A legislação é inspirada na que foi adotado em Bogotá, na Colômbia, e foi muito importante para que a cidade saísse de uma situação precária em que se encontrava no auge do combate ao narcotráfico.

A proposta de emenda constitucional dá instrumentos para que o eleitor acompanhe de maneira mais objetiva a gestão, e obriga a que o mandatário defenda projetos mais realistas, tenha mais cuidado com a propaganda sem conteúdo.

Repete a experiência pioneira lançada na cidade de São Paulo, que Grajew considera um marco na história da democracia brasileira.

No momento, aliás, o prefeito Gilberto Kassab está às voltas com o não cumprimento de algumas metas apresentadas, muitas das quais, como zerar o déficit de creches, têm mais base no marketing da campanha eleitoral do que na capacidade real de serem realizadas.

De acordo com a proposta de Grajew, o presidente da República, governadores e prefeitos, eleitos ou reeleitos, apresentarão à sociedade civil e ao respectivo Poder Legislativo o Programa de Metas e Prioridades de sua gestão, até 90 dias após a posse, que discriminará expressamente: as ações estratégicas, os indicadores de desempenho e as metas quantitativas e qualitativas para cada um dos setores da administração pública direta e indireta por unidades regionais de planejamento e desenvolvimento, observando, no mínimo, os objetivos, diretrizes, ações, programas e intervenções estratégicas e outros conteúdos conexos, apresentados como propostas da campanha eleitoral devidamente registradas no órgão eleitoral competente.

É uma iniciativa semelhante a já adotadas, desde os anos 80 do século passado, por países pioneiros como a Austrália e a Nova Zelândia, mas sem dúvida é uma novidade entre nós, tanto do ponto de vista puramente administrativo quanto político.

O país ainda tem poucas experiências no sentido de tratar o dinheiro público com base em boa gestão, previsão orçamentária e acompanhamento de metas e desempenho, medidas adotadas na maior parte dos países chamados desenvolvidos para tornar o Estado mais eficiente.

Pesquisa do Banco Mundial em parceria com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne os países mais desenvolvidos, mostra que a maioria deles inclui dados de desempenho não financeiro em seus orçamentos, sendo que alguns possuem até mesmo mecanismos formais para premiar os funcionários públicos, com a combinação entre desempenho, metas atingidas e bônus salarial.

A proposta da Rede Nossa São Paulo, no entanto, peca pela tentativa de impor, dentro da emenda constitucional, as metas que considera importantes serem atingidas, assumindo um papel que não é o seu, ou seja, determinar um verdadeiro programa de governo.

Com o agravante de que, entre as propostas, estão algumas promessas que dificilmente poderão ser cumpridas, fugindo justamente ao que pretende combater.

Está na emenda constitucional a promessa de promover a "universalização do atendimento dos serviços públicos com observância das condições de regularidade; continuidade; eficiência, rapidez e cortesia no atendimento ao cidadão; segurança; atualidade com as melhores técnicas, métodos, processos e equipamentos; e modicidade das tarifas e preços públicos que considerem diferentemente as condições econômicas da população".

Um marqueteiro populista não encontraria melhor mote para uma campanha eleitoral.

FONTE: O GLOBO

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