sexta-feira, 22 de abril de 2011

Quem quer uma recessão no Brasil? :: Antonio C. de Lacerda

Decorridos os primeiros cem dias do novo governo, as autoridades econômicas vêm enfrentando bem os principais desafios que se apresentam para a economia brasileira neste início de mandato. É de destacar uma maior coesão entre os Ministérios e, principalmente, entre a Fazenda e o Banco Central, no que se refere à estratégia da política macroeconômica. Certamente, o perfil da nova presidente, que tem formação e experiência em áridos temas da área da macroeconomia, também tem contribuído.

O Brasil, a exemplo de outras dezenas de países que adotaram o sistema de metas de inflação, tem convivido com o aumento dos preços. Parte da inflação é exógena, decorrente do choque nos preços das commodities, o que já vem ocorrendo há algum tempo e foi agravado recentemente pela elevação dos preços do petróleo, com a crise dos países do Norte da África e do Oriente Médio. A outra parte da inflação decorre da liquidez pós-crise no mercado internacional e um crescimento mais forte, especialmente dos países em desenvolvimento.

No caso brasileiro, há ainda o efeito da indexação de tarifas e contratos, o que acaba gerando um fator de inércia na inflação. Algo que precisa ser corrigido, pois é incompatível com a realidade atual. Há uma série de tarifas e contratos reajustados anualmente de forma automática, baseados em índices gerais de preços (IGPs), que nem sempre espelham a estrutura de custos dos setores e são excessivamente suscetíveis aos choques de preços.

É preciso promover uma transição no processo de desindexação, de forma a tornar o conjunto de preços relativos da economia mais palatável a um mercado competitivo.

Diante do desafio do crescimento da inflação, o governo brasileiro vem tomando uma série de medidas. No âmbito fiscal, foi muito importante o anúncio do corte de R$ 50 bilhões no Orçamento federal previsto para este ano. Vale destacar que o déficit público brasileiro, de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), está entre os mais baixos comparativamente a outros países, que expandiram seus gastos para combater os efeitos da crise. Não nos cabe nenhuma medida de corte radical do déficit público, o que certamente será uma necessidade para vários países europeus, por exemplo.

O importante, no caso brasileiro, é um compromisso de crescimento dos gastos públicos numa proporção menor do que o crescimento da receita. Essa é a melhor forma de viabilizar uma continuidade na redução da relação dívida líquida do setor público/PIB. Numa visão de longo prazo, prevalece o desafio de ampliar a eficácia no uso dos recursos públicos para propiciar uma redução da carga tributária e também no custo de financiamento da dívida pública.

Um corte mais afoito dos gastos públicos implicaria o sacrifício dos investimentos - uma prática que foi recorrente nas últimas décadas, mas com sérios riscos de comprometimento da infraestrutura.

Nesse ponto não há contradição, ao contrário do que dizem algumas análises, entre uma contração no orçamento fiscal - especialmente em consumo - e a expansão dos dispêndios do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma das principais fontes domésticas de financiamento de projetos de longo prazo. Isso porque esses dispêndios se referem ao financiamento dos investimentos na infraestrutura e na ampliação da capacidade produtiva, o que é imprescindível para romper gargalos ao crescimento e para acompanhar a expansão da demanda. Ou seja, é também uma política anti-inflacionária de longo prazo, uma vez que um descompasso entre a oferta e a demanda gera pressões inflacionárias potenciais.

No que se refere à política monetária, o Banco Central não se tem limitado a elevar as taxas básicas de juros, mas vem adotando uma série de medidas macroprudenciais objetivando desacelerar a expansão do crédito voltado para o consumo. As medidas de leve restrição da expansão do crédito são compatíveis com um pouso suave no ritmo da economia.

O conjunto dessas medidas adotadas mais os efeitos estatísticos estão consolidando uma redução expressiva do ritmo de crescimento da atividade econômica. O PIB, a julgar por indicadores antecedentes do primeiro trimestre do ano, deve estar crescendo ao ritmo de cerca de 4% ao ano em 2011 - portanto, pouco mais da metade do ritmo observado no ano anterior.

Essa é uma trajetória compatível com uma curva descendente de inflação e juros num horizonte de médio prazo. Este ano vamos ter de trabalhar no limite superior do regime de metas de inflação, o que implicará conviver temporariamente com uma taxa de inflação acumulada em 12 meses da ordem de 6% a 6,5%.

Mas o importante é que as expectativas futuras convirjam para um nível mais próximo do centro da meta de 4,5%, o que parece bastante factível, levando em conta o efeito das medidas tomadas e, ainda, uma provável acomodação no ritmo de crescimento dos preços das commodities no mercado internacional.

Um nível mais alto de inflação, como o que estamos vivenciando, não é desejável, mas algo que em parte não depende das nossas ações, porque decorre de choques de oferta internacional e que afetam muitos países.

Se o governo tomar medidas radicais de corte de gastos públicos e de aumento dos juros - como é o desejo de alguns -, o risco é fazer emborcar ainda mais o ritmo da atividade econômica, no limite a ponto de gerar uma recessão. Isso, além dos custos econômicos e sociais envolvidos, abortaria uma tendência observada desde o ano passado de crescimento expressivo do investimento privado.

Portanto, quem defende uma radicalização da política macroeconômica, que vem sendo conduzida com serenidade e competência pela equipe econômica, precisa deixar mais claro se defende uma recessão para o País.

O que me parece um erro na estratégia macroeconômica atual é ser complacente com a valorização do real, utilizando-a como instrumento anti-inflacionário de curto prazo. Os seus custos para a economia superam, em muito, os seus aparentes benefícios. Mas esse é outro assunto, que abordarei num próximo artigo.

Economista, doutor pelo IE/UNICAMP, professor-doutor do Departamento de Economia da PUC-SP, é coautor, entre outros livros, de "Economia brasileira" (4ª edição, Saraiva, 2010)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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