segunda-feira, 18 de abril de 2011

Sinais de vida na discussão tucana :: César Felício

A leitura atenta do artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para a revista "Interesse Nacional" deixa evidente que o presidente de honra tucano não propôs que o PSDB deixasse de buscar o voto da maioria da população. O ranço preconceituoso de sua referência ao "povão" o fará pagar o preço de reforçar o viés elitista de um partido que há muito tempo se desconectou do sentimento popular, mas ele não é "um idiota", conforme o próprio disse em entrevista a Cristiane Agostine, no Valor. Elaborar uma estratégia para se aproximar de determinados grupos da sociedade é diferente de fechar-se aos restantes.

O movimento de Fernando Henrique ao sugerir ao partido que exerça a oposição fora dos limites estritos dos espaços institucionais, como o Parlamento, buscando conexão com associações de bairro, profissionais do entretenimento, empresários jovens, grupos culturais de periferia e até redes de consumidores, conforme escreveu no artigo, aproxima-se do que o seu sucessor na presidência, Luiz Inácio Lula da Silva propunha em um encontro do PT sobre o socialismo em março de 2001, em São Paulo, um ano e meio antes de chegar ao poder.

FHC faz movimento semelhante ao de Lula em 2001

O encontro se deu em um instante em que ainda não estavam dadas condicionantes que abriram o caminho para a vitória oposicionista na eleição do ano seguinte, como a fragmentação do bloco governista e a crise do apagão da energia. Havia petistas falando que o governo FHC viria com um candidato forte e que era importante o PT concorrer com os olhos na eleição de 2006.

No discurso, tal como Fernando Henrique em seu artigo, Lula falou para os próprios correligionários, não para o público externo. Depois de críticas ao capitalismo - " o capitalismo não será solução para os nossos problemas (...)por si só, é predatório (...) predestina que grande parte da população seja pobre" - o futuro presidente afirmou: "Marx imaginava uma sociedade de classes que não aconteceu. Hoje temos um novo tipo de trabalhador, terceirizado ou por conta própria. O discurso que eu fazia nos anos 80 já não vale mais. O trabalhador que eu fui é uma minoria hoje. É preciso um novo discurso para esta gente que não é mais explorada diretamente pelo patrão".

Lula obviamente não se referia à nova classe média que Fernando Henrique elegeu agora como prioridade. O sucessor do tucano mirava no segmento que se expandiu na sociedade nos anos 90, o novo proletariado, ancorado na economia informal, ou pelo menos muito distante de bater cartão: "é necessário uma política especial para os trabalhadores que estão na rua e hoje não se sentem mais representados pelas entidades tradicionais. É preciso todo um aprendizado nosso. Lamentavelmente, nós não representamos a contento os que ganham salário mínimo neste país".

O discurso de Lula em 2001 e a manifestação de Fernando Henrique agora convergem para um mesmo fenômeno: o hoje ex-presidente tucano e o petista que há dez anos ainda aspirava chegar ao poder percebiam que seus partidos haviam sofrido uma quebra de representatividade, que não poderia ser sanada da tribuna do Congresso ou com entrevistas a jornalistas, mas buscando um novo segmento da sociedade para interagir.

Em vários aspectos, o panorama desolador da institucionalidade descrito por Fernando Henrique hoje, que vai do esvaziamento do poder político dos governadores, com a concentração dos instrumentos administrativos nas mãos da União, à transformação do Congresso em uma câmara de vereadores federais e o completo esvaziamento ideológico dos partidos, já estava presente há dez anos. A grande diferença é que a ascensão de Lula ao poder também desossou os movimentos sociais, hoje em grande parte divididos entre o atrelamento total ao Planalto e a insignificância.

Neste panorama, talvez o mais lesivo aspecto para a prática política é um fenômeno que não se restringe ao Brasil: a morte cerebral dos partidos. Quando o sistema partidário deixa de buscar alianças na sociedade para se tornar apenas uma máquina de votos com a qual um agrupamento de caciques divide o botim administrativo, pode-se viver o mesmo quadro que ocorre atualmente no Peru. Naquele país, os eleitores terão em breve a oportunidade de escolher entre os dois candidatos mais detestados pela população: Ollanta Humala e Keiko Fujimori. São representantes de extremismos com alto teor de rejeição, que se beneficiaram da fragmentação do centro político entre três candidatos que se destruíram em um processo autofágico.

O sistema partidário peruano há pelo menos vinte anos entrou em colapso: cada líder político organiza seu ajuntamento para participar das eleições, sem estabelecer alianças. E desta maneira vai minando a própria estabilidade: seja Keiko ou Humala, é certo que o próximo presidente do Peru terá frágil sustentação popular, independente do que venha a fazer. O Peru é o exemplo mais recente, mas de modo algum o único, de fragilização partidária no continente. Exceção ao Chile, Colômbia, Uruguai e Paraguai, é o que se observa na Argentina, Venezuela, Bolívia, Equador.

A profusão de partidos, paradoxalmente, é um forte indicativo de ausência de opções reais. A criação do PSD de Gilberto Kassab é um forte indicativo da aproximação do Brasil do modelo apartidário de política que viceja em parte da América do Sul. O artigo de FHC, que se segue ao pronunciamento em que o senador Aécio Neves procurou emular o avô e se colocar como liderança, são movimentos no sentido contrário. Dão demonstração de vitalidade partidária ao fomentarem o debate, de um modo só possível em partidos de oposição: não há notícias de um artigo sobre o "papel do governo" dentro do PT, como não houve este artigo dentro do PSDB entre 1995 e 2002. Há muito mais vida entre os tucanos do que no partido que se forma.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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