sexta-feira, 22 de abril de 2011

Tráfico desumano :: Arnaldo Jordy

A reportagem de abertura do "Fantástico" do último domingo (17/04), na Rede Globo, apresentou um retrato claro de um dos maiores flagelos que a humanidade enfrenta nos dias atuais: o tráfico de seres humanos.

A matéria, que teve início com o "aparecimento" de um adolescente haitiano no metrô de São Paulo na semana retrasada, fez um rastreamento e esclareceu em pormenores o caso, em que a mãe do menor contratou os chamados coiotes, para levar seus dois filhos do Haiti para a Guiana Francesa, onde mora há oito anos.

Além de só ter levado um menino, os coiotes extorquiram a família, como costumeiramente fazem, pedindo dinheiro além do combinado e por finalmente abandonarem o garoto - após passarem por vários países da América Latina - numa estação paulista.

Felizmente este caso terá um final feliz, onde a Justiça brasileira encaminhará o garoto à mãe, na Guiana Francesa. Mas é um caso isolado. Por dia, milhares de pessoas no mundo inteiro são vítimas desse crime, num comércio ilegal e que rende bilhões de dólares por ano para quadrilhas especializadas e que por vezes não enfrentam nenhum tipo de combate.

Para a Organização das Nações Unidas (ONU), o número de pessoas traficadas no planeta atinge a casa dos quatro milhões anuais, movimentando em torno de 32 bilhões de dólares, dos quais 80% são provenientes da exploração sexual de mulheres. Em meio a essas denúncias, veio à tona uma realidade espantosa: o Brasil é um dos países campeões do mundo em relação ao fornecimento de seres humano para o tráfico internacional, seja para trabalho escravo, prostituição, comércio de órgãos humanos e até pedofilia.

Durante investigações da CPI da Pedofilia da Assembleia Legislativa, levada a cabo no Pará em 2009, lamentavelmente já havíamos constatado o absurdo tráfico de crianças e adolescentes para fins de exploração sexual. E recentemente de casos semelhantes, mas com o intuito para o bárbaro comércio de órgãos humanos. Quadrilhas de tráfico humano não estão agindo apenas nas principais cidades do país, mas em todos os rincões e até com mais facilidade de operação.

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transacional, conhecida como Convenção de Palermo, é o principal instrumento global de combate ao crime organizado. A qual é complementada pelos protocolos que abordam áreas específicas: Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas; Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea; e Contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo.

No Brasil, o Ministério da Justiça tem se esforçado em combater este crime, através da Coordenação de Enfrentamento do Tráfico Humano. Mas ainda é insuficiente, a começar pela extensão de nossas fronteiras e pelo número reduzido de pessoal para combate deste mal, sem falar na quase que completa ausência de campanhas informativas nos estados e municípios.

Na Câmara Federal, há uma iniciativa do Parlamento em colaborar com as autoridades, através de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), protocolada por mim em março último, com a assinatura de mais de 180 parlamentares. Estamos neste momento aguardando apenas a autorização da mesa da casa para sua instalação e início dos trabalhos.

O objetivo dessa CPI será o de investigar o tráfico de pessoas no Brasil, onde se verificarão suas causas, consequências e responsabilidades, no período de 2003 a 2011, compreendido na vigência da Convenção de Palermo.

Com o recente crescimento econômico do Brasil, onde mais trabalhadores serão exigidos em algumas regiões do país, é esperado um incremento desse crime, com quadrilhas nacionais e internacionais, que, agindo nos países vizinhos, trazem trabalhadores para invariavelmente trabalharem e morarem em condições sub-humanas, próximas à escravidão e à margem das legislações vigentes.

É preciso que se combata com seriedade essas redes de exploração, em que pessoas inescrupulosas, capazes de negociarem seus semelhantes apenas para auferirem benefícios financeiros, tenham suas atividades criminosas investigadas e encerradas.

Arnaldo Jordy é deputado federal (PPS/PA) e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

FONTE: O GLOBO

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