quinta-feira, 12 de maio de 2011

Às margens do erro:: César Felício

A ressalva é de conhecimento geral entre os estudiosos do tema, mas não deixa de impressionar quem não tem na atividade de pesquisador o seu ofício: todas as vezes que você tomar conhecimento de uma pesquisa de intenção de voto e ouvir ou ler que a margem de erro é de dois pontos para cima ou para baixo da porcentagem informada, saiba que trata-se de uma informação incorreta. A margem de erro não existe.

O que os institutos de pesquisa informam, por obrigação legal, é uma margem de erro análoga à que haveria caso adotassem uma metodologia completamente diferente da que usam. Ou seja: uma total ficção.

A aferição da margem de erro só poderia ser feita caso as pesquisas fossem feitas pela chamada amostragem simples aleatória, um método que começou a ser adotado nos Estados Unidos depois da eleição de 1948, quando alguns institutos fracassaram ao não prever a reeleição do presidente Harry Truman.

Por este método, divide-se o país em universos geográficos dentro dos quais é possível selecionar uma amostra de eleitores por sorteio. Em seguida, visita-se eleitor por eleitor sorteado. Pelas leis estatísticas, o resultado final tende a se aproximar do retrato da sociedade. No Brasil, o sistema que é usado por todos os institutos é o de amostragem por quotas: toma-se o resultado de um levantamento oficial e procura-se direcionar as entrevistas para reproduzir em uma amostragem a miniatura do retrato nacional. Neste método, não é possível determinar uma margem de erro.

Pesquisas seguirão falhando e sendo cruciais em 2012

Há quase um consenso sobre a inviabilidade de se fazer no Brasil uma pesquisa por amostragem aleatória. Sua realização ou tomaria muitos dias de campo ou envolveria um número de entrevistadores que a tornaria financeiramente inviável. São poucos os que cobram dos institutos a troca do método da amostragem, até porque estudos comparativos feitos no exterior não mostram diferenças de vulto entre os acertos obtidos por uma técnica e por outra. Mas são imperfeições assim que mostram a fragilidade das pesquisas como uma ferramenta para traçar prognósticos sobre movimentos da sociedade.

Em uma eleição municipal, como a que o Brasil terá no próximo ano, o desafio dos institutos será ainda maior do que foi em 2010, quando o resultado final mostrou alto grau de imprecisão, até mesmo em pesquisas de boca de urna.

"Em um universo pesquisado menor, as mudanças tendem a ocorrer mais rapidamente e em menos espaço de tempo, tornando mais difícil a estratificação por cotas, que sempre se baseia em estudos realizados anos antes. Há um "gap" temporal", comenta o cientista político Wladimir Gramacho, que faz análises de pesquisa para a empresa de comunicação FSB.

Gramacho apresentou no Congresso Latino Americano de Opinião Pública, em Belo Horizonte, um estudo em que examinou 156 pesquisas, sendo 57 delas na última semana antes do primeiro turno das eleições de 2010, medindo as disputas para governador e presidente. Ele considerou três institutos de pesquisa: Datafolha, Vox Populi e Ibope. Constatou que, à parte toda polêmica entre eles durante a campanha eleitoral, os três convergiram para resultados semelhantes. "As estimativas de intenção de voto para cada candidato têm em média, um erro de 3,6 pontos, o que é um ponto superior à média das margens de erro informadas à Justiça Eleitoral pelos institutos", concluiu, referindo-se apenas às pesquisas feitas nos últimos sete dias antes da disputa de 2 de outubro do ano passado.

Imprecisas como são, as pesquisas eleitorais são e continuarão sendo protagonistas crescentes da campanha. Orientam o financiamento eleitoral, influem de maneira decisiva na escolha dos candidatos pelos partidos e direcionam a cobertura da mídia, colaborando para delimitar o espaço de cada um no noticiário ou quem entra ou não em um debate.

No Congresso realizado em Belo Horizonte, a cientista política Flavia Biroli, da Universidade de Brasília, mapeou 1.217 pesquisas realizadas nas últimas seis eleições presidenciais que foram publicadas pelos três principais jornais e quatro principais revistas de circulação nacional. Em 43% dos casos as pesquisas foram publicadas na capa ou na primeira página.

"A cobertura da campanha tende a ganhar um aspecto de corrida de cavalos. A atenção está voltada para a concorrência dos indivíduos ou dos partidos, o que causa um problema de representatividade no sistema. O processo político reduz-se a saber quem está na frente e quem tem possibilidades de virar o jogo. Divisões fortes na sociedade podem ficar à margem de qualquer discussão", comenta a pesquisadora.

Talvez seja demasiado pedir à mídia que apresente um processo eleitoral diferente do que os próprios candidatos proporcionam. Parte muitas vezes dos postulantes a pasteurização de um discurso ditado por marqueteiros e a adoção de uma agenda única em que todo mundo é a favor de mais trabalho e educação e contra a miséria e a fome.

Prestar atenção nas pesquisas, elevando o olhar além das curvas de intenção de voto, pode ajudar a jogar o foco no eleitor. Na campanha eleitoral para a presidência no ano passado, as pesquisas em sua maioria erraram no resultado, mas conseguiram definir tendências. Captaram por exemplo a entrada em cena da discussão do aborto na reta final do primeiro turno, abalando a trajetória relativamente tranquila em que vinha Dilma Rousseff. No universo muito longe da precisão matemática que caracteriza os processos políticos, perceber a direção da corrente, mesmo sem acertar na medida da velocidade, não é pouco.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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